REl - 0600410-57.2020.6.21.0020 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

GILBERTO LUIZ HENDGES e GELSON TARCÍSIO CARBONERA, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Aratiba nas eleições 2020, recorrem da sentença do Juízo da 20ª Zona Eleitoral que desaprovou suas contas em razão de (1) atraso na apresentação de relatórios financeiros; (2) atraso na abertura de conta bancária; (3) falta de declaração tempestiva de doação anterior à prestação parcial; (4) divergência entre o fornecedor e a contraparte constante do extrato bancário; (5) irregularidades no adimplemento de contrato de locação e (6) irregularidades relativas à movimentação de valores na conta específica para recursos do FEFC.

A sentença determinou o recolhimento do valor de R$ 5.000,00 ao Tesouro Nacional.

Esclareço que a divergência entre o fornecedor e a contraparte constante do extrato bancário é de ser entendida como integrante da irregularidade relativa aos recursos do FEFC, motivo pelo qual serão analisadas conjuntamente.

Ainda, em consideração à reiterada alegação de ausência de má-fé, esclareço que, nos pontos sob análise, a legislação apresenta normas objetivas, de maneira que elementos subjetivos não apresentam relevância.

1. Do atraso na apresentação de relatórios financeiros, do atraso na abertura de conta bancária e da falta de declaração tempestiva de doação anterior à prestação parcial

As três primeiras irregularidades foram entendidas como insanáveis pelo juízo de origem. Os recorrentes, por seu turno, alegam que as falhas decorreram da morosidade nos procedimentos imposta pelas regras relativas à pandemia, tanto em relação ao atendimento pela instituição bancária quanto ao trabalho de contabilidade da campanha.

1.1 No concernente a um suposto atraso na abertura da conta de campanha, destaco que o recurso merece provimento. Não há irregularidade no prazo de abertura da conta n. 0602308400, da Agência 525, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul.

A referida conta bancária foi destinada à movimentação das receitas oriundas do FEFC, não estando sujeita ao prazo de 10 (dez) dias a partir da data da concessão do número de CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, estipulado no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. O prazo em questão aplica-se especificamente à abertura da conta bancária destinada ao recebimento de doações de pessoas físicas, agremiações partidárias e do próprio candidato, enquanto que a conta bancária, tida por irregular, a qual gerencia as verbas advindas do Fundo Partidário e do FEFC, recebe a disciplina do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, a inobservância do prazo prescrito no art. 8º, § 1º, inc. I não configura afronta à legislação de regência e não importa em desaprovação da contabilidade no caso concreto, na linha do precedente deste Tribunal apontado nas razões recursais (Recurso Eleitoral n. 15742, Relator Des. Eleitoral LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, DEJERS de 21.8.2018, p. 7).

Afasto a irregularidade.

1.2 Quanto aos relatórios financeiros entregues a destempo, também merece alguma consideração o argumento no sentido de que não seria impeditivo à análise das contas. Conforme entendimento do TSE, “o atraso na entrega do relatório financeiro e da prestação de contas parcial ou a sua entrega de forma que não corresponda à efetiva movimentação de recursos não ensejam, necessariamente, a desaprovação das contas, mas cabe a análise de cada caso específico pelo órgão julgador. (REspe n. 060133297, Relator Min. Sergio Banhos, DJE de 24.6.2020).

Desse modo, e muito embora seja importante frisar que a irregularidade se mantém, pois a mora dos prestadores de contas no fornecimento de informações, após ocorrida, não possui forma de retificação e impede o acompanhamento ideal das receitas e despesas ocorridas, há a possibilidade de que, ao final da análise, possa ser emitido um juízo de aprovação com ressalvas, acaso a presente falha não venha acompanhada de outras dotadas de alguma gravidade.

1.3 Nesse mesmo norte se posiciona a anotação da falta de declaração tempestiva de doações anteriores à prestação de contas parcial. Na hipótese, deve subsistir a irregularidade que alcançou o montante de R$ 8.200,00, na medida em que, igualmente, impede a tempestiva análise das operações financeiras e a operacionalização das medidas de controle.

