REl - 0600511-22.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2021 às 14:00

VOTO 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que, sem determinar a restituição de valores ao Tesouro Nacional, desaprovou as contas de JOSE LUIZ SOUZA DA SILVA, candidato ao cargo de vereador nas eleições de 2020 no Município de Unistalda, consoante excerto a seguir reproduzido:


As contas foram apresentadas no período previsto e a documentação contábil observou de forma parcial os termos previstos na Resolução TSE nº 23.607/2019.
Verificou-se em consulta ao sistema da Justiça Eleitoral a existência de débito no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais), que não possui identificação do destino registrado na conta do candidato, em desacordo com o art. 12 da resolução supracitada. A análise técnica também apontou despesas com combustíveis sem o o registro de utilização de veículos, seja por doação estimável em dinheiro ou locação no Demonstrativo de Receitas e Gastos.
Dispositivo.
Isto posto, julgo desaprovadas as contas do candidato JOSÉ LUIZ SOUZA DA SILVA, nas eleições de 2020, conforme artigo 74, III, § 4º da Resolução TSE nº 23.607/2019, uma vez que o prestador de contas foi omisso em esclarecer todas as divergências apontadas na análise técnica.

Passa-se, a seguir, à análise individualizada dos apontamentos que ensejaram a rejeição das contas.

I – Da realização de gastos sem observância da forma prescrita no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19

A unidade técnica, analisando a movimentação bancária do candidato, constatou a existência de débito na monta de R$ 1.000,00 sem a correspondente identificação do fornecedor de campanha destinatário dos recursos (ID 28932883).

No apelo, o recorrente alega que os valores se destinaram ao pagamento de honorários advocatícios, conforme recibo acostado aos autos e Extrato de Prestação de Contas Final.

Em consulta ao sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral e disponível no endereço https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88480/210000773385/extratos, observa-se que consta relativamente à operação bancária ora examinada a anotação de “saque eletrônico”, no campo “operação”, e “cheque terceiros por caixa”, em histórico, conforme imagem abaixo:

 

Pois bem.

A forma de pagamento dos dispêndios eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

No caso vertente, é nítido que a ordem de pagamento foi emitida sem o necessário cruzamento, pois o desconto ocorreu diretamente no caixa da instituição bancária, mediante apresentação da cártula.

A exigência de cruzamento do título visa impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Por sua vez, a documentação carreada pelo recorrente ao feito, consistente em relatório final de prestação de contas (ID 28932833, fl. 3) e recibo subscrito pela advogada, dando conta de que seus honorários, na quantia de R$ 1.000,00, foram pagos por meio do cheque n. 6 (ID 28932333), não supre a falha glosada, porquanto se trata de declaração unilateral.

Com efeito, as meras declarações firmadas pela suposta beneficiária do cheque, afirmando que o valor lhe foi repassado, não possuem força suficiente para se entender que o lastro do pagamento está comprovado, pois a legislação exige o registro inequívoco do favorecido na própria operação bancária, de modo a permitir o batimento das informações e a rastreabilidade da movimentação financeira, o que não ocorre na hipótese em tela.

Nesse sentido é a jurisprudência desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE GASTOS ELEITORAIS POR MEIO DE CHEQUES NOMINAIS NÃO CRUZADOS. INFRINGÊNCIA AO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. CARÁTER OBJETIVO DA NORMA. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAR O BENEFICIÁRIO DO RECURSO. VALOR REDUZIDO DAS IRREGULARIDADES. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou contas de candidato ao cargo de vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em razão de pagamento de gastos eleitorais por meio de cheques nominais não cruzados, descumprindo o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais sob discussão está disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado. O cheque não cruzado pode ser compensado sem depósito bancário. Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

3. Caracterizada a irregularidade na forma de pagamentos de despesas mediante cheques não cruzados. A alegação de que a exigência em tela impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

(...)

(TRE-RS, REl n. 0600280-46.2020.6.21.0027, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 19.8.2021.) (Grifei.)

 

Por conseguinte, tendo o referido dispêndio se dado à margem dos preceitos enunciados no dispositivo antes transcrito, que exigem que o cheque seja cruzado e nominal ao fornecedor, restou materializada a irregularidade, que compromete a perfeita fiscalização contábil, não merecendo a sentença reparo quanto ao ponto.

 

II – Das despesas com combustível sem registro de cessão de veículo

Na instância de origem, a unidade técnica detectou que o candidato efetuou despesas com combustível, mas que, “ao analisar o Demonstrativo de receita e gastos”, constatou que não houve declaração de gastos financeiros ou estimáveis em dinheiro com locação ou cessão de veículo (ID 28932883).

