REl - 0600435-72.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2021 às 14:00

 VOTO

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de campanha, eleições 2020, cargo de vereador, de JOÃO PAULO ZIULKOSKI, no Município de Tapes/RS.

Consta que a sentença desaprovou as contas do candidato em razão da existência de recebimento de recursos de origem não identificada e omissão de receitas ou gastos eleitorais, infringindo o disposto no art. 39, c/c o art. 40, inc. III, e art. 53, inc. I, al. "g" e inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 41410983):

A obrigação de prestação contas à Justiça Eleitoral decorre de comando previsto no art. 17, III, da Constituição Federal, sendo tratada pela legislador na Lei 9.096/1995 e, mais especificamente em relação às contas das campanhas eleitorais, na Lei 9.504/97, além de restar regulamentada nas Resoluções expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

A Resolução TSE n. 23.607/2019, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2020, determina no art. 65 que as contas serão analisadas de forma informatizada, com o objetivo de detectar:

I - recebimento direto ou indireto de fontes vedadas;

II - recebimento de recursos de origem não identificada;

III - extrapolação de limite de gastos;

IV - omissão de receitas e gastos eleitorais;

V - não identificação de doadores originários, nas doações recebidas de outros prestadores de contas.

Da análise dos autos, verifica-se que nas presentes contas restaram identificados os requisitos II e IV acima indicado, mesmo após realização de diligências.

No mérito das contas, com apoio do exame exarado pela Unidade Técnica e tendo como balizas de análise os incisos I a V do art. 65, constata-se a existência de recebimento de recursos de origem não identificada e omissão de receitas ou gastos eleitorais, infringindo o disposto no art. 39 c/c art. 40, III e art. 53, I, "g" e II, "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019.

Desse modo, havendo irregularidades que comprometam a regularidade, a lisura e a transparência da prestação de contas, sua desaprovação é medida que se impõe.

 

Com relação à primeira irregularidade apontada, ou seja, ausência de capacidade financeira dos doadores, o que, por via de consequência, configura recebimento de recursos de origem não identificada (art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19), acertada a sentença a quo.

Os doadores são beneficiários do auxílio emergencial do Governo Federal (COVID), ou seja, enquadraram-se na triagem de concessão do benefício como pessoas em dificuldade financeira para sua manutenção alimentar, o que, por si só, evidenciaria ausência de capacidade financeira.

Aliás, causa estranheza que os doadores, não tendo recursos para si próprios, possam dispor de valores, oriundos dos cofres públicos, para financiamento de campanha eleitoral, respectivamente de R$ 500,00 (quinhentos reais) e R$ 1.000,00 (um mil reais), conforme se depreende do Parecer Conclusivo (ID 41410783). Note-se que o valor máximo que o benefício pode atingir é de R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais, de maneira que um doador repassou 83,33% do seu benefício e, o outro, quase o dobro do valor recebido a título mensal.

Junte-se a isso o fato de o recorrente não ter trazido aos autos, mesmo instado a fazê-lo, nenhum documento que comprove a capacidade financeira dos doadores diante da doação realizada.

Corroborando esse entendimento, o recente julgado de relatoria do Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. CANDIDATO. VEREADOR. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO DE BENEFICIÁRIO DE AUXÍLIO EMERGENCIAL DO GOVERNO FEDERAL. COVID-19. INCAPACIDADE ECONÔMICA. PREVALÊNCIA DA MORALIDADE E TRANSPARÊNCIA DAS CONTAS. FALHA DE VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL DA QUANTIA IMPUGNADA. PROVIMENTO PARCIAL.

1.Recurso contra sentença que desaprovou prestação de contas e determinou o recolhimento de valor ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de doação de pessoa física beneficiária do Auxílio Emergencial do Governo Federal (COVID19), a evidenciar ausência de capacidade financeira do doador, bem como ausência de demonstração da origem dos recursos.

2. Incontroversa a doação, depositada na conta do candidato, por cidadão que usufrui de programa social (Auxílio Emergencial). Existência de contradição no fato de que um cidadão beneficiário de auxílio emergencial destinado à alimentação tenha capacidade de realizar doação para campanha eleitoral, em valor superior ao próprio benefício. As peculiaridades do caso concreto demonstram a necessidade da análise do tema de forma sistemática, devendo prevalecer os valores da moralidade e da transparência das contas.

3. Os elementos constantes nos autos são suficientes para estabelecer a existência de uma relação entre o doador e o candidato, o que nunca foi negado pelo prestador das contas, bem como demonstrar que o prestador teve diversas oportunidades não aproveitadas para comprovar que a condição financeira do doador era compatível com a doação efetuada, conferindo idoneidade à transação.

4. A falha apontada importa no valor total de R$ 700,00, o que representa 29,66% dos recursos declarados como recebidos, importância que deverá ser recolhida ao Tesouro Nacional. Apesar de o percentual da irregularidade ser significativo diante do somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

5. Cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Circunstância que não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

6. Parcial provimento.

(REl 0600456-22.2020.6.21.0028, Relator: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, sessão de 19.5.2021.)

 

Da análise do conjunto de circunstâncias do caso telado: de um lado, doações realizadas por pessoas físicas inscritas em programas sociais do governo, de outro, a não comprovação de que essas pessoas possuam outros meios de subsistência, vislumbra-se ausência de capacidade econômica dos doadores e o desconhecimento da origem dos recursos, nos termos do art. 32, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Coaduno com o entendimento acolhido à unanimidade por ocasião do referido julgamento, para fazer preponderar os princípios da moralidade e da transparência das contas. Contudo, incabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na medida em que os valores doados somam R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), o que representa 11% das receitas financeiras.

Nesse aspecto, o posicionamento da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44804586):

Ademais, na hipótese do doador para a campanha ser efetivamente a pessoa declarada, então estaríamos diante de afronta ao princípio da moralidade (aplicável ao processo eleitoral quando envolvidos recursos públicos), em que os escassos recursos do Erário destinados a pessoas carentes em meio a uma pandemia estariam sendo desviados para a campanha eleitoral, podendo, em tese, se não preenchidos os requisitos legais, configurar, inclusive, o crime de estelionato contra a União.

Em ambos os casos, os recursos devem retornar aos cofres da União, não podendo a Justiça Eleitoral aprovar contas em que os recursos foram doados por “laranja” (recurso de origem não identificada) ou são oriundos de conduta ilícita ou imoral (em se tratando de recursos de origem pública).
 

Quanto à segunda falha, despesas junto a fornecedores cujo sócio ou administrador está inscrito em programa social, afasto a irregularidade por entender que a simples inscrição em programas sociais não indica necessariamente a ausência de capacidade operacional para prestar o serviço ou fornecer o material contratado.

Nesse sentido, recente julgado desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA DE BENS NO REGISTRO DE CANDIDATURA. APLICAÇÃO DE RECEITA PRÓPRIA NA CAMPANHA. JUNTADOS AO RECURSO DOCUMENTOS QUE COMPROVAM A EXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO E RENDA. PAGAMENTO DE DESPESA À EMPRESA CUJA PROPRIETÁRIA ERA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA. NOVO CORONAVÍRUS. PREVISÃO LEGAL. AFASTADA A IRREGULARIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020 para o cargo de vereador, em virtude da declaração de ausência de bens no requerimento de registro de candidatura, mas posterior aplicação de recursos próprios na campanha e pagamento de despesa a empresa cuja proprietária recebera auxílio emergencial do Governo Federal em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus.

2. Juntados ao recurso documentos que comprovam a existência de patrimônio, consistentes na prova de que, durante a campanha, o prestador recebeu indenização decorrente de rescisão de contrato de trabalho e da Declaração de Imposto de Renda do Ano-calendário de 2020, que atesta a existência de renda naquele ano. Embora este Tribunal tenha o entendimento de que, em processos de prestação de contas de campanha, os documentos simples juntados somente em grau recursal podem ser conhecidos, desde que sua análise não demande exame técnico contábil e possa ser realizada de plano e icto oculi pelo julgador, sem necessidade de reabertura da instrução, é certo que a documentação deveria ter sido apresentada de forma tempestiva durante a tramitação das contas no primeiro grau. Sanada a falha nesta instância recursal.

3. Afastada a irregularidade quanto à realização de despesas com fornecedor supostamente carente de capacidade econômica. Gasto contratado com beneficiária de auxílio emergencial do Governo Federal, tratando-se de pagamento efetuado a microempreendedor individual (MEI), atividade em que a concessão do benefício é expressamente autorizada pelo art. 2º, inc. VI, al. "a", da Lei n. 13.982/20.

4. Provimento. Aprovação das contas.

(REl 0600350-86.2020.6.21.0084, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 23.07.2021.)

 

Ademais, como concluiu a Procuradoria Regional Eleitoral, a Lei n. 14.020/20 (que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda) não exige falência da pessoa jurídica para que seus sócios recebam benefício emergencial, bastando que a empresa esteja em dificuldade financeira.

É nesse sentido o ilustre parecer da Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44804536):

Assim, não nos parece que o fato do sócio da empresa ter recebido o auxílio emergencial importa em ausência de capacidade operacional, de modo a impedir a atividade da sociedade comercial. Diante disso, entendemos regular tal despesa.
 

No tocante à terceira irregularidade, sem razão o recorrente, uma vez que a realização de saque no valor de R$ 120,00 (cento e vinte reais) não se destinou à composição de Fundo de Caixa, bem como não foi trazida aos autos comprovação do destino do valor sacado, remanescendo a falha apontada. Trata-se de inconsistência grave, pois inviabiliza o controle sobre a regularidade dos gastos eleitorais realizados em espécie, determinação expressa do art. 39, c/c o art. 40, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por derradeiro, quanto à omissão de receitas e gastos eleitorais (art. 53, inc. I, al. "g" e inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19), o recorrente não foi capaz de esclarecer as divergências existentes entre as declarações constantes no SPCE e os extratos bancários, na oportunidade do exame preliminar (ID 41409883), nem quando do parecer conclusivo (ID 41410783), tampouco no recurso (ID 41411383), quando se resumiu a afirmar que “os documentos que revelam a regularidade das contas foram juntadas ao processo nas páginas 66 à 74 dos autos atinentes à prestação de contas, bem como desde o início da prestação de contas do Recorrente”. Como bem apontou o digno parecer do Procurador Regional Eleitoral “(...) não há uma análise pormenorizada das operações, de forma a esclarecer sua regularidade, razão pela qual entendemos que resta mantida”.

A não comprovação nos extratos bancários da totalidade das receitas e despesas financeiras declaradas na prestação de contas é inconsistência grave, a revelar que os extratos bancários não fazem prova da alegada movimentação financeira havida na campanha eleitoral, razão pela qual a sentença não merece reforma neste ponto.

Observe-se, ao fim, que as irregularidades remanescentes: ausência de capacidade financeira dos doadores; realização de saque no valor de R$ 120,00 em desacordo com o art. 39, c/c o art. 40 da Resolução TSE n. 23.607/19; e omissão de receitas e gastos eleitorais, superam o valor de R$ 1.064,10, bem como o percentual de 10% das receitas declaradas.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso, apenas para afastar a segunda irregularidade apontada, mantendo a desaprovação das contas.