2. Das irregularidades no adimplemento de contrato de locação

A sentença hostilizada caracterizou como falhas graves as irregularidades constatadas no cumprimento do contrato de locação do imóvel situado na Rua Luís Loeser, 61, no Município de Aratiba, pelo valor de R$ 400,00, locadores Ivete Klein e João Merlini.

2.1 Ivete Klein, locadora, recebeu cheque não cruzado referente à metade do valor pactuado, e a cártula foi repassada a terceiro estranho ao negócio. Desse modo, não se encontrou correspondência entre o recebedor do pagamento e o beneficiário registrado no extrato bancário, Norma Mettler.

A situação é regulamentada pelo art. 38 da Resolução n. 23.607/19, o qual determina:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

A parte recorrente argumenta que o cheque foi entregue à legítima credora, Ivete, que por sua vez depositou na conta-corrente da genitora, “fugindo ao controle do prestador de contas o destino do cheque após a emissão do cheque e respectiva efetivação do pagamento”.

O argumento não procede. A legislação coloca os meios para pagamento de despesas sob a responsabilidade do candidato. Assim, ao preencher o cheque de modo nominal não cruzado, os recorrentes desatenderam à norma e permitiram que fosse ele depositado para beneficiário diverso do fornecedor, mediante endosso.

No entanto, o caso tem situação peculiar, pois há nos autos documentação (cópia de carteira de identidade) que indica de forma suficiente o vínculo de filiação: Ivete Klein é filha de Norma Mettler, evidenciando a regularidade do pagamento ao trazer no recurso cópia da carteira de identidade de Ivete Klein, demonstrando ser filha de Norma Mettler, de modo que o apelo também merece provimento no presente ponto, considerado ainda que o gasto de R$ 200,00 não envolveu verbas públicas.

2.2 O pagamento a João Merlini, o segundo locador, igualmente foi realizado com cheque nominal não cruzado, e não há identificação do efetivo recebedor no extrato bancário. Os recorrentes apresentaram cópia do cheque, providência insuficiente, pois a situação da cártula irregularmente preenchida persiste, bem como segue não comprovado o pagamento regular da despesa.

As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 objetivam que se estabeleça de modo fidedigno a utilização dos recursos eleitorais para gastos de campanha, vale dizer, os gastos de campanha devem ser identificados com clareza, estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, o pagamento atestado por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário.

Nesse norte, irrefutável o pagamento de gasto eleitoral com cheque não cruzado e inexistente comprovação por outro meio do vínculo entre beneficiário e fornecedor, ponto em que a sentença não merece reparos.

2.3 Ainda com respeito à despesa com contrato de locação, não foram localizados comprovantes de quitação das faturas de água e de energia elétrica, contratualmente previstas ao encargo do candidato Gilberto Luiz Jendges, locatário.

No item, os recorrentes limitaram-se a alegar que “o proprietário do imóvel reservou-se a faculdade de não realizar a cobrança das respectivas despesas previstas no contrato”. Não há  demonstração da veracidade do alegado.

Permanece a irregularidade, e o gasto eleitoral cujo pagamento não foi comprovado recebe tratamento de recurso cuja origem não foi identificada, com previsão legal de recolhimento.

Todavia, o juízo de origem não determinou a devolução correspondente à prática ilícita e, não havendo recurso relativamente ao ponto, manifestação desta Corte redundaria em piora na situação jurídica da parte recorrente, de todo inviável.

3. Das irregularidades relativas movimentação de valores na conta específica para recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC.

3.1 Depósito de doação do próprio candidato Gilberto Luiz Hendges, no valor de R$ 5.000,00, acarretando uma mescla entre valores públicos e privados.

