REl - 0600625-63.2020.6.21.0010 - Voto Vista - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

voto-vista

Trago a julgamento o voto-vista nos autos do recurso interposto por BRUNO LUCIANO RADTKE contra sentença do Juízo da 010ª Zona Eleitoral que desaprovou sua prestação de contas relativa às eleições municipais de 2020, para o cargo de vereador, em razão do reconhecimento das seguintes irregularidades (ID 24436683):

a) inobservância do limite legal de gastos com recursos próprios, o qual restou superado em R$ 419,63, sendo-lhe imposta multa no valor equivalente a 100% do excesso, com fulcro no art. 27, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19;

b) gasto de R$ 500,00 com aluguel de veículos, superando em R$ 169,92 o limite máximo de 20% do total dos gastos de campanha para a espécie, sendo-lhe imposta multa no valor de 100% do excesso, com fundamento no art. 6º da Resolução TSE n. 23.607/19;

c) divergências entre a movimentação financeira declarada e aquela registrada nos extratos bancários, envolvendo a monta de R$ 205,40; e

d) pagamentos realizados sem a utilização de cheque nominal e cruzado, no somatório de R$ 1.635,40;

Na sessão de 07.10.2021, o ilustre relator, Desembargador Francisco José Moesch, entendeu pelo desprovimento do recurso, concluindo pela confirmação das irregularidades e pela inviabilidade de aplicação dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade para a aprovação com ressalvas, uma vez que, considerada tão somente a falha concernente à emissão de cheques não cruzados (art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19), no somatório de R$ 1.635,40, representando mais de 80 % dos recursos totais arrecadados (R$ 1.770,40), já estão superadas as cifras percentuais e absolutas admitidas como diminutas na jurisprudência eleitoral.

Com efeito, na hipótese, é indene de dúvida a configuração das irregularidades aludidas por descumprimento dos preceitos da Resolução TSE n. 23.607/19.

A divergência parcial que ora manifesto se refere apenas à aplicação da sanção de multa em razão da extrapolação do limite máximo de gastos com aluguel de veículo.

O tema em questão é regido pelo art. 26, § 1º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 e regulamentado pelo art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, os quais transcrevo:

Lei n. 9.504/97:

Art. 26. São considerados gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados nesta Lei:

§ 1º São estabelecidos os seguintes limites com relação ao total do gasto da campanha:

I - alimentação do pessoal que presta serviços às candidaturas ou aos comitês eleitorais: 10% (dez por cento);

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

 

Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

I - alimentação do pessoal que presta serviços às candidaturas ou aos comitês de campanha: 10% (dez por cento);

II - aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

 

Por sua vez, a aplicação de multa no patamar de 100% da quantia em excesso teve por fundamento o art. 18-B, caput, da Lei n. 9.504/97 e o art. 6º, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Lei n. 9.504/97:

Art. 18-B. O descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha acarretará o pagamento de multa em valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que ultrapassar o limite estabelecido, sem prejuízo da apuração da ocorrência de abuso do poder econômico.

 

Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 6º Gastar recursos além dos limites estabelecidos sujeita os responsáveis ao pagamento de multa no valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que exceder o limite estabelecido, a qual deverá ser recolhida no prazo de cinco dias úteis contados da intimação da decisão judicial, podendo os responsáveis responderem, ainda, por abuso do poder econômico, na forma do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, sem prejuízo de outras sanções cabíveis (Lei nº 9.504/1997, art. 18-B).

 

Como se constata, o art. 18-B da Lei n. 9.504/97 refere-se expressamente a “limites de gastos fixados para cada campanha”, ou seja, aos gastos totais ou globais de campanha, remetendo-se diretamente ao art. 18 antecedente, pelo qual, “Os limites de gastos de campanha serão definidos em lei e divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral”.

Registro, ainda, que os limites de doação de terceiros e de utilização de recursos próprios pelos candidatos estão estabelecidos no art. 23, §§ 1º e 2º-A, da Lei das Eleições, sendo positivada penalidade específica para as hipóteses no consecutivo § 3º, nos seguintes termos:

Art. 23. (...).

§ 1º As doações e contribuições de que trata este artigo ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição.

(...).

§ 2º-A.  O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer.   (Incluído pela Lei nº 13.878, de 2019)

§ 3º A doação de quantia acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.

 

Como se percebe, as previsões legais de sanção pecuniária aludidas não se relacionam com o limite de gastos específicos com alimentação de pessoal ou aluguel de veículos dispostos no art. 26, § 1º, da Lei n. 9.504/97, para os quais a legislação não estabelece multa em caso de infringência.

Aliás, este é o atual entendimento adotado pelo colendo Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA AO CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INOBSERVÂNCIA DO LIMITE DE GASTO COM ALUGUEL DE VEÍCULOS. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 18–B DA LEI Nº 9.504/1997. NÃO CABIMENTO. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE RECURSOS PÚBLICOS. DEVOLUÇÃO DE VALORES. REEXAME. ENUNCIADO SUMULAR Nº 24 DO TSE. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO.

1. A incidência da sanção pecuniária prevista no art. 18–B da Lei das Eleições está adstrita apenas aos casos de descumprimento dos limites de gastos globais fixados para cada campanha.

2. Na espécie, a inobservância do limite de gastos com locação de veículos (art. 26, § 1º, II, da Lei nº 9.504/1997) não autoriza a aplicação da multa prevista no art. 18–B da referida lei.

(...).

4. Negado provimento ao agravo interno.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060151147, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 22.9.2020.) Grifei.

 

Eleições 2016. Agravo de instrumento. Recurso especial. Prestação de contas. Candidata ao cargo de Vereador (PMDB). Contas desaprovadas.

(...).

4. Não incidem, no caso vertente, os arts. 5º da Res.-TSE nº 23.463/2015 e 18-B da Lei nº 9.504/1997, porquanto relativos ao descumprimento do limite total da campanha eleitoral, restrita a hipótese em exame ao extrapolamento do limite legal para aluguel de veículos, em campanha eleitoral.

(...).

(TSE, RESPE n. 125-82.2016.619.0029, Decisão monocrática, Relatora Min. Rosa Maria Weber da Rosa, Data da decisão: 08.5.2018, DJE - Diário de justiça eletrônico – 18.5.2018, pp. 29-34.) Grifei.

 

Acerca do tema, cito excerto do voto da lavra do relator, Ministro Og Fernandes, lançado no referido julgamento do RESPE n. 060151147, o qual destacou que:

Com efeito, a incidência da sanção pecuniária prevista nos arts. 18-B da Lei das Eleições e 8º da Res.-TSE nº 23.553/2017 está adstrita apenas aos casos de descumprimento dos limites gerais fixados para cada campanha. Não tem aplicação no caso presente, em que extrapolado apenas o limite específico previsto no art. 26, parágrafo único, II, da Lei nº 9.504/1997 – realização de despesas com aluguel de veículos automotores em valor correspondente a 22,39% do total de gastos da campanha –, sem a utilização de recursos provenientes de fontes vedadas ou de origem não identificada, e sem desequilíbrio algum em relação aos demais candidatos que concorreram no pleito de 2018.

 

Assim, consoante posicionamento do TSE, a inobservância do limite de gastos com locação de veículos não dá margem à aplicação de multa.

Este também é o entendimento agasalhado por outros Tribunais Regionais para as eleições de 2020:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. VEREADOR ELEITO. ELEIÇÕES 2020. Contas julgadas desaprovadas. Extrapolação do limite 20% de gastos com aluguel de veículos automotores. Inobservância do artigo 42, II, da Resolução nº 23.607/2019/TSE. Aplicação de Multa. Art. 6º da Resolução nº 23.607/2019/TSE. Não cabimento. Restringe-se aos casos de inobservância do limite do teto geral de gastos fixado para a campanha. Não cabe aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade quando o valor da irregularidade supera R$ 1.064,00 (parâmetro diminuto) e representa mais de 10% do total dos gastos de campanha contratados. Precedentes.

(TRE-MG - RE: 060063309 LAGOA SANTA - MG, Relator: MARCOS LOURENÇO CAPANEMA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 22/09/2021, Data de Publicação: DJEMG - Diário de Justiça Eletrônico-TREMG, Data 04.10.2021.) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTO COM ALUGUEL DE VEÍCULOS. ART. 26, § 1º DA LEI Nº 9.504/1997 C/C ART. 42, INC. II DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.607/2019. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 18-B DA LEI Nº 9.504/1997. NÃO CABIMENTO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADAS. DEVOLUÇÃO AO TESOURO NACIONAL. IRREGULARIDADES COM PERCENTUAL ELEVADO. NÃO APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...). 2. Conforme se depreende da leitura dos artigos 18-B, da Lei nº 9.504/1997, c/c o art. 6º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, a penalidade de multa restringe-se aos casos de extrapolação dos limites de gastos globais de campanha, não se aplicando nas situações em que há excesso com o limite de gastos parciais previstos no art. 26, § 1º, da citada lei. Precedentes do TSE. (...). 4. De acordo com o normativo de regência, bem como levando-se em conta o atual entendimento do TSE, não há que se falar em aplicação de multa para os casos de extrapolação dos limites parciais de gastos, multa essa, aplicável apenas para os casos de extrapolação dos limites globais de gastos, o que não é o caso dos autos. 5. As irregularidades materiais com reflexos financeiros perfazem o montante de R$ 2.156,81 o que correspondente a 38,06% dos recursos financeiros manejados, impossibilitando a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, conduzindo assim, a desaprovação das contas. 6. Recurso provido parcialmente. Contas desaprovadas. Multa afastada.

