REl - 0600554-61.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

ELESSANDRO LUIZ STRINGUINI, candidato ao cargo de vereador no Município de Cerro Branco, interpôs recurso em face da sentença prolatada pelo Juízo da 10ª Zona Eleitoral que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, em virtude de: (a) omissão de receita estimável (utilização de veículo próprio na campanha) e do respectivo registro na prestação de contas, conforme exigido no art. 60, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19; (b) utilização irregular de valores oriundos do FEFC sem transitar em conta bancária específica para tal finalidade; (c) pagamento de despesas eleitorais (combustível), no montante de R$ 259,00, por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da citada Resolução.

Em relação à primeira irregularidade, consta que a unidade técnica demonstrou a existência de despesas realizadas com combustíveis sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia.

Como forma de justificar o achado da área técnica, esclareceu o prestador das contas ter utilizado veículos próprios (Yamaha/ XTZ 250, placa 9657128; VW/Kombi, placa ISH6A75; Toyota/Corolla XLI, placa IKD5336), juntando cópia dos respectivos CRLVs (ID 34756683).

O fato é que, embora seja dispensada a comprovação da cessão, a declaração é obrigatória. Ao omitir a informação da prestação de contas, o que depois veio aos autos, violou o art. 60, §§ 4º e 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60.

[…]

§ 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

[…]

III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

§ 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

 

Além disso, nos termos do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[…]

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

 

Assim, não foi declarada a receita estimável (cessão do direito de uso dos veículos), o que viola as normativas acima transcritas. Era dever do candidato fazer constar na prestação de contas a utilização de veículo próprio, sob a rubrica Recursos Próprios – Estimável Em Dinheiro, sendo que a falta desta informação caracteriza omissão de receita estimável. Sem razão, portanto, neste pleito recursal.

Em relação à segunda irregularidade, consta que o prestador recebeu R$ 205,40 do candidato a prefeito Edson Joel Lawal, quantia que deriva do FEFC, sem que tenha transitado na conta-corrente para este fim. Haveria, portanto, infração ao art. 53, inc. I, al. "g", e  inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19.

 Ocorre que, conforme constou no parecer conclusivo (ID 34756833), houve a devolução de tais valores ao doador. Vejamos:

Assim, tendo em vista que a devolução da quantia se deu pela realização de saque eletrônico dos valores (R$ 122,00 + R$ 83,40) e posterior depósito na conta de campanha FEFC do candidato doador, a irregularidade nas contas se configura e não se afasta pelos esclarecimentos trazidos

Analisando os extratos eletrônicos, pertinentes à conta do candidato a Prefeito Edson Joel Lawal, é possível verificar movimentação (depósitos dos valores de R$ 122,00 em 30/10/2020 e R$ 83,40 em 30/10/2020) com identificação do CPF do candidato Elessandro Luiz Stringuini (905.582.350-34).

(…)

Quanto à devolução da quantia, entendo pelo seu afastamento, pois, smj, indícios há para concluir que houve devolução do importe ao candidato doador.

 

Assim, comprovada a devolução ao doador dos recursos do FEFC, tenho que restou sanada a irregularidade e que, neste caso, não haveria motivo para a desaprovação das contas. Neste ponto, portanto, as razões recursais merecem acolhimento.

Em relação à terceira irregularidade, inclusive com expressa confissão do recorrente, consta que cheques foram utilizados para quitar o gasto com combustível junto ao fornecedor ABASTECEDORA DE COMBUSTÍVEIS CERRO BRANCO LTDA. (R$ 109,00 e R$ 150,00). Tais cheques não foram devidamente cruzados como determina a legislação eleitoral (ID 34756733).

Inequívoco o descumprimento da norma inserta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. El. LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021).

Seguindo essa ordem de ideias, registro que este Tribunal já reconheceu inexistir ressalva na legislação eleitoral quanto ao endosso do cheque emitido na forma nominal e cruzada, nos moldes do art. 17 da Lei n. 7.357/85, invocado como fundamento à regularidade do dispêndio nas razões recursais.

Entretanto, o reconhecimento da possibilidade de endosso do cheque não implicou dispensa da comprovação de que foi cruzado e emitido nominalmente ao fornecedor da campanha informado na contabilidade, como previsto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante extraio da ementa do seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado na sessão de 06.7.2021.) (Grifei.)

 

Por outro lado, observo que, não obstante represente 55,77% das receitas declaradas (R$ 464,40), o valor nominal da falha é irrisório (R$ 259,00).

Sob esse aspecto, apesar do percentual significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto da falha é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Dessa maneira, como a irregularidade perfaz quantia de diminuta expressividade econômica, entendo possível a aprovação das contas com ressalvas em atenção aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, com respaldo no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e parcial provimento do recurso interposto por ELESSANDRO LUIZ STRINGUINI para fim de reformar a sentença, parcialmente, no sentido de aprovar com ressalvas a prestação de contas.

É como voto, Senhor Presidente.