REl - 0600253-92.2020.6.21.0082 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a contabilidade de campanha de JOÃO LUIZ DOS SANTOS VARGAS e FERNANDO VASCONCELOS DE OLIVEIRA, candidatos, respectivamente, aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de São Sepé, foi desaprovada pelo Juízo da 82ª Zona Eleitoral, sendo-lhes determinado o recolhimento ao erário da quantia de R$ 2.000,00, em face do reconhecimento de três irregularidades: (a) recebimento de R$ 2.000,00 mediante depósito bancário em espécie; (b) gasto com combustíveis sem comprovação de utilização na campanha; e (c) atraso na abertura de conta bancária de campanha.

Passa-se, a seguir, à análise individualizada dos apontamentos que ensejaram a rejeição das contas.

I – Recebimento de depósitos bancários em espécie

Na instância de origem, a unidade técnica detectou o recebimento, e a posterior utilização, de dois depósitos bancários em dinheiro, no valor de R$ 1.000,00 cada, em um mesmo dia, conforme tabela abaixo reproduzida (ID 28859233):

Na sentença, a magistrada eleitoral considerou configurada a irregularidade, tendo em vista o valor superar R$ 1.064,10, e comandou seu recolhimento integral ao Tesouro Nacional.

A matéria objeto de exame encontra-se disciplinada no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(…).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

 

Dessa maneira, segundo dispõem os §§ 1º e 4º em testilha, as doações em montante igual ou superior a R$ 1.064,10 devem ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, ou cheque cruzado e nominal, devendo os valores ser recolhidos ao Tesouro Nacional caso haja utilização dos recursos recebidos em desacordo com o estabelecido no dispositivo, ainda que identificado o doador.

Outrossim, os valores dos depósitos sucessivos realizados por um mesmo doador, em um mesmo dia, devem ser somados para fins de aferição do limite legal de R$ 1.064,10, em que facultado o crédito em espécie, tal qual prescrito no art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Por conseguinte, deve-se compreender o conjunto dos dois depósitos realizados no dia 13.11.2020 como uma única operação, em espécie, de R$ 2.000,00, em afronta às normas de regência.

Embora os depósitos tenham sido realizados com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res.-TSE 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que "a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos" (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

2.  O Tribunal a quo assentou que "foram realizados dois depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15" (fl. 143), acrescentando que tal irregularidade representou 74,95% do somatório dos recursos financeiros arrecadados e que seria inviável atender ao pleito de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional, diante da falibilidade da identificação da origem desses recursos.

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019.) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.) (Grifei.)

 

Consigno, a tal respeito, que a Corte Superior entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,09 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

1. In casu, trata-se de prestação de contas relativa às eleições de 2016 em que o candidato ao cargo de vereador recebeu doação de recursos para sua campanha, por meio de depósito bancário, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

5. Considerando a maioria formada no presente julgamento nos mesmos termos do paradigma supracitado, reajusto o meu voto no caso vertente a fim de dar provimento ao recurso do Ministério Público Eleitoral para condenar o recorrido a recolher aos cofres públicos o valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

6. A desaprovação das contas em virtude de eventual gravidade da irregularidade mostra-se inaplicável na espécie, em respeito ao princípio da congruência, uma vez que referida pretensão não foi objeto do recurso especial.

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data 19.12.2018, pp. 92/93.) (Grifei.)

 

No judicioso voto do ilustre Ministro Luís Roberto Barroso proferido no julgado em questão, restou bem explicitada a razão da exigência de o aporte financeiro em campanha provir diretamente de outra conta bancária:

(...).

7. Entendo que a imposição de que as doações acima de R$ 1.064,10 sejam realizadas mediante transferência bancária não é mera exigência formal, mas busca assegurar a identificação da origem dos recursos que ingressaram na campanha eleitoral. A aceitação de depósitos em espécie, em valor acima do permitido, compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos. Não se pode esquecer que grande parte das transações irregulares realizadas no país envolve dinheiro em espécie, justamente pela dificuldade de rastreamento dos valores. O descumprimento da exigência, portanto, é causa de reprovação das contas de campanha, em especial se o montante envolvido é elevado, como no presente caso, em que supera a metade dos recursos arrecadados.