(TRE-MT - RE: 60042936 SINOP - MT, Relator: JACKSON FRANCISCO COLETA COUTINHO, Data de Julgamento: 09.09.2021, Data de Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 3504, Data 17.09.2021, Página 23-25.) Grifei.

 

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO VEREADOR. LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. LIMITE DE GASTOS. EXTRAPOLAÇÃO. PERCENTUAL EXPRESSIVO. IRREGULARIDADE GRAVE. APLICAÇÃO DE MULTA. NÃO PREVISÃO. 1. A norma estabelece que o candidato ao realizar despesa com veículos automotores deve se limitar ao percentual de 20% (vinte por cento) em relação ao total de gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º, inc. II c/c o art. 42, inc. II, da Res. TSE nº 23.607/2019). 2. No caso, o candidato efetuou despesa com pagamento de aluguel de veículo correspondente a 34,55% dos gastos contratados em sua campanha eleitoral, percentual expressivo que enseja a desaprovação das contas. 3. A inobservância do limite de gastos com locação de veículos (art. 26, § 1º, II, da Lei nº 9.504/1997 c/c o 42, inciso II, da Res. TSE 23.607/2019) não autoriza a aplicação da multa prevista no art. 18-B da Lei das Eleicoes (art. 6º, caput, da Res. do TSE 23.607/2019), pois ela está adstrita apenas ao descumprimento dos limites de gastos globais fixados para cada campanha. Não é cabível, pois, na espécie, a sanção pecuniária atribuída pelo juízo a quo ao prestador de contas. Precedentes do TSE e deste Tribunal. 3. Parcial provimento do recurso com afastamento da multa aplicada.

(TRE-PE - RE: 060056435 PALMARES - PE, Relator: FRANCISCO ROBERTO MACHADO, Data de Julgamento: 27.08.2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 181, Data 31.08.2021, Página 95-99.) Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. VEREADORA. EXTRAPOLAÇÃO DE GASTOS COM ALUGUEL DE VEÍCULO. FALHA GRAVE QUE COMPROMETE A REGULARIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. IRRESIGNAÇÃO. REFORMA DA SENTENÇA ZONAL. MONTANTE INEXPRESSIVO TANTO EM TERMOS ABSOLUTOS QUANTO EM TERMOS RELATIVOS. EXCLUSÃO DA MULTA APLICADA. PROVIMENTO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS

(...).

2. O descumprimento do limite disposto no art. 42, II, da Res. TSE nº 23.607/2019 não atrai a multa insculpida no art. 6º da referida Resolução, a qual se refere ao limite de gasto geral para cada campanha.

3. Provimento do recurso. Aprovação das contas com ressalvas.

(TRE-PB - RE: 060049139 Nazarezinho - PB, Relator: ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO, Data de Julgamento: 10.06.2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 103, Data 14.06.2021, Página 12.) Grifei.

 

Embora reconheça que este Regional vinha trilhando senda oposta, inclusive em precedentes de minha própria relatoria, como no REl n. 347-42.2016.6.21.0046 e no REl n. 116-75.2016.6.21.0026, ambos julgados no ano de 2017, antes, portanto, das decisões do TSE reportadas acima, entendo deva ser revisitada a matéria, a fim de se acolher a tese jurídica adotada pela Corte Superior, tanto em virtude de, sob o prisma exegético, revelar-se mais escorreita, como para promover o alinhamento deste órgão jurisdicional ao Tribunal ad quem, de modo a uniformizar-se a interpretação da lei.

Anoto, por oportuno, que, malgrado seja inaplicável multa à situação de infringência aos limites de gastos previstos no art. 26, § 1º, da Lei n. 9.504/97, tal compreensão não significa que eventual violação à regra esteja livre de consequências, uma vez que pode acarretar a desaprovação das contas.

Nesse panorama, rogando vênia ao entendimento contrário, entendo pelo afastamento da multa arbitrada em razão da extrapolação do limite de gastos com locação de veículos, ante a ausência de previsão legal para a penalidade.

 

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso interposto por Bruno Luciano Radtke, tão somente para afastar a multa, no valor de R$ 169,92, imposta por extrapolação do limite de gastos com aluguel de veículos automotores, mantendo, nos termos do voto do relator, a desaprovação das contas e a multa aplicada por superação do limite legal para utilização de recursos próprios, no valor de R$ 419,63.

É como voto, Senhor Presidente.