REl - 0600625-63.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que desaprovou as contas reconheceu: a) a existência de gastos custeados com recursos próprios em valor além do limite legal e aplicou multa de 100% sobre o valor excedido (R$ 419,63); b) a extrapolação do limite de gastos com aluguel de veículos automotores e impôs multa (R$ 169,92) equivalente ao valor que superou o teto; e, c) a irregularidade na devolução de valores (R$ 205,40) mediante saque na conta-corrente, quando deveria ter sido utilizada a transferência para a conta do doador – candidato ao cargo de prefeito, de montante originário de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, que não transitou pela conta específica destinada a esta finalidade. Ainda, a decisão imputou máculas na quitação de pagamentos sem a utilização de cheque nominal cruzado e no pagamento de juros, ainda que em patamar irrisório (R$ 0,01).

O Ministério Público Eleitoral não apresentou recurso e o total arrecadado pelo candidato foi de R$ 1.770,40 (mil, setecentos e setenta reais e quarenta centavos).

Inicio pela análise da superação dos limites de gastos.

É certo que a lei permite a utilização de recursos próprios pelos candidatos em suas campanhas eleitorais, desde que atendidos os requisitos da forma e dos limites previstos em lei.

Assim dispõe o art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/2019, in verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

[...]

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

[...]

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

Observe-se que o dispositivo supracitado, além de limitar as doações de pessoas físicas em 10% sobre seus rendimentos no ano anterior, também condiciona o uso de recursos próprios do candidato até o mesmo percentual, calculado sobre o valor do teto de gastos do cargo ao qual concorreu. Tal regramento foi recentemente incluído pela redação da Lei n. 13.878/2019, que acrescentou o § 2º-A ao art. 23 da Lei das Eleições.

In casu, o exame dos autos demonstra que o limite de gastos para o cargo de vereador no município de Cerro Branco estava fixado em R$ 12.307,75 (doze mil, trezentos e sete reais e setenta e cinco centavos). Nesse cenário, o candidato poderia ter utilizado, na sua campanha, recursos próprios no montante de até R$ 1.230,78 (mil duzentos e trinta reais e setenta e oito centavos).

Da análise do parecer conclusivo (ID 24436533) emitido pelo órgão técnico, verifica-se que o recorrente doou para sua campanha o valor de R$ 1.650,40 (mil, seiscentos e cinquenta reais e quarenta centavos), o que resulta na aplicação de R$ R$ 419,63 (quatrocentos e dezenove reais e sessenta e três centavos) acima do limite fixado na legislação eleitoral.

Nesse contexto, mesmo que acate as justificativas do recorrente, não há como afastar a caracterização do ilícito, uma vez que o limite legal, objetivamente previsto, foi ultrapassado.

Observo que o juiz a quo aplicou multa de 100% sobre o valor excedido (R$ 419,63), de forma que a sentença não merece qualquer reparo neste ponto.

Em relação à superação do limite de gastos com locação de veículos, a decisão recorrida reconheceu que a despesa com aluguel de veículo automotor extrapolou o limite de 20% do total dos gastos de campanha, infringindo o disposto no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

(...)

II – aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

No caso dos autos, o candidato realizou despesas com aluguel de veículo na quantia total de R$ 500,00 (quinhentos reais). Porém, considerando o total de gastos em sua campanha (R$ 1.650,40), o limite para despesas dessa natureza era de R$ 330,08 (trezentos e trinta reais e oito centavos). Assim, o prestador ultrapassou o limite em R$ 169,92 (cento e sessenta e nove reais e noventa e dois centavos), o que representa uma extrapolação de aproximadamente 150% do valor máximo que poderia ser gasto com locação de veículos.

Embora o recorrente afirme que a contratação do aluguel de veículo se deu pelo menor preço de mercado disponível, o argumento não é apto a afastar a aplicação de literalidade do comando legal.

Por oportuno, trago à colação o precedente deste Tribunal Regional sobre o tema:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Limite de gastos. Art. 26 da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016. Preliminar afastada. Somente é admissível a concessão de efeito suspensivo ao recurso quando a decisão atacada resultar na cassação de registro, no afastamento do titular ou na perda de mandato eletivo, consoante art. 257 do Código Eleitoral. Efeitos não vislumbrados na presente demanda, que julga contas eleitorais.

O teto percentual específico, determinado pela lei eleitoral, para aluguel de veículos automotores é de 20% em relação ao total de gastos da campanha. Limite extrapolado em acentuada porcentagem pelo prestador. Infringência que compromete a regularidade das contas. Desaprovação.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE 247-61 – Rel. Dr. Luciano André Losekann – P. Sessão do dia 9.5.2017.) (Grifei.)

Cumpre ressaltar que a observação do limite de gastos configura condição para a equiparação de oportunidades e para o tratamento isonômico entre os candidatos, impondo-se ao pretendente de mandato eletivo elaborar seus planos e estratégias de campanha de acordo com os ditames legais.

Assim, em decorrência do descumprimento da norma inserida no inc. II do art. 42 da Resolução TSE n. 23.607/19, que incide de forma objetiva, independentemente de boa-fé, desconhecimento do texto legal, ou mero equívoco, o excesso cometido é mácula grave, capaz de gerar desaprovação da contabilidade, tendo em vista o comprometimento da regularidade das contas do candidato.

Verifico que a multa pela extrapolação do limite de gastos aplicada pelo sentenciante atendeu aos parâmetros do art. 6º da resolução de regência, não cabendo qualquer correção também quanto à penalização.

Em prosseguimento da análise, conforme relatado pelo recorrente, foram recebidas doações provenientes do candidato ao cargo de prefeito, recursos estes que foram devolvidos ao doador.

Colho do parecer conclusivo (ID 24436533):

Em sede de manifestação, o candidato refere que o valor de R$ 205,40 (oriundo do candidato a Prefeito Edson Joel Lawall – Conta FEFC) foi indevidamente recebido e, posteriormente, devolvido ao doador.

Ocorre que a devolução da quantia se deu pela realização de dois saques eletrônicos na conta de campanha (R$ 83,40 em 30/10/2020 e R$ 122,00 em 30/10/2020). A quantia deveria ter sido transferida diretamente para a conta do candidato doador (Prefeito Edson Joel Lawall). Não foi apresentado comprovante de depósito do importe.

Analisando os extratos eletrônicos pertinentes à conta do candidato a Prefeito Edson Joel Lawall foi possível verificar movimentação (depósito dos valores, em 30/10/2020) com identificação do CPF de Bruno Luciano Radtke (488.203.420-49).

Embora os indícios indiquem que os valores movimentados (R$ 205,40) foram efetivamente objeto de equívoco, e posteriormente devolvidos, entendo pela manutenção da falha nas contas, haja vista que ao candidato restava a possibilidade de transferir a quantia diretamente para a conta do doador, tornando a devolução mais transparente e condizente com às normas eleitorais de arrecadação e gastos.

Outrossim, o recurso envolvido é de natureza pública, o que exigia maior cuidado e cautela dos candidatos quanto à sua movimentação e comprovação.

O recorrente reconhece a irregularidade na devolução de valores (R$ 205,40) mediante saque na conta-corrente, quando deveria ter sido utilizada a transferência para a conta do doador – candidato ao cargo de prefeito, de montante originário de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que não transitou pela conta específica destinada a esta finalidade. Argumenta que não houve a utilização irregular dos recursos públicos.

Na hipótese, a sistemática adotada pelo candidato para a devolução do montante indevidamente depositado na conta de doações de campanha impediu que a Justiça Eleitoral pudesse acompanhar a movimentação financeira da forma prevista em regulamento, o que compromete a transparência na movimentação dos recursos.

Mesmo tendo sido constatado pelo diligente órgão técnico a efetiva devolução dos valores, não houve o atendimento da norma, e mesmo que o sentenciante tenha considerado que a verificação, por outros meios, do destino nos recursos possa relevar a obrigatoriedade de recolhimento do montante ao Tesouro Nacional, subsiste a irregularidade do procedimento, de forma que a declaração de inobservância do comando legal deve ser mantida.

A decisão ainda imputou máculas na quitação de pagamentos sem a utilização de cheque nominal cruzado, nestes termos:

Também foram apontados pagamentos realizados sem a utilização de cheque nominal cruzado, o que inviabiliza identificação do destinatário, sendo que as informações apresentadas não justificam a situação, mormente quando se trata da inobservância de procedimento definido justamente para evitar quaisquer presunções de desvios.

O relatório preliminar especifica tais valores (ID 24436133):

06/10/20 6703-SAQUE RECIBO AVULSO 853 SAQUE ELETRÔNICO R$ 480,00

07/10/20 4845-CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA 1 SAQUE ELETRÔNICO R$ 100,00

15/10/20 4845-CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA 2 SAQUE ELETRÔNICO R$ 500,00

16/10/20 4845-CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA 3 SAQUE ELETRÔNICO R$ 150,00

29/10/20 4845-CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA 6 SAQUE ELETRÔNICO R$ 100,00

30/10/20 4845-CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA 4 SAQUE ELETRÔNICO R$ 122,00

30/10/20 4845-CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA 5 SAQUE ELETRÔNICO R$ 83,40

13/11/20 4845-CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA 9 SAQUE ELETRÔNICO R$ 100,00

Especificamente sobre o ponto, o recorrente admite a utilização de cheques não cruzados, o que descreve como pequeno erro formal em seu apelo, verbis:

Por fim, o último apontamento ocorreu devido a supostos gastos mediante operações com saques eletrônicos, modalidade que não permite a identificação do destinatário credor. No entanto, restou esclarecido que todas as despesas foram quitadas mediante cheques, os quais, por equívoco, não foram emitidos de forma cruzada. Ou seja, pequeno erro formal, não existindo qualquer ilicito ou má-fé. (ID 24436883)

Ocorre que se está diante de violação ao comando contido no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária. (Grifei.)

A análise técnica identificou pagamentos realizados por meio de cheques que não atenderam ao disposto no comando normativo, constando no extrato a realização de saque eletrônico por “CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA” (ID 24436133), em montante equivalente a “86,64% da movimentação financeira total do candidato” (ID 24436533).

Tal fato restou incontroverso.

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação do recebedor depositá-lo em conta bancária para compensá-lo. Tal procedimento permite a Justiça Eleitoral verificar se a pessoa que descontou o cheque é a mesma que prestou o serviço.

Na hipótese, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como beneficiário do pagamento, de forma que devem ser considerados irregulares os gastos eleitorais cuja forma de realização impossibilitou a identificação do recebedor dos valores por infringência ao disposto no artigo 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, nos termos da sentença recorrida.

Anoto, por oportuno, que não foi determinado recolhimento desses valores.

Finalmente, passo à análise da repercussão das irregularidades na prestação de contas.

O recorrente argumenta que as falhas existentes são de pequena monta e não comprometem a totalidade das contas, uma vez que a origem e a destinação dos recursos foram devidamente comprovadas.

Em breve apanhado, verifico que os gastos que não puderam ser verificados diretamente no exame da documentação bancária atingem o montante de R$ 1.635,40 (mil seiscentos e trinta e cinco reais e quarenta centavos) – ID 24436133, pág. 3, embora estejam ali também incluídos os valores de R$ 122,00 (cento e vinte e dois reais) e R$ 83,40 (oitenta e três reais e quarenta centavos), que puderam ser confrontados com a prestação de contas do candidato a prefeito.

Mesmo que fossem descontados os valores que puderam ser verificados na contabilidade do outro candidato, ainda assim o montante irregular relativo aos cheques atingiria o valor nominal de R$ 1.430,00 (mil, quatrocentos e trinta reais), o que supera o quantum considerado diminuto em termos absolutos na jurisprudência eleitoral.

Considerando tão somente essa mácula, já restaria abalada a confiabilidade de “86,64% da movimentação financeira total do candidato” (ID 24436533), ao que devem ser acrescidas as irregularidades relativas à extrapolação do limite de contratação de aluguel de veículos e arrecadação de recursos próprios.

Diante de tais glosas, não há que se falar em proporcionalidade ou razoabilidade, ou valor módico (até R$ 1.064,10), devendo ser mantida a desaprovação de contas e as multas aplicadas.

No mesmo sentido cito precedentes desta Corte e de outro Regional:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2016. UTILIZAÇÃO DE VERBAS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. INCONSISTÊNCIA ENTRE VALORES DECLARADOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS RETIFICADORA E O RECIBO ELEITORAL. DESPESA COM TRANSPORTE. PERCENTUAL EXPRESSIVO DE COMPROMETIMENTO DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. NEGADO PROVIMENTO. 1. Emprego de verbas de origem não identificada. Valores depositados em espécie na conta de campanha do candidato, conforme os extratos bancários presentes nos autos. Alegada a procedência do Fundo Partidário. Ausência, entretanto, de documentos fiscais que comprovem a origem e a regularidade dos recursos, ensejando a manutenção do comando de recolhimento do montante indevidamente utilizado ao Tesouro Nacional. 2. Inconsistência na quantia declarada como despesas com transporte e deslocamento. Divergência entre o recibo eleitoral correspondente e os extratos da prestação de contas final apresentados à Justiça Eleitoral. 3. Irregularidades que impedem a verificação da real origem e aplicação dos recursos. Comprometimento expressivo, equivalente a 38,68% do somatório de recursos arrecadados. Mantida a desaprovação das contas. Desprovimento.

(TRE-RS – RE: 52324 ENTRE IJUÍS – RS, Relator: JORGE LUÍS DALL`AGNOL, Data de Julgamento: 18/12/2017, Data de Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 10, Data 24/01/2018, Página 9) (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO. DEPUTADO FEDERAL. AUSÊNCIA. DOCUMENTAÇÃO COMPROBATÓRIA. GASTOS. RECURSOS. FEFC. IRREGULARIDADE GRAVE. DESAPROVAÇÃO. 1. A ausência de documentação apta a comprovar a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha constitui falha grave, uma vez que se exige maior atenção quando se trata de recursos oriundos de verba pública, restando comprometido o efetivo controle das contas; 2. Inaplicabilidade dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade uma vez que o montante considerado irregular ultrapassa o teto de 10% estipulado pelo TSE. 3. Contas julgadas desaprovadas.

(TRE-PA – PC: 060181035 BELÉM – PA, Relator: LUZIMARA COSTA MOURA, Data de Julgamento: 24/09/2019, Data de Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 185, Data 07/10/2019, Página 13) (Grifei.)

Portanto, deve ser mantida, de forma integral, a sentença recorrida.

Por fim, destaco que as multas devem ser recolhidas ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I da Lei n. 9.096/95.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas de Bruno Luciano Radtke, relativas ao pleito de 2020, e a aplicação das multas fixadas nos valores de R$ 419,63 (quatrocentos e dezenove reais e sessenta e três centavos) e R$ 169,92 (cento e sessenta e nove reais e noventa e dois reais), as quais, devem ser recolhidas ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos termos do art. 38, inc. I da Lei n. 9.096/95.