8. A realização de depósitos identificados por uma determinada pessoa nada prova a respeito de sua origem, que, inclusive, pode advir de fontes vedadas, na medida em que os recursos depositados em espécie não tiveram trânsito pelo sistema bancário. E exatamente esta a razão pela qual se exige que a doação seja realizada por meio de transferência bancária, mecanismo que permite o rastreamento de sua origem, minimizando as possibilidades de operações irregulares. Trata-se de exigência que amplia a segurança do modelo de captação de recursos de campanha autorizado pela legislação.

(Grifei).

 

Deveras, o TSE já assentou que “a ratio essendi da norma é identificar a origem de recurso arrecadado, com o rastreamento a partir da transferência eletrônica efetivada entre estabelecimentos bancários” (Recurso Especial Eleitoral n. 26535, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Relatora designada Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 20.11.2018, p. 32).

A exigência normativa de que as doações de campanha sejam feitas por meio de transferência eletrônica visa coibir a possibilidade de manipulações e de transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, o que não pode ser confirmado na espécie.

Insta salientar que, ao contrário do quanto afirmado pelos recorrentes na peça recursal, o fato de haver nos autos declaração subscrita pelo próprio doador não tem o condão de tornar regular a doação, pelas razões acima expostas.

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé dos recorrentes ou do doador, e sim a observância objetiva da norma sobre finanças de campanha.

Não se olvida que este Regional tem arrefecido o rigor dessas disposições normativas quando o prestador, por outros meios, atinge o fim colimado pela norma, qual seja, a demonstração segura da origem dos recursos, mormente, por meio do oferecimento de comprovantes de saque em dinheiro da conta-corrente do doador e imediato depósito em espécie na conta de campanha, demonstrando que a operação de transferência bancária restou meramente decomposta em um saque seguido incontinenti de um depósito na mesma data.

Entrementes, na hipótese vertente, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos, impossibilitando que a falha seja relevada.

Indene de dúvida, portanto, a configuração da irregularidade, que afeta a transparência das contas, e a necessidade de recolhimento ao Tesouro Nacional da importância eivada de mácula, porquanto efetivamente empregada pelos candidatos em sua campanha.

 

II – Das despesas com combustível

A examinadora de contas em atuação perante o Juízo Eleitoral constatou que os candidatos efetuaram despesas com combustível, no somatório de R$ 3.720,00, mediante emprego de valores da conta “Outros Recursos”, “sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia”, e que, na manifestação apresentada, não foram descritos os veículos abastecidos (ID 28859233).

O Juízo Eleitoral, na esteira do parecer técnico, entendeu não ter havido comprovação da utilização do combustível na campanha eleitoral, glosando os dispêndios.

Depreende-se dos esclarecimentos prestados pelos candidatos, ainda na fase de instrução, que os combustíveis teriam sido destinados a abastecer carro utilizado para transporte de JOÃO LUIZ DOS SANTOS VARGAS e veículos que participaram de carreata ocorrida na véspera da data do pleito, dia 14.11.2020, evento que, conforme fotos e registros em rede social, teria reunido quantidade superior a 400 automóveis (ID 28858983).

A matéria em questão encontra-se regulamentada na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 35, §§ 6º e 11, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Nesse passo, consoante dispõem os dispositivos transcritos, as despesas do candidato com combustível, reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha.

Podem tais despesas, entretanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, do aludido diploma normativo.

In casu, relativamente ao automóvel usado para transporte do candidato a prefeito, não há nos autos demonstração de o veículo ter sido utilizado a serviço da campanha e em decorrência de locação ou cessão temporária.

De outra banda, no que concerne à utilização da gasolina para suposto abastecimento de veículos em carreata, malgrado tenha havido a apresentação de documentos fiscais das despesas, com anotação do CNPJ da campanha, não restou preenchida a expressa exigência contida no inc. I do § 11 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, consistente na indicação, na prestação de contas, “da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento”, impossibilitando o exame alusivo à observância do limite de 10 litros por veículo.

Nítida, portanto, a configuração da irregularidade, na monta de R$ 3.720,00, razão pela qual a sentença não merece reforma quanto ao ponto.

