REl - 0600428-24.2020.6.21.0038 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Recebimento do Recurso no Efeito Suspensivo

Inicialmente, em relação ao requerimento de recebimento do recurso no duplo efeito, registro que, em sede de processo eleitoral, há de se observar o disposto no art. 257, § 2º, do Código Eleitoral, in verbis:

Art. 257. Os recursos eleitorais não terão efeito suspensivo.

(…)

§ 2º O recurso ordinário interposto contra decisão proferida por juiz eleitoral ou por Tribunal Regional Eleitoral que resulte em cassação de registro, afastamento do titular ou perda de mandato eletivo será recebido pelo Tribunal competente com efeito suspensivo.

 

Como se depreende do dispositivo transcrito, os recursos interpostos contra sentenças proferidas em processos de prestação de contas eleitorais não se inserem dentre as hipóteses permissivas de atribuição de efeito suspensivo.

Ademais, o recolhimento de valores arrecadados de fontes vedadas ou sem identificação de origem, bem como aqueles movimentados em desacordo com as normas que disciplinam as receitas derivadas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e do Fundo Partidário, deve ser comprovado no prazo de até 5 (cinco) dias, contados da data do trânsito em julgado da decisão que julgar a contabilidade eleitoral (arts. 31, § 10, 32, § 2º e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), de sorte que, enquanto houver recurso pendente de análise jurisdicional, a sentença, ex vi legis, não gera qualquer restrição à esfera jurídica da parte recorrente (TRE-RS, RE n. 48121, Relator DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 24.11.2017, p. 9).

Por essas razões, ausentes previsão legal e interesse processual na atribuição judicial de efeito suspensivo ao recurso, indeferido o pedido.

 

Conhecimento de Novos Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura possa sanar irregularidades e não haja necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de maneira a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS - RE: 50460 PASSO FUNDO - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 13, Data 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

Logo, conheço da documentação juntada com o recurso.

 

Mérito

Trata-se de recurso interposto por CLAUDIO JORGE LUNCKS DE FREITAS contra sentença que desaprovou a sua prestação de contas relativa ao pleito de 2020, no qual concorreu à vereança no Município de Rio Pardo, devido à ausência de comprovação de que o pagamento de duas despesas com recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no valor total de R$ 2.445,00, foram efetivados por meio da emissão de cheques nominais e cruzados, do que decorreu a imposição da ordem de recolhimento da referida quantia ao Tesouro Nacional, com respaldo nos arts. 38, inc. I, 74, inc. III, e 79, § 1º, todos da Resolução TSE n. 23.607/19.

A pretensão recursal merece ser acolhida.

Na hipótese, o prestador declarou o uso de recursos do FEFC para o pagamento de dois dispêndios eleitorais contratados junto aos fornecedores Silvia M. de A. Varreira - ME (CNPJ n. 13.089.579/0001-52) e Vilmar Barros da Rosa (CNPJ n. 532.714.080-68), nos valores respectivos de R$ 345,00 e R$ 2.100,00 (ID 24318733), os quais foram devidamente comprovados por meio da NF-e n. 244 (ID 24319933) e do recibo de pagamento de prestação de serviços n. 01 (ID 24320033), atendendo à exigência contida no art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em grau recursal, o candidato apresentou as fotocópias dos cheques ns. 850003 e 850005 (ID 24320633), demonstrando que foram emitidos na forma nominal e cruzada aos referidos fornecedores da campanha declarados nos demonstrativos contábeis.

Sob esse aspecto, a Procuradoria Regional Eleitoral entendeu que somente as fotografias dos cheques constituiriam documentos hábeis ao afastamento da falha, na medida em que o próprio prestador declarou não ter cruzado os títulos de crédito em suas manifestações durante a instrução do processo.

Em diligência realizada por este Tribunal, a informação restou confirmada por meio de resposta do Banco do Brasil, na qual constam as cópias dos dois cheques acima referidos, devidamente emitidos de forma nominal e cruzada (ID 44841857).

Acrescento que, no caso concreto, não passou despercebida a este julgador a ausência de identificação da contraparte beneficiária dos créditos nas operações correspondentes aos cheques ns. 850003 e 850005, registradas nos dias 13 e 16.11.2020, como mostra o extrato eletrônico da conta-corrente destinada ao gerenciamento das verbas recebidas do FEFC, disponibilizado no Sistema de Divulgação de Candidaturas de Contas Eleitorais, na página do Tribunal Superior Eleitoral na internet.

A respeito, cumpre enfatizar que o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao estabelecer as formas de pagamento dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (“não à ordem”), não sendo, portanto, exigível do candidato, que emitiu o cheque na forma reclamada pela legislação eleitoral (nominal e cruzado), que o próprio prestador do serviço ou o fornecedor do bem faça o desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85.

Dessa forma, inexiste vedação legal a que os cheques emitidos de forma nominal e cruzada sejam repassados mediante posterior endosso e venham a ser compensados em favor de terceiro alheio à relação jurídica estabelecida entre o candidato e o fornecedor informado na escrituração contábil, sobre a qual recai o interesse desta Especializada, como se depreende ter acontecido no caso sob exame.

Nesse sentido, a orientação adotada por este Regional no julgamento de precedente relativo ao pleito de 2020:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(TRE-RS, REL n. 0600285-77.2020.6.21.0024, Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado na sessão de 06.7.2021.) (Grifei.)

 

Assim, não se verificando mácula no procedimento adotado pelo recorrente, que emitiu cheques nominais e cruzados para a quitação de despesas comprovadas em documentação hábil, em atendimento à disciplina posta nos arts. 38, inc. I, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/97, permitindo-se inferir que os títulos de crédito vieram a circular no mercado e ser compensados em favor de terceiros, a sentença merece ser reformada para que as contas sejam aprovadas sem ressalvas, afastando-se a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento do recurso interposto por CLAUDIO JORGE LUNCKS DE FREITAS, para julgar aprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, afastando a ordem de recolhimento da quantia de R$ 2.445,00 ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 74, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.