REl - 0600343-17.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

 VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, cuida-se de desaprovação de contas diante da ausência de detalhamento das despesas com contratação de pessoal de apoio à campanha, adimplidas com recursos do FEFC, consoante excerto sentencial que transcrevo:

Já em relação ao uso irregular do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, no valor total de R$ 2.067,69, usados para pagamento de despesas de duas pessoas para prestarem "serviço de cabo eleitoral" (IDs 74192313 e 74192316), o candidato deixou de trazer aos autos as especificações exigidas pelo § 12º do art. 35 da Res. 13.607/19 que assim dispõe:

§ 12º As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado", a fim de possibilitar a fiscalização pela Justiça Eleitoral.

De fato, os contratos de prestação de serviços juntados nos IDs 74192313 e 74192316 não contêm as informações necessárias exigidas pela legislação eleitoral, tais como, local do desenvolvimento do trabalho, especificação detalhada das atividades desempenhadas e, principalmente, justificativa do preço contratado.

Veja-se que para a cláusula do(s) local(is) onde o trabalho será desenvolvido, há apenas o nome do município. Da mesma forma em relação às atividades desempenhadas, consta tão somente "serviço de cabo eleitoral", sem especificar em que consiste esse serviço. Por fim, a simples expressão "preço de mercado" não justifica o valor contratado que, inclusive, está bem acima daquele verificado em prestações de contas apresentadas por outros candidatos ao mesmo cargo.

Registra-se, ainda, que a receita financeira do candidato, no valor de R$3.000,00, foi exclusivamente oriunda do FEFC, transferido pela direção estadual do partido, em 03.11.2020, data na qual os contratos foram firmados. Entretanto, segundo os contratos juntados pelo candidato, as atividades iniciaram em 21.10.2020, treze dias antes do recebimento do recurso para pagamento da despesa.

Além disso, interessando observar que o valor utilizado para pagamento de despesa com pessoal atinge mais de metade do recurso disponibilizado para campanha eleitoral do candidato.

Tais inconsistências afetam a credibilidade e comprometem as contas apresentadas, cumprindo-se desaprová-las, nos termos do art. 30,III, da Lei n. 9504/97, combinado com o art. 74, III, da Resolução 23.607 /2019, devendo os valores utilizados irregularmente do FEFC serem recolhidos ao Tesouro Nacional.

 

De seu turno, o recorrente defende a regularidade das contratações e dos respectivos instrumentos acostados, bem como que “os valores alcançados aos colaboradores e a jornada de trabalho estão perfeitamente alinhados como orçamento do candidato, com a legislação laboral e com o preço mínimo de mercado, não havendo nos autos, comprovação de preço de contratação de mão de obra por preço superior ao pago pelo mercado, devendo, por tais razões ser modificada a decisão de origem”.

Em que pese os argumentos, tenho que deve ser mantida a irregularidade reconhecida na sentença.

Com efeito, os contratos juntados aos autos, relativos às contratações de Marcos Vinícius Alves dos Santos e Bruno Silva de Moura, no valor de R$ 1.033,84 cada, pagos com recursos advindos do FEFC, não estão de acordo com o disposto no art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O dispositivo em comento exige o detalhamento da contratação, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado, in verbis:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Ao consultar os contratos em questão (IDs 28186433 e 28186483), verifica-se que os documentos se limitam a informar que o objeto do ajuste é o “serviço de cabo eleitoral”, que será desempenhado pelo período de “21/10/2020 até 15/11/2020”, com prestação em “Hulha Negra”, sendo a jornada de “seg-dom”, “das 9:00 até as 18:00” e intervalo “das 12:00 até as 14:00”.

Consta, ainda, nos instrumentos contratuais, que o valor da remuneração, estabelecido em R$ 1.033,84, em cada caso, “é fixado de acordo com o preço do serviço de mercado”.

Como se percebe, não há descrição detalhada sobre o serviço prestado ou sobre o local de sua execução, mas apenas a referência genérica a atividades de “cabo eleitoral” e ao Município de Hulha Negra.

Outrossim, a receita financeira utilizada para o adimplemento foi transferida pelo Diretório Estadual do Progressistas para a conta do candidato em 03.11.2020, ou seja, na mesma data em que firmados os contratos. Porém, o início das atividades, nos termos acordados, ocorreu em 21.10.2020, revelando indícios de que os termos foram pós-datados.

Por sua vez, a operosa unidade técnica atuante na origem, em seu parecer conclusivo, pontuou que os valores declarados não estão em sintonia com a média de gastos feitos por outros candidatos em condições semelhantes, conforme reproduzo (ID 28188633):

Assim, esta analista realizou uma pesquisa no DivulgaCand, site do TSE que torna público os gastos dos candidatos (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85316/210000654383/integra/despesas) - seguem anexos relatórios - e verificou que o prefeito eleito de Bagé, Divaldo Viera Lara gastou com panfletagem valores que variaram de R$200,00 a R$800,00. Realizou também pesquisa de alguns vereadores eleitos, e verificou que os gastos com serviço de apoio a candidatura variaram de R$150,00 a R$200,00.

Verificou-se também que um dos candidatos a prefeito  no município de Hulha Negra gastou R$1.000,00 com despesas de pessoal para manutenção do comitê, não tendo observado no divulgacand gastos com apoio a candidatura (https://divulgacandcontas.tse .jus.br/divulga/#/ candidato/2020/2030402020/86800/210000767319/integra/despesas), sendo que o prestador teve o expressivo gasto de R$2.067,69 com apenas dois apoiadores.

Ainda há de ser destacar que Bagé é um município que tem 90.578 eleitores, enquanto Hulha Negra tem 4.677 eleitores (representa 5,16% do total do eleitorado de Bagé).

 

Dessa forma, a ausência de descrição detalhada sobre as despesas de campanha com pessoal, bem como as inconsistências atinentes às datas consignadas nos contratos e ao valor de mercado apurado autorizam a conclusão acerca da insuficiência dos documentos e esclarecimentos comprobatórios dos gastos, especialmente considerando a natureza pública dos recursos utilizados.

Nessa linha, colaciono recente julgado relativo às eleições de 2020 do TRE-PB:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARGO VEREADOR. DETALHAMENTO DE DESPESA COM PESSOAL. ART. 35, § 12, DA R. TSE Nº 23607/19. DESCUMPRIMENTO. VALOR PEQUENO EM TERMOS ABSOLUTOS. PERCENTUAL ELEVADO EM RELAÇÃO AOS RECURSOS ARRECADADOS. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO DO RECURSO, EM DESARMONIA COM A MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL. 1. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade somente incidem quando constatada a exiguidade, em termos nominais e absolutos, das quantias alusivas às irregularidades, e, em termos percentuais, dos valores cotejados com o montante arrecadado e o gasto nas campanhas. Precedente do TSE. 2. Verificado no caso concreto que o percentual da irregularidade, omissão de detalhamento de despesa com pessoal, é expressivo, suficiente para macular a higidez das contas, comprometendo a sua regularidade, o desprovimento do recurso é medida que se impõe. Diante da expressividade percentual da irregularidade, são inaplicáveis os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. Recurso desprovido , em desarmonia com a manifestação ministerial. ACORDAM os Membros do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, em proferir a seguinte DECISÃO: RECURSO DESPROVIDO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, EM DESARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL.

(TRE-PB – REl n. 060051584 Baraúna - PB, Relator: ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU, Data de Julgamento: 17.6.2021, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 115, Data: 30.6.2021, p. 64.) (Grifei.)

 

Correta, portanto, a sentença, ao determinar a devolução ao Tesouro Nacional do valor de R$ 2.067,69, com fulcro no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, uma vez que não houve a demonstração da escorreita aplicação dos recursos advindos do FEFC por documentos idôneos para tanto.

Por derradeiro, considerando que o valor total das irregularidades importa na quantia de R$ 2.067,69, que representa 68,90% das receitas recebidas (R$ 3.000,00), torna-se inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

 

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de RONALDO PEREIRA DA SILVA, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento do valor de R$ 2.067,69 ao Tesouro Nacional.