A Resolução TSE n. 23.607/19, arts. 9º e 14, determina a abertura de conta bancária específica para a movimentação de verbas do FEFC, cujo intuito é o de viabilizar o efetivo controle da destinação desses valores, impedindo que haja confusão entre recursos recebidos por agremiações e candidatos:

Art. 9º Na hipótese de repasse de recursos oriundos do Fundo de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), os partidos políticos e os candidatos devem abrir contas bancárias distintas e específicas para o registro da movimentação financeira desses recursos.

(...)

§ 2º É vedada a transferência de recursos entre contas cujas fontes possuam naturezas distintas.

(...)

Art. 14 O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato.

Observo que foi possível identificar o depositante do valor de R$ 5.000,00, o candidato Gilberto Luiz Hendge. O resultado é a confusão entre verbas de origem privada com aqueles recursos  públicos, provenientes do FEFC, em situação que acarreta o juízo de desaprovação das contas.

Todavia, o recolhimento do valor determinado em sentença deve ser afastado, pois não se está a tratar daqueles hipóteses que ensejam tal providência, nomeadamente a utilização de recurso de origem não identificada, o recebimento de valores de fontes vedadas e o uso irregular de verbas públicas.

Afasto a ordem de recolhimento de R$ 5.000,00, no ponto. 

3.2 Pagamento irregular de despesa.

A prestação de contas informa um gasto com publicidade no valor de R$ 250,00, realizado no dia 16.10.2020, nota fiscal n. 031356676, ao fornecedor Claudio Samojeden ME. O órgão técnico da Justiça Eleitoral, a partir do cadastro da Receita Federal, verificou que a atividade principal do fornecedor é “comércio a varejo de peças e acessórios novos para veículos automotores”.

Em resposta ao pedido de esclarecimentos e à determinação de apresentação de nota fiscal na íntegra, os recorrentes apenas reiteraram tratar-se de adesivos perfurados e não ofereceram o documento requerido. Em grau recursal, juntam o comprovante de inscrição e de situação cadastral – CNPJ de Claudio Samojeden, a destacar a atividade ligada a materiais publicitários.

Ressalto que a despesa foi paga por meio de cheque nominal não cruzado e, conforme transcrito no ponto 2.2, a legislação determina o cruzamento das cártulas. Ademais, permanece a ausência da nota fiscal e, portanto, a impossibilidade de aferir o real beneficiário do pagamento realizado mediante o cheque não cruzado, de modo que não há a demonstração do destino real do recurso público alegadamente empregado na campanha.

Destaco que a comprovação segura da aplicação das verbas públicos usadas na campanha eleitoral se faz por meio dos documentos fiscais idôneos, corretamente preenchidos e movimentados conforme determinam as regras eleitorais, nos termos dos arts. 53, inc. II, al. "c", e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, o que não ocorreu no caso em tela, de modo que remanescem a irregularidade e a necessidade de recolhimento do valor de R$ 250,00.

3.3 Da divergência entre o fornecedor e a contraparte constante do extrato bancário.

O relatório técnico apontou o pagamento de R$ 1.800,00, realizado a Débora de Conto, com verbas movimentadas pela conta FEFC; contudo, os extratos bancários indicam que o cheque foi depositado para a contraparte CRESOL ARATIBA.

Os recorrentes destacam que CRESOL ARATIBA é instituição financeira onde, possivelmente, o fornecedor teria depositado o pagamento. Apresentam nota fiscal e cópia do cheque nominal cruzado a Débora de Conto ME.

Entendo sanada a irregularidade, uma vez que foi apresentado o cheque devidamente preenchido, de forma nominal e cruzada.

Em resumo, entendo que a desaprovação das contas dever ser mantida devido à movimentação de recursos privados na conta específica destinada aos recursos públicos, em conjunto com falhas de menor gravidade, e a ordem de recolhimento há de recair sobre o valor irregularmente gasto com verbas transitadas na conta do FEFC, ou seja, R$ 250,00.

DIANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso para reduzir a determinação de recolhimento ao valor de R$ 250,00, mantendo a desaprovação das contas.