O recorrente defende que se encontram anexados aos autos o Termo de Cessão de Uso de Veículo, com a descrição do veículo utilizado nas eleições 2020, assinado na data de 17 de setembro de 2020, e também o respectivo CRLV, de sorte que teria sido comprovado o gasto com combustíveis.

A matéria concernente aos gastos com combustíveis e manutenção de veículo empregado na campanha encontra-se disciplinada na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 35, §§ 6º e 11, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Nesse passo, consoante dispõem os dispositivos transcritos, as despesas do candidato com combustível, reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha.

Podem tais despesas, entretanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, do aludido diploma normativo.

In casu, malgrado o órgão técnico, em sua análise, tenha deixado de individualizar os gastos com aquisição de combustível, nota-se que o candidato declarou, segundo escriturado no Extrato da Prestação de Contas Final (ID 28931433, fl. 2, item 2.11), ter realizado dispêndios dessa natureza no valor de R$ 390,00.

As notas fiscais respectivas, emitidas pelo fornecedor FERMINO LEOCIR MARTINS – ME, CNPJ n. 02.572.831/0001-63, contra o CNPJ de campanha, 38.680.043/0001-38, estão juntadas aos autos, sob o ID 28932233 (gastos de R$ 137,00, em 26.10.2020, e R$ 74,30, em 09.11.2020) e ID 28932283 (despesas de R$ 86,00 em 15.10.2020 e R$ 92,70 em 19.10.2020), resultando no valor global de R$ 390,00, tendo sido anotado em todos os documentos fiscais a placa do veículo abastecido, qual seja, IXS 3187.

Verifico, outrossim, por meio de pesquisa no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88480/210000773385/bens), que o candidato declarou em sua prestação de contas a propriedade do bem “Fiat Palio Fire, ano 2017, placa IXS3187”.

Anoto, ainda, que foi carreado ao feito, após a emissão do parecer técnico preliminar, o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo atinente ao automóvel FIAT Palio Fire, placas IXS 3187, que demonstra estar averbado em nome de JOSE LUIZ SOUZA DA SILVA (ID 28932583), bem como o termo de cessão do veículo FIAT Palio Fire, ano/modelo 2017/2017, placas IXS 3187, para o período de 17.9.2020 a 15.11.2020, em que foi estimado o valor em R$ 2.240,00, calculado com base nas diárias de locação cobradas por empresas do ramo (ID 28932533).

Igualmente, foi acostado aos autos o Demonstrativo de Despesas com Combustíveis Semanal (ID 28930933), dando conta de que, nas semanas de 18.10.2020 a 24.10.2020, 25.102020 a 31.10.2020 e 08.11.2020 a 14.11.2020, houve dispêndios no fornecedor FERMINO LEOCIR MARTINS, CNPJ n. 02.572.831/0001-63, consubstanciados na aquisição de gasolina, em montantes individuais de R$ 86,00 e R$ 92,70 na primeira semana; R$ 137,00 na segunda; e R$ 74,30 na terceira, totalizando R$ 390,00.

Contudo, como apontado na instância a quo, percebe-se que não foi declarada a cessão em questão no Extrato da Prestação de Contas Final (ID 28931433), na forma prescrita na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 35, § 11, inc. II, al. “a”.

Insta salientar que, nos termos dos arts. 57, § 2º, e 60, §§ 4º, inc. I, e 5º, do mencionado estatuto regulamentar, é necessário o registro na prestação de contas das doações estimáveis em dinheiro, sendo que a dispensa de sua comprovação não implica desobrigação do lançamento dos valores atribuídos à operação:

Art. 57. A comprovação dos recursos financeiros arrecadados deve ser feita mediante:

(...)

§ 2º A ausência de movimentação financeira não isenta o prestador de contas de efetuar o registro das doações estimáveis em dinheiro.

(...)

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(...)

§ 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

(...)

III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

§ 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

(…)

 

Demais disso, resta claro que os abastecimentos em questão serviram ao uso pessoal do candidato, razão pela qual não poderiam ser pagos com recursos de campanha, nos termos do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nítida, portanto, a configuração da irregularidade, na monta de R$ 390,00, razão pela qual a sentença não merece reforma quanto ao ponto.

Assim, as falhas identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 1.390,00 (R$ 1.000,00 + R$ 390,00), cifra que representa 51,35% das receitas declaradas (R$ 2.706,95), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal (TRE-RS, PC n 060235173, de minha relatoria, publicado em sessão de 03.12.2019).

Destarte, em harmonia com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser integralmente mantida a sentença que desaprovou as contas.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de JOSE LUIZ SOUZA DA SILVA, relativas à disputa ao cargo de vereador no Município de Unistalda nas Eleições de 2020.