REl - 0600287-62.2020.6.21.0019 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Mérito

Releva destacar que o recorrente, em sua peça recursal, trata apenas da segunda irregularidade (doações sucessivas em dinheiro e superiores a R$ 1.064,09). Os pagamentos realizados com recursos do FEFC, portanto, não são objeto de apreciação nesta esfera recursal.

RONIVAN FONTOURA BRAGA interpôs recurso contra a sentença que desaprovou suas contas em virtude do recebimento de doações em valor superior a R$ 1.064,10, por meio de depósitos bancários, com violação ao disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige a transferência eletrônica ou utilização de cheque cruzado e nominal, determinando o recolhimento da quantia de R$ 1.400,00 ao Tesouro Nacional.

Como é de notório conhecimento, em especial pelos candidatos a cargo político, ao receber doações acima do limite legal, deve ser observado o disposto no art. 21, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, a seguir transcrito:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

 

Na dicção do art. 21, § 1º, da citada resolução, as doações financeiras de pessoas físicas, em valores iguais ou superiores a R$ 1.064,10, devem ser efetivadas por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, ou mediante compensação de cheque cruzado e nominal.

Por força do § 2º daquele mesmo dispositivo legal, o regramento também se aplica às doações sucessivas efetuadas por um mesmo doador em um mesmo dia, como no caso dos autos, em que foram feitos dois depósitos em dinheiro, na sua conta de campanha, em dois dias diferentes:

– No dia 07.10.20, foram realizadas duas doações pelo próprio candidato, uma de R$ 1.000,00 e outra de R$ 200,00. Restou comprovada a origem tão somente da doação no valor de R$ 1.000,00, na medida em que foi transferido da conta bancária pessoal do candidato para a conta de campanha (ID 28744383). Em relação ao depósito de R$ 200,00 (depósito em dinheiro), este ocorreu em afronta ao art. 21, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

– No dia 20.10.20, houve doação de dois valores (R$ 135,91 e R$ 1.064,09),  por Cláudia Simone Carvalho Braga (CPF 786.866.360-04),  depositados em espécie e igualmente em contrariedade ao regramento eleitoral (ID 28744383).

É indubitável a ocorrência de violação ao comando legal, porquanto, em operações dessa natureza, são lançadas as informações declaradas pelo depositante (doador imediato), inviabilizando a identificação da real origem dos recursos (doador mediato). Ou seja, não há controle da instituição financeira sobre a veracidade dessa informação e, por conseguinte, quanto à real origem dos valores. Daí a razão da exigência legal para que depósitos superiores a R$ 1.064,10 sejam feitos por meio de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, formas de doação que asseguram de qual conta partiu o recurso.

Cabe ressaltar, ainda, o posicionamento firme do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória do ato:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.)

 

Por consequência, não restou observado o disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE 23.607/19, caracterizando-se os recursos como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do § 4º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual estabelece que, “No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução”.

Assim, como os recursos financeiros foram utilizados na campanha do candidato, a inobservância da normativa implica a sua caracterização como de origem não identificada, impondo-se o recolhimento ao Tesouro Nacional, nos moldes do art. 21, § 4º, c/c o art. 32, § 1º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, que reproduzo na sequência:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

(…).

 

Registro, ainda, que a jurisprudência deste Tribunal é uníssona ao compreender que tal normativo se aplica claramente a quaisquer depósitos, tanto realizados pelos próprios candidatos como por terceiros.

Nesse sentido:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. SENADOR E SUPLENTE. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. DOAÇÃO FINANCEIRA EFETUADA ATRAVÉS DE DEPÓSITO BANCÁRIO ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. OMISSÃO DE DESPESA. IRREGULARIDADES RELATIVAS AO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Doações financeiras, mediante depósitos sucessivos em dