REl - 0600312-15.2020.6.21.0039 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

 

VOTO

 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em razão da omissão de gasto eleitoral, no valor de R$ 6.000,00, bem como em face da ausência de registro e da apresentação dos extratos bancários de conta corrente de campanha aberta pelos candidatos.

Passo à análise de cada apontamento.

 

1. Da omissão de gastos de campanha.

Em relação ao primeiro ponto, relacionado à omissão de despesa eleitoral, mediante o confronto de informações fornecidas pelos órgãos fazendários, a unidade de análise técnica constatou a emissão de nota fiscal contra o CNPJ do prestador, no valor de R$ 6.000,00, emitida em 06.11.2020, cuja despesa correspondente não constou registrada junto às contas de campanha (ID 12858133).

Por sua vez, os recorrentes não negam a existência do aludido documento fiscal, mas sustentam que a despesa, envolvendo a aquisição de mil unidades de bandeiras, não se realizou de fato e que houve “falha da prestadora de serviços ao não dar a referida baixa na nota fiscal”. Afirmam, ainda, que o cheque inicialmente emitido para a compra foi devolvido, vindo a ser repassado a outro fornecedor para a aquisição de produtos da mesma natureza e pelo mesmo valor.

A fim de corroborar suas alegações, os recorrentes acostaram declaração firmada por Rosângela Souto de Oliveira, proprietária da empresa “Camisetas e Cia”, atestando que emitiu a nota fiscal eletrônica em 06.11.2020, “sendo que não se concretizou o negócio e foi devolvido o cheque n. 00014”, razão pela qual assume a responsabilidade do não cancelamento da referida nota fiscal no prazo legal (ID 12857983).

Consta nos autos, ainda, o próprio documento fiscal eletrônico em questão (ID 12858083).

Em sequência, com as razões recursais, os prestadores juntam declaração do proprietário da empresa “Vivarte Solução Visual EIRELI – ME” asseverando que, no dia 10.11.2020, comercializou para os candidatos a quantidade de mil unidades de bandeiras, pagas com o cheque n. 14, no valor de R$ 6.000,00 (ID 12858683), bem como a correspondente nota fiscal (ID 12858883).

Os argumentos, entretanto, não conduzem ao saneamento da irregularidade.

Com efeito, a legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

 

Da leitura do dispositivo presume-se que, se há a nota fiscal, houve o gasto correspondente. Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

Se o gasto não se verificou ou se o candidato não reconhece a despesa, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, devem ser adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução, in verbis:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

 

[...].

 

Art. 92. (...)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

 

No caso em apreço, contudo, os candidatos apenas atribuíram o não cancelamento da nota à empresa fornecedora, juntando declaração unilateral de sua proprietária nesse sentido, o que, por óbvio, não substitui a referida providência junto ao órgão fazendário.

Ademais, cabe aos candidatos, e não à empresa, prestar contas perante a Justiça Eleitoral e a responsabilização por eventual emissão incorreta de nota fiscal em sua campanha, pois o art. 45, § 2o, da Resolução TSE n. 23.607/2019 é expresso ao determinar que compete aos candidatos, em solidariedade com seus administradores financeiros, a veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha.

Na hipótese concreta, é certo que não houve o esclarecimento sobre a emissão do documento fiscal em favor do CNPJ de campanha, não foi realizado o cancelamento da nota fiscal nem se comprovou a impossibilidade de sua efetivação.

Na linha externada pela sentença recorrida, a omissão de registro de despesas contraria o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante o qual a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...)

g) receitas e despesas, especificadas;

(...)

i) gastos individuais realizados pelo candidato e pelo partido político;

(…)

 

Nesse trilhar, a Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa, na linha dos seguintes julgados:

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. DIRETÓRIO NACIONAL. PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL). COMITÊ FINANCEIRO NACIONAL PARA PRESIDENTE DA REPÚBLICA. DESAPROVAÇÃO.

I.  HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e seu Comitê Financeiro Nacional para Presidente da República, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral, em especial análise documental, exame de registros e cruzamento, além de confirmação de dados, por meio de procedimento de circularização.

II. INCONSISTÊNCIAS ANALISADAS

(...)

IRREGULARIDADE - OMISSÃO DE DESPESAS (R$ 84.900,77).

13. A omissão de despesas nas contas prestadas por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE viola o disposto nos arts. 40, I, g, e 41 da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constitui irregularidade que macula a sua confiabilidade.

(...)

(Prestação de Contas n. 97006, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 167, Data 29.8.2019, pp. 39/40). Grifei.

 

DIREITO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2014. PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO (PSB). DIRETÓRIO NACIONAL E COMITÊ FINANCEIRO. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

I. HIPÓTESE

1. Prestação de contas apresentada pelo Diretório Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) e seu Comitê Financeiro Nacional, relativa às Eleições 2014.

2. A análise da prestação de contas está limitada à verificação das informações declaradas espontaneamente pelo partido, bem como daquelas obtidas a partir de procedimentos de auditoria ordinariamente empregados pela Justiça Eleitoral.

(...)

III. IRREGULARIDADES

(…)

10. Omissão de despesas: confronto com informações externas (R$ 369.860,32). Gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, violam o disposto no art. 40, I, f e g, da Res.-TSE nº 23.406/2014 e constituem omissão de despesas.

(...)

(Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73). Grifei.

 

Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, tal como determinado na decisão recorrida.

 

2. Da ausência de registro de conta bancária e da apresentação dos extratos bancários.

No tocante à segunda irregularidade, o órgão de análise técnica identificou, mediante cruzamento eletrônico de informações, que houve omissão de conta bancária aberta no Banco do Estado do Rio Grande do Sul, agência n. 0339, conta n. 06.181516-07, e, por consequência, dos respectivos extratos bancários, infringindo o disposto no art. 53, inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19.

Na hipótese, os prestadores declararam tão somente as contas de ns. 61815170-4 (FEFC) e 61815150-6 (Outros Recursos), sonegando informações acerca da terceira conta aberta sob n. 61815160-7.

Com efeito, independentemente da haver ou não movimentação financeira, o art. 53, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19 impõe, categoricamente, a apresentação dos extratos bancários integrais e autênticos das contas abertas em nome do candidato:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

 

[…]

 

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

 

a) extratos das contas bancárias abertas em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), quando for o caso, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 3º desta Resolução, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira;

Grifei.

 

Ressalto que a análise da prestação de contas pode ser resumida, a grosso modo, em um cotejamento entre as receitas e despesas declaradas no sistema de prestação de contas e os documentos juntados, em especial os extratos bancários, demonstrando a movimentação financeira da campanha ou a sua ausência.

O prestador, como dito, embora intimado para o suprimento da falha durante o curso do processo na origem, quedou-se inerte, somente vindo a apresentar os extratos bancários em segunda instância, com as razões de recurso.

Tais documentos, acostados aos IDs 12858783 e 1285893, registram que a conta bancária n. 06.181516.0-7 foi aberta em 02.10.2020 e encerrada em 11.12.2020, e que não houve lançamentos de movimentação financeira no referido período.

Embora os extratos bancários não registrem o trânsito de recursos, a aceitação da prova demandaria o retorno dos autos para complementação do exame técnico, visando ao batimento das informações com os demonstrativos contábeis e demais dados disponíveis por integração de banco de dados de outros órgãos de fiscalização.

Com efeito, é por meio desses procedimentos de análise sobre os extratos bancários que se pode assegurar a fidedignidade dos registros contidos na movimentação financeira, ou mesmo a sua ausência.

Entretanto, nos processos de prestação de contas de campanhas municipais, tal atividade deve ser realizada em primeira instância, sendo inviável a ampla reabertura da fase instrutória em grau recursal, em razão da preclusão.

Outrossim, não desconheço o entendimento jurisprudencial de que a não apresentação de extratos bancários pelo prestador constitui falha que, por si só, não tem potencial para gerar a desaprovação das contas, nos casos em que for possível a análise da movimentação financeira por meio dos extratos eletrônicos enviados pela instituição bancária, disponíveis no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, permitindo tanto a análise técnica da Justiça Eleitoral quanto o controle social sobre a contabilidade.

Entretanto, no caso concreto, nas informações disponíveis no referido sistema (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88315/210000861013/extratos) não estão consignados os extratos eletrônicos relativos à conta n. 06.181516.0-7.

Dessarte, os extratos eletrônicos disponibilizados não foram capazes de suprir a irregularidade quanto à omissão dos extratos bancários pelo candidato para o exame técnico em primeira instância.

Assim, deve ser mantida a sentença que entendeu pela importância da irregularidade, pois a não apresentação dos extratos bancários no momento adequado da instrução processual prejudicou a fiscalização pela Justiça Eleitoral e o controle social, maculando a transparência dos registros contábeis.

Nesse sentido, o seguinte julgado do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PARTIDO POLÍTICO. CONTAS DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DE EXTRATOS BANCÁRIOS. RES.-TSE 23.463/2015. COMPROMETIMENTO DA ANÁLISE CONTÁBIL. IRREGULARIDADE GRAVE. DESAPROVAÇÃO. SÚMULA 30/TSE. DESPROVIMENTO. 1. A prestação de contas das Eleições 2016 encontra-se regulamentada pela Res.-TSE 23.463/2015, que dispõe, no art. 48, II, a, sobre a obrigatoriedade de se apresentarem, no ajuste contábil, extratos de conta bancária específica para se aferir a integral movimentação financeira de campanha. 2. A falta dos referidos extratos compromete a regularidade de contas, constituindo falha de natureza grave, a ensejar sua desaprovação, sendo irrelevante esclarecimento sobre a ausência de movimento financeiro no período em análise. Precedentes. 3. Em sede de prestação de contas, não se aplicam os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade quando o vício afigura-se grave. Precedentes. 4. O acórdão da Corte Regional não merece reparo, visto que alinhado com a jurisprudência deste Tribunal Superior. Aplicável, pois, a Súmula 30/TSE. 5. Agravo regimental desprovido. (TSE, Recurso Especial Eleitoral nº 59627, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 14/09/2018, Página 67-68) Grifei.

 

Por derradeiro, constata-se que, mesmo considerando apenas a falha concernente à omissão de gasto eleitoral, a irregularidade alcança a cifra de R$ 6.000,00, montante que representa 10,04% da receita arrecadada (R$ 59.750,00), mostrando-se inviável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar a relevância das falhas sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral e desta Corte.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, confirmando a sentença que desaprovou as contas de campanha de VILMAR DE OLIVEIRA e EDUARDO USTRA RIBEIRO, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento do valor de R$ 6.000,00 ao Tesouro Nacional.