 

III – Atraso na abertura de conta bancária de campanha

No parecer conclusivo, a unidade técnica apontou que, em desatendimento ao disposto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, as contas bancárias ns. 0607270002 (Outros Recursos) e 0607265807 (FEFC) foram abertas após o prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ de campanha (ID 28859233).

A juíza eleitoral, na sentença, assentou que a inobservância não permitiu fosse aferida “a correção dos valores declarados na prestação de contas em relação ao período em que não houve a abertura da conta bancária, bem como a eventual omissão de receitas e gastos eleitorais”.

Os recorrentes ponderam que a responsabilidade pelo atraso coube à instituição bancária e que, em processos de natureza similar, foi reconhecida a “ausência de falha ou culpa dos candidatos”.

No art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, encontra-se preceituada a obrigação de os candidatos efetuarem a abertura de conta bancária para a movimentação de “Outros Recursos” no prazo de dez dias após a concessão do CNPJ, verbis:

Art. 8º É obrigatória para os partidos políticos e os candidatos a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil e que atendam à obrigação prevista no art. 13 desta Resolução.

§ 1º A conta bancária deve ser aberta em agências bancárias ou postos de atendimento bancário:

I - pelo candidato, no prazo de 10 (dez) dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;

 

Por outro lado, relativamente à conta bancária destinada à movimentação das receitas oriundas do FEFC, não incide a imposição do prazo de 10 (dez) dias, a partir da data da concessão do número de CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, estipulado no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O prazo em questão aplica-se especificamente à abertura da conta bancária destinada ao recebimento de doações de pessoas físicas, agremiações partidárias e do próprio candidato, enquanto que a conta bancária destinada às verbas procedentes do Fundo Partidário e do FEFC recebe a disciplina do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha de raciocínio, a inobservância do prazo prescrito no art. 8º, § 1º, inc. I, da citada Resolução para a abertura de conta bancária relacionada às receitas do FEFC não configura afronta à legislação de regência e não importa em desaprovação da contabilidade no caso concreto, na linha de precedente deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. ELEIÇÕES 2016. DESAPROVAÇÃO. ABERTURA INTEMPESTIVA DA CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. ART. 7º, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA VIA DEPÓSITO DIRETO. FALHA SANADA. INCONSISTÊNCIAS NAS SOBRAS DE CAMPANHA. AUSENTE IRREGULARIDADE. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. À luz do art. 7º, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, a abertura da conta bancária de campanha é obrigatória e deve observar o prazo de dez dias contados da concessão do CNPJ pela Secretaria da Receita Federal, ainda que não ocorra movimentação de recursos. Na espécie, o apontamento refere-se à intempestividade na abertura de conta destinada ao movimento de valores oriundos do Fundo Partidário e não às receitas procedentes de outras fontes, objeto de incidência da norma em comento. Irregularidade afastada. 2. O art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15 estabelece que as pessoas físicas somente poderão realizar doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 mediante transferência eletrônica entre as contas do doador e do beneficiário. No caso, apesar de identificado depósito direto em espécie na conta de campanha, o valor irregularmente arrecadado foi restituído ao respectivo doador antes da utilização na campanha, conforme previsto no § 3º do referido dispositivo. Demonstrada a boa-fé do prestador. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. 3. Na eventual ocorrência de sobras de campanha, a quantia deve ser transferida para a conta bancária do órgão partidário, na circunscrição do pleito, de acordo com a natureza do recurso, conforme dispõe o art. 46 da Resolução TSE n. 23.463/15. Na espécie, demonstrada a transferência das sobras de campanha para a conta bancária da agremiação municipal. Ausente irregularidade na contabilização dos recursos desta natureza. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 15742 NOVA ESPERANÇA DO SUL - RS, Relator: LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, Data de Julgamento: 17.08.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 151, Data 21.08.2018, Página 7.)

 

Relativamente à conta n. 607270002, empregada para a movimentação de recursos privados (ID 28852833), compulsando os autos, observo que, de fato, foi aberta em 16.10.2020, ou seja, 23 dias após a data de concessão do CNPJ aos candidatos (ID 28859233).

Anoto, ainda, que, segundo consulta ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, houve movimentação financeira nessa conta no montante de R$ 4.284,30.

Em que pese o atraso verificado, não foi identificada, pelos mecanismos de controle da Justiça Eleitoral, a realização de gastos mediante uso de verba atinente a “Outros Recursos” em período anterior ao da abertura da conta-corrente.

Ademais, verifica-se que a conta vinculada ao FEFC, que reuniu a grande parcela dos recursos movimentados pela campanha (R$ 50.000,00), foi aberta previamente, no dia 06.10.2020, possibilitando a movimentação financeira dos candidatos naquele interstício.

O atraso na abertura de conta bancária é irregularidade insanável, porém, somente pode ser considerada grave se for constatado que houve movimentação financeira antes da abertura de conta para a campanha e não for possível rastrear os valores movimentados, o que não ficou comprovado nos autos.

Nessa linha, colaciono precedentes do egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL DE 2014. CANDIDATO À PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA PELO PCB EM CONJUNTO COM SUA CANDIDATA À VICE-PRESIDÊNCIA. IRREGULARIDADES QUE TOTALIZAM R$ 5.684,69. VALOR EQUIVALENTE A 8,47% DE TODOS OS RECURSOS MOVIMENTADOS NA CAMPANHA. AUSÊNCIA DE FALHA GRAVE. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. PRECEDENTE. DETERMINAÇÃO DE DEVOLUÇÃO DE VALOR AO ERÁRIO.

(...)

5.  Intempestividade na abertura da conta bancária de campanha. Não tendo a unidade técnica apontado prejuízo à fiscalização das contas, advindo da abertura tardia da conta-corrente - dois dias após o prazo -, a falha configura uma impropriedade. Irregularidade afastada.

(...)

(Prestação de Contas n. 100733, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 164, Data 26.8.2019, pp. 63/65.) Grifei.

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO (PRTB). DIRETÓRIO NACIONAL. ELEIÇÕES 2014. IRREGULARIDADES. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DE UMA COTA DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RECURSOS PRÓPRIOS.

(...)

12. Segundo o art. 12 da Res.-TSE nº 23.406/2014, os partidos políticos e comitês financeiros devem, no prazo de 10 (dez) dias a contar da concessão do CNPJ pela Receita Federal do Brasil, efetuar a abertura de conta bancária específica, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Brasil ou em outra instituição financeira com carteira comercial reconhecida pelo Banco Central do Brasil, com vistas a registrar todo o movimento financeiro de campanha.

13. O não atendimento à exigência normativa em apreço, malgrado tenha aptidão para comprometer o acompanhamento da movimentação de recursos durante a campanha, no caso vertente, não maculou a efetiva fiscalização das contas em exame, uma vez que, da análise do fluxo financeiro de campanha, verifica-se que não houve obtenção de receitas ou assunção de despesas no período que antecede a abertura da conta bancária.

14. Embora remanesça a impropriedade, esta se mostra meramente formal, de forma a não comprometer, isoladamente, a regularidade das contas.

(...)

(Prestação de Contas n. 98742, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 106, Data 06.6.2019, pp. 21/23.) (Grifei.)

 

Destarte, ante essas circunstâncias, tenho que a extrapolação do prazo previsto no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, no presente caso concreto, não comprometeu as contas de forma grave, constituindo-se em mera impropriedade formal, sem aptidão para, por si só, ensejar a desaprovação da contabilidade.

Assim, as irregularidades identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 5.720,00 (R$ 2.000,00 + R$ 3.720,00), cifra que representa 10,54% das receitas declaradas (R$ 54.284,30), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060235173, ACÓRDÃO de 03.12.2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão).

 

Destarte, deve ser mantida a desaprovação do ajuste contábil, porém, afastando a irregularidade no descumprimento do prazo para abertura de conta bancária destinada aos recursos do FEFC e considerando de natureza meramente formal o atraso na abertura da conta bancária destinada a “Outros Recursos”.

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para afastar a irregularidade consistente na extrapolação do prazo para abertura das contas bancárias de campanha, mantendo a desaprovação das contas de JOÃO LUIZ DOS SANTOS VARGAS e FERNANDO VASCONCELOS DE OLIVEIRA, relativas às eleições de 2020, e a determinação de recolhimento da quantia de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional.