REl - 0600621-51.2020.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo. O prazo de três dias iniciou no dia 23.04.2021 e o recurso foi interposto em 26.04.2021 e, presentes os demais pressupostos recursais, a irresignação merece conhecimento.

Preliminar

O recorrente aduz que a sentença hostilizada deixou de se manifestar no relativo à realização de propaganda institucional irregular, bem como à configuração de ato de abuso de poder, e aponta omissão na análise de argumentos concernentes à documentação apresentada pela parte recorrida. Requer, por tais motivos, a nulidade da sentença.

Sem razão.

A toda evidência, a sentença apresenta fundamentação suficiente para afastar as pretensões da parte autora, ainda que de fato possa se considerar que a exposição tenha sido concisa. De qualquer modo, da mera leitura da sentença conclui-se que o juízo de origem entendeu como lícita a propaganda eleitoral dos representados, afastando a tese de prática de propaganda institucional em período vedado – indico que a própria alusão ao art. 57-B da Lei n. 9.504/97 se dá no contexto de possibilidade de veiculação de propaganda eleitoral na internet, não podendo ser entendido como erro material, tal qual pretende a parte recorrente.

Portanto, e até mesmo sob o prisma da lógica, a fundamentação da decisão recorrida também afastou as acusações de prática de abuso de poder relacionadas aos fatos sob exame.

E situação semelhante ocorre no relativo à comprovação da exoneração de GUSTAVO AMARAL DA VARA. O juízo sentenciante não entendeu suficiente a impugnação apresentada, apontando de forma expressa o motivo pelo qual a data de 15.9.2020 haveria de ser considerada aquela de desligamento de GUSTAVO de seu vínculo funcional com a administração pública do Município de Pelotas, pois “não vieram aos autos elementos para desfazer presunção de que fora exonerado em 15/09/2020, concluindo-se que por um período muito curto prestou serviços à candidata”.

Afasto, assim, a preliminar.

 

Mérito

LUCIANO LUZ DE LIMA ingressou com representação em que aponta a prática de condutas vedadas de PAULA SCHILD MASCARENHAS e IDEMAR BARZ, além de GUSTAVO AMARAL DA VARA. Os representados PAULA e IDEMAR foram candidatos e lograram eleição aos cargos majoritários do Município de Pelotas, gestão 2021-2024.

Os fatos apontados como ilícitos, que caracterizariam a prática de condutas vedadas e de abuso de poder, seriam a realização de publicidade institucional no período vedado e a utilização de servidor e de equipamentos públicos na realização da propaganda eleitoral.

À análise.

Inicialmente, sublinho que a figura central do abuso de poder é a gravidade, de tal modo que o sistema normativo busca a proteção da normalidade e legitimidade do pleito com vistas a resguardar a vontade do eleitor. A Lei Complementar n. 64/90, art. 22, em atendimento à determinação constitucional, prevê ação própria para fazer frente a situações de uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou poder de autoridade:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

Por seu turno, a legislação de regência concernente às condutas vedadas visa tutelar o bem jurídico de isonomia entre os concorrentes ao pleito. Já há algum tempo, o Tribunal Superior Eleitoral tem como pacífico que as hipóteses relativas às condutas vedadas são objetivas, taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira, julgado em 26.10.2004). Dessa forma, a constatação da prática de conduta vedada exige apenas a consunção do fato na legislação que o tipifica, sem a necessidade de análise de outros elementos, sejam subjetivos ou de efeito no resultado da competição eleitoral. Dito de outro modo, a escolha do legislador foi a de entender determinadas práticas como tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos.

Na hipótese, sustenta o recorrente que os representados PAULA e IDEMAR utilizaram ilegalmente os meios de propaganda eleitoral da candidatura como extensão da publicidade institucional oficial do Município de Pelotas, veiculando notícias de interesse público, relativas à pandemia causada pela COVID-19, e a obras públicas como ciclovias e calçadas, somadas à utilização, para tanto, de servidor público lotado no setor de comunicação Prefeitura Municipal, GUSTAVO, que teria cumulado a função pública com as atividades de campanha eleitoral.

A petição inicial traz imagens utilizadas pela então candidata PAULA em suas redes sociais, cujos créditos são atribuídos a GUSTAVO (fls. 6, 7, 8 e 12), que ocupou cargo de Assessor Especial de Secretário no Município de Pelotas.

Na contestação, os representados referiram que as imagens acostadas são públicas, disponíveis em link de acesso irrestrito e produzidas antes do período vedado pela legislação, bem como que GUSTAVO AMARAL DA VARA foi exonerado do cargo público em 15.9.2020, data a partir da qual passou a se dedicar como fotógrafo na campanha da candidata a prefeita.

Inicialmente, entendo fundamental esclarecer que andou bem a sentença ao entender a data de 15.9.2020 como o dia de desligamento funcional de GUSTAVO da Prefeitura de Pelotas. Há, nos autos, declaração oficial de órgão público, a Secretaria Municipal de Administração e Recursos Humanos, assinada eletronicamente por servidora pública, cuja presunção de veracidade vem prevista nos termos do art. 405 do Código de Processo Civil.

Não tendo a parte recorrente apresentado elemento probatório apto a contrariar o documento, a declaração segue considerada verídica. A corroborar tal circunstância, consta também, na prestação de contas de campanha da candidatura dos representados, a contratação de GUSTAVO como fotógrafo da campanha eleitoral.

No que diz respeito às postagens em redes sociais, identifico uma fotografia irregular anterior a 15.9.2020, produzida por GUSTAVO e presente na página pessoal de PAULA. Conforme asseverado pela Procuradoria Regional Eleitoral, houve a publicação de foto em 1º.8.2020 com o comentário “Conversando com os moradores do Pestano sobre as obras de pavimentação” (fl. 6 da inicial), de modo que a imagem foi registrada por servidor público no exercício de suas funções e em evento de gestão – a prefeita em visita a obra pública e interagindo com cidadãos.

A fotografia, com referência na própria contestação, foi veiculada no perfil da candidata na rede social Facebook e não consta no rol das publicações do Município, apesar de haver notícias nas mídias oficiais relativamente à visita ao bairro Pestano.

A redação do art. 73, inc. III, da Lei n. 9.504/97 é a seguinte:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

Desse modo, ainda que de baixa repercussão, pois a postagem recebeu 5 comentários e 53 interações, o fato se amolda de forma objetiva ao art. 73, inc. III, da Lei das Eleições, até mesmo porque as hipóteses previstas nos incs. I a IV do referido art. não possuem lapso temporal de incidência previamente delimitado, reservando-se ao caso concreto a definição da efetiva violação material da regra (ZILIO, Direito Eleitoral, 7ª Ed., JusPodivm, Salvador, 2020, p. 713).

Em resumo, houve violação do comando legal, ainda que em reduzidíssima gravidade para afetar o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Situações correlatas são identificadas acerca das abordagens realizadas sobre a pandemia COVID-19, também em perfil particular da candidata à reeleição.

Noto, a partir de ponderações realizadas em contestação pelos próprios recorridos, que os dados sobre a pandemia se tratavam de documentos públicos e que “a Prefeita segue sendo Prefeita, mesmo em campanha”, que a realização de lives por PAULA, em seus perfis pessoais no Instagram e no Facebook, acabaram por incidir na prática de conduta vedada ao veicular informações oficiais cuja obtenção derivou da posição de prefeita e, portanto, distantes do alcance dos demais candidatos, ao menos com a mesma celeridade.

Bens e serviços da administração pública foram, dessa forma, direcionados à projeção da pessoa PAULA SCHILD MASCARENHAS, em desobediência ao inc. I do art. 73 da Lei das Eleições.

Nesse norte, indico a denominada “Live coronavírus”, veiculada no Instagram em 18.09.2020, na qual PAULA apresenta gráficos com dados sobre o índice de isolamento no município, e as publicações no Facebook denominadas “Boletim Coronavírus”, ocorridas nos dias 22.09.2020 e 26.09.2020, permeadas de dados – casos confirmados, recuperados, pessoas isoladas, internações, pacientes em tratamento intensivo e óbitos. Ainda no Facebook, foi realizada live em 21.10.2020, desta feita com a foto da candidata acompanhada do título “atualização dos dados sobre o coronavírus em Pelotas”.

Ou seja, ainda que a Emenda Constitucional n. 107/20 tenha excepcionado a proibição à publicidade institucional no período vedado, permitindo a divulgação de informações relativas à COVID-19, é certo que o local próprio para a veiculação das informações sobre a pandemia eram os canais institucionais do município, e não o perfil pessoal da candidata, sobretudo quando os dados foram associados à imagem da gestora.

Colho do parecer ministerial um trecho elucidativo, o qual reproduzo e adoto como razões de decidir, evitando-se assim desnecessária repetição:

Ressalte-se, ainda, que, em consulta ao mesmo banco de imagens do Município disponível na rede mundial de computadores informado na contestação (https://www.flickr.com/photos/prefeituradepelotas), inexiste qualquer imagem postada no período que vai de 15.08.2020 a 15.11.2020, havendo, outrossim, imagens com o comentário “Prefeita Paula Mascarenhas realiza Live de atualização” em 13.08.2020 e em 11.08.2020, dando respaldo à afirmação da inicial de que as informações antes veiculadas pelo Poder Executivo Municipal foram transferidas para a página pessoal da candidata, circunstância aliás não de todo negada pelos representados.

[...]

A realização de lives e comunicados alusivos ao Coronavírus, publicidade institucional permitida pela Emenda Constitucional 107/2020, deveriam ter sido veiculados através da página da Prefeitura Municipal e não na página da candidata.

Saliente-se, ainda, que os fatos possuem potencial de interferência na isonomia entre os candidatos, visto que a candidata, na condição de gestora municipal, tem acesso, em primeira mão, aos dados oficiais de interesse da comunidade, os divulgando com exclusividade à população em seus canais utilizados para campanha eleitoral, inclusive atraindo interesse para estes.

No concernente à suposta veiculação de propaganda institucional em benefício das candidaturas, são trazidas pelo recorrente algumas publicações veiculadas nos perfis pessoais da candidata, nas redes sociais Instagram e Facebook. Em resumo, PAULA indica e exalta as realizações de sua primeira gestão, em nítidos atos de campanha eleitoral.

Conduta absolutamente regular. A sentença não merece reparos, no ponto.

Isso porque não houve custeio por verbas públicas, não houve divulgação em canais oficiais. Houve, na verdade, a legítima defesa da gestão realizada. As candidaturas da situação – sejam elas de reeleição ou apenas apoiadas pela gestão em curso, são sujeitas a críticas da oposição e, em contrapartida, podem exaltar ao eleitorado aquilo que entendem como elogiáveis do ponto de vista da administração realizada, em ingrediente fundamental e salutar para o debate eleitoral, não se tratando de casos de aplicação do art. 73, inc. VI, al. “b”, ou do art. 74, ambos da Lei n. 9.504/97.

Em resumo, identifico a prática das condutas vedadas, mas não vislumbro a caracterização do abuso de poder apontada pelo recorrente, pois, para a incidência do art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90, não será considerada a potencialidade da conduta de alterar o resultado do pleito, mas sim a gravidade das circunstâncias que caracterizam o ato apontado como abusivo e, no presente feito, as especificidades da situação não se mostram suficientes.

No ponto, mais uma vez transcrevo trecho do parecer ministerial:

[...] Os fatos descritos na inicial, obviamente, não se enquadram como abuso de poder econômico ou político, vez que não possuem densidade suficiente para impactar o pleito eleitoral, com gravidade capaz de afetar sua normalidade ou legitimidade.

Nessa linha, não se vê praticamente nenhuma relevância para o pleito na publicação, em momento ainda distante do pleito, e em tom imparcial, de algumas poucas publicações oficiais atinentes à pandemia. Aliás, consigne-se que a votação da candidata representada, no primeiro e segundo turnos das eleições municipais, foi expressivamente superior à do segundo colocado, atingindo uma diferença de mais de cinquenta mil votos em ambas as votações.

Em suma, para o acolhimento da impugnação, faz-se necessário que haja prova robusta do abuso do poder político e de autoridade, pois a vontade do eleitor expressa nas urnas configura manifestação do princípio democrático, basilar na República Federativa do Brasil e pressuposto do Estado Democrático de Direito.

 

Assim, as práticas irregulares têm suficiente reprimenda na pena pecuniária, pois o Tribunal Superior Eleitoral se posiciona no sentido de que, “[...] 9. Configurada a conduta vedada, a proporcionalidade e a razoabilidade devem nortear a aplicação das penalidades.” (Rp n. 119878, j. em 13.8.2020, Relator Min. Luís Roberto Barroso).

O patamar mínimo é equivalente a 5.000 UFIR, ou R$ 5.320,00, e tendo em vista a ocorrência de mais de uma irregularidade, entendo adequada a multa de 8.000 UFIR, equivalente a R$ 8.512,00, a PAULA SCHILD MASCARENHAS – pois agente pública responsável à época dos fatos, deixando de aplicar multa a IDEMAR BARZ e a GUSTAVO AMARAL DA VARA GUSTAVO, quer por não possuírem ingerência, quer pela ausência de benefício, nos termos dos §§ 4º e 8º do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

 

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento ao recurso e condenar PAULA SCHILD MASCARENHAS ao pagamento de multa no valor de 8.000 UFIR, equivalente a R$ 8.512,00 (oito mil, quinhentos e doze reais), em virtude da prática de conduta vedada, nos termos da fundamentação.