REl - 0600340-17.2020.6.21.0060 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/10/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidata ao cargo de vereadora, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que desaprovou as contas reconheceu que a candidata utilizou recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para a constituição do Fundo de Caixa acima do limite legal e, também, considerou irregular o pagamento de despesas de campanha, diante da não observação da regra que exige a utilização de cheque nominal e cruzado, no valor total de R$ 6.480,00 (seis mil, quatrocentos e oitenta reais), determinando o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, conforme disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Inicio pela análise da constituição do Fundo de Caixa.

O parecer conclusivo (ID 41130333) identificou a utilização de Fundo de Caixa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), ultrapassando o limite de 2% dos gastos contratados, conforme previsto na Resolução TSE n. 23.607/19.

O Fundo de Caixa é uma reserva em dinheiro permitida aos partidos políticos e aos candidatos para que possam realizar despesas de pequena monta, desde que os valores não ultrapassem a importância de meio salário-mínimo, sem a possibilidade de fracionamento de despesas, e que não sejam superiores a 2% do total dos gastos contratados, vedada a recomposição, conforme disposto nos arts. 39 e 40 da Resolução TSE 23.607/19, in verbis:

Art. 39. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário e o candidato podem constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), desde que:

I – observem o saldo máximo de 2% (dois por cento) dos gastos contratados, vedada a recomposição;

II – os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente pela conta bancária específica de campanha;

III – o saque para constituição do Fundo de Caixa seja realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor do próprio sacado.

Parágrafo único. O candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa.

 

Art. 40. Para efeito do disposto no art. 39 desta Resolução, consideram-se gastos de pequeno vulto as despesas individuais que não ultrapassem o limite de meio salário mínimo, vedado o fracionamento de despesa.

Parágrafo único. Os pagamentos de pequeno valor realizados por meio do Fundo de Caixa não dispensam a respectiva comprovação na forma do art. 60 desta Resolução. (Grifei.)

A recorrente, em suas razões, sustenta que não extrapolou o parâmetro legal na constituição do Fundo de Caixa. Todavia, a análise técnica apontou que o saldo máximo do Fundo de Caixa de sua campanha poderia alcançar R$ 140,00 (cento e quarenta reais), ou seja, 2% dos gastos contratados, porém a candidata movimentou o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) através dessa modalidade de pagamento.

Nesse contexto, em razão da inobservância dos limites definidos como de pequeno vulto, nem o saldo máximo de valores ou o percentual de despesas autorizados para o Fundo de Caixa, não há como afastar a irregularidade presente na contabilidade, verifica-se o comprometimento da fiscalização pela Justiça Eleitoral e afeta a transparência das contas.

Dessa forma, os recurso públicos indevidamente utilizados ou cuja destinação não tenha sido comprovada devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, conforme determinado na sentença.

No mesmo sentido colacionado julgado deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. IRREGULARIDADES NA CONSTITUIÇÃO DE FUNDO DE CAIXA. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Extrapolado o limite máximo para reserva em dinheiro -- Fundo de Caixa, utilizado para a realização de pequenas despesas. Constituição limitada a 2% do total de gastos contratados, cujos respectivos pagamentos não devem exceder meio salário-mínimo, vedada sua recomposição, nos termos do art. 41, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. Tais gastos não dispensam a devida comprovação, consoante prescreve o art. 42, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.553/17. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2.1. Falha no tocante à aplicação de recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). Ainda que as despesas referentes ao pagamento de cabos eleitorais tenham sido demonstradas com a juntada de recibos pela prestação dos serviços, considerados documentos fiscais idôneos, a teor do art. 63 da Resolução TSE n. 23.553/17, não foram apresentados cópias dos cheques nominais emitidos, exigência quanto à forma de pagamento disciplinada pelo art. 40, incs. I a III, da Resolução TSE n. 23.553/17. Este Tribunal, em julgamento paradigmático sobre a matéria, firmou o entendimento de que a hipótese atrai a incidência do § 1° do art. 82 da mesma norma, devendo o valor correspondente ser recolhido ao Tesouro Nacional.

3. As falhas constatadas representam 27,53% do total de receitas auferidas, montante substancial apto a prejudicar a transparência e a confiabilidade das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n 060278392, ACÓRDÃO de 18/12/2019, Relator GERSON FISCHMANN, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão) (Grifei.)

Em prosseguimento da análise, a decisão do juízo a quo ainda imputou máculas na quitação de pagamentos sem a utilização de cheque nominal cruzado, o que a recorrente sustenta que a documentação apresentada (extrato bancário sem a identificação da contraparte e recibos de pagamento a autônomo) assegura que houve a correta utilização dos referidos valores.

O órgão técnico identificou pagamentos realizados por meio de cheques que não atenderam ao disposto no comando normativo, e a candidata deixou de apresentar cópia dos cheques ns. 850005 (R$ 600,00), 850004 (1.250,00), 850007 (R$ 1.400,00) e 850008 (R$ 230,00), que totalizam R$ 3.480,00, para comprovar os pagamentos das despesas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Tal fato restou incontroverso.

Ocorre que se está diante de violação ao comando contido no art. 38, inc. I da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária. (Grifei.)

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação do recebedor depositá-lo em conta bancária para compensá-lo. Tal procedimento permite a Justiça Eleitoral verificar se a pessoa que descontou o cheque é a mesma que prestou o serviço.

Na hipótese, de acordo com o extrato bancário apresentado (ID 41129033), não consta no campo CPF/CNPJ a contraparte que teria descontado os cheques, a recorrente juntou aos autos apenas os recibos dos correspondentes serviços prestados para a campanha.

Embora a candidata afirme que comprovou a realização da despesa com a juntada dos documentos previstos no art. 60 da mesma resolução, ou seja, com “documento fiscal idôneo ou outros meios que possibilitem a verificação de sua natureza e regularidade”, trata-se de exigências distintas e simultâneas, mas que atendem a finalidades diversas.

Os documentos enumerados no art. 60 permitem verificar se a contratação se enquadra em uma das categorias previstas no art. 35 da norma (gastos eleitorais permitidos) – por exemplo: confecção de material impresso de qualquer natureza; propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação; aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral; despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas; correspondências e despesas postais; despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições; remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatos e a partidos políticos; montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados; realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura; produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita; realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais; dentre outros.

Dito de outro modo, os documentos mencionados na resolução permitem verificar se não foram realizadas contratações não permitidas, tais como a confecção ou aquisição de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou outros bens ou materiais que possam ser distribuídos ao eleitor, por exemplo.

Assim, não foi possível verificar se os sacadores dos documentos de crédito foram aqueles apontados como beneficiários dos pagamentos.

Além disso, documentos unilaterais, como é o caso dos recibos, não devem ser considerados isoladamente para suprir a ausência do cheque nominal e cruzado.

Dessa forma, houve irregularidade nos gastos eleitorais, por infringência ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. O descumprimento dessa regra compromete a comprovação do uso regular dos recursos do FEFC e acarreta a obrigação de recolhimento ao Tesouro Nacional do montante de R$ 3.480,00 (três mil, quatrocentos e oitenta reais), a teor do disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Desse modo, considerando que a totalidade das falhas apontadas (R$ 6.480,00) representa aproximadamente 77,43% das receitas declaradas pela candidata (R$ 8.368,00), não há que se falar em proporcionalidade, razoabilidade ou insignificância. Por conseguinte, as irregularidades identificadas são faltas graves que comprometem o controle e a fiscalização dos recursos utilizados na campanha, de forma que a manutenção da sentença de desaprovação é medida que se impõe.

No mesmo sentido cito precedentes desta Corte e de outro Tribunal Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2016. UTILIZAÇÃO DE VERBAS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. INCONSISTÊNCIA ENTRE VALORES DECLARADOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS RETIFICADORA E O RECIBO ELEITORAL. DESPESA COM TRANSPORTE. PERCENTUAL EXPRESSIVO DE COMPROMETIMENTO DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. NEGADO PROVIMENTO. 1. Emprego de verbas de origem não identificada. Valores depositados em espécie na conta de campanha do candidato, conforme os extratos bancários presentes nos autos. Alegada a procedência do Fundo Partidário. Ausência, entretanto, de documentos fiscais que comprovem a origem e a regularidade dos recursos, ensejando a manutenção do comando de recolhimento do montante indevidamente utilizado ao Tesouro Nacional. 2. Inconsistência na quantia declarada como despesas com transporte e deslocamento. Divergência entre o recibo eleitoral correspondente e os extratos da prestação de contas final apresentados à Justiça Eleitoral. 3. Irregularidades que impedem a verificação da real origem e aplicação dos recursos. Comprometimento expressivo, equivalente a 38,68% do somatório de recursos arrecadados. Mantida a desaprovação das contas. Desprovimento.

(TRE-RS – RE: 52324 ENTRE IJUÍS – RS, Relator: JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Data de Julgamento: 18/12/2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 10, Data 24/01/2018, Página 9) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO. DEPUTADO FEDERAL. AUSÊNCIA. DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA. GASTOS. RECURSOS. FEFC. IRREGULARIDADE GRAVE. DESAPROVAÇÃO. 1. A ausência de documentação apta a comprovar a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha constitui falha grave, uma vez que se exige maior atenção quando se trata de recursos oriundos de verba pública, restando comprometido o efetivo controle das contas; 2. Inaplicabilidade dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade uma vez que o montante considerado irregular ultrapassa o teto de 10% estipulado pelo TSE. 3. Contas julgadas desaprovadas.

(TRE-PA – PC: 060181035 BELÉM – PA, Relator: LUZIMARA COSTA MOURA, Data de Julgamento: 24/09/2019, Data de Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 185, Data 07/10/2019, Página 13) (Grifei.)

Portanto, deve ser mantida, de forma integral, a sentença recorrida.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Tania Mara Longo de Lima, relativas ao pleito de 2020, e a determinação de recolhimento do valor de R$ 6.480,00 (seis mil, quatrocentos e oitenta reais) ao Tesouro Nacional.