REl - 0600235-42.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

ROBERTO MACHADO DA SILVA, candidato ao cargo de vereador no Município de Júlio de Castilhos, interpôs recurso em face da sentença prolatada pelo Juízo da 27ª Zona Eleitoral que julgou desaprovadas as contas do recorrente, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, em virtude do pagamento de despesas com recursos de campanha, no montante de R$ 690,00, por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, deixando-se de determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia apontada, por não se tratar de recursos oriundos do FP ou do FEFC.

Conforme constou no parecer conclusivo (ID 28290483), houve a emissão de dois cheques nominais (Ana Claudia Silveira Ayres e Jose Robson de Oliveira Ayres), nos valores de R$ 640,00 e R$ 50,00. Tais cheques, embora nominais, não foram cruzados, o que sequer é contraditado pelo recorrente.

Por consequência, houve descumprimento da norma inserta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal que a regra detém caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente poderá ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. El. LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021).

Seguindo essa ordem de ideias, registro que este Tribunal já reconheceu inexistir ressalva na legislação eleitoral quanto ao endosso do cheque emitido na forma nominal e cruzada, nos moldes do art. 17 da Lei n. 7.357/85, invocado como fundamento à regularidade do dispêndio nas razões recursais.

Entretanto, o reconhecimento da possibilidade de endosso do cheque não implica a dispensa da comprovação de que foi cruzado e emitido nominalmente ao fornecedor da campanha informado na contabilidade, como previsto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante extraio da ementa do seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado na sessão de 06.7.2021.) (Grifei.)

 

Consigno, ainda, que a alegação recursal de que o atendimento da exigência do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 impediria a contratação de “pessoas humildes e de ínfimas posses” para as atividades de militância política não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é, justamente, impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações realizadas durante a campanha. Além disso, o argumento não guarda relação de pertinência com a falha ora analisada, a qual se relaciona à contratação de serviços de confecção de material de propaganda eleitoral.

Contudo, como bem apontado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, em análise ao Divulgacandcontas, foi possível verificar que o cheque, no valor de R$ 640,00, foi depositado na conta da fornecedora Ana Cláudia Silveira Ayres (nota fiscal e cheque nominal acostados no ID 28288933), razão pela qual compreendo que restou atendida a finalidade da resolução, sendo assegurada a rastreabilidade do recurso e a devida transparência dos gastos de campanha à sociedade.

Portanto, afasto a irregularidade no valor de R$ 640,00, remanescendo apenas a falha na quantia de R$ 50,00 relativa ao cheque emitido para José Robson de Oliveira Ayres.

Assim, em princípio, seria possível cogitar do emprego de verbas sem identificação de origem para a quitação do dispêndio eleitoral em comento, passíveis de recolhimento ao erário, nos termos do art. 32, caput e § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, na medida em que não é possível assegurar que tenha sido efetivada com recursos financeiros que transitaram pela conta corrente específica da campanha.

Todavia, a magistrada de primeiro grau afastou expressamente o dever de recolhimento dos valores ao erário, sob o entendimento de não terem sido provenientes do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e de inexistir disposição nesse sentido, na citada resolução, quanto aos recursos de natureza privada, advindos exclusivamente do próprio recorrente.

Portanto, providência nesse sentido não pode ser imposta ao candidato nesta instância, por força do princípio da vedação da refomatio in pejus, haja vista a interposição de recurso exclusivamente pela sua defesa, sem manifestação do órgão ministerial de piso apta a obstaculizar a preclusão da matéria (TRE-RS, RE n. 18892, Relator Des. El. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, DEJERS de 03.5.2019, p. 8).

Por outro lado, o valor da falha remanescente (R$ 50,00) representa 3,24% das receitas arrecadadas para o custeio da campanha, as quais somaram R$ 1.542,55, possibilitando a aplicação dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade para que as contas sejam aprovadas com ressalvas.

Dessa maneira, como a irregularidade perfaz quantia de diminuta expressividade econômica, entendo pela aprovação das contas com ressalvas em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com respaldo no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, motivo por que a pretensão recursal deduzida nesse sentido merece ser integralmente acolhida.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento do recurso interposto por ROBERTO MACHADO DA SILVA para aprovar com ressalvas as suas contas relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

É como voto, Senhor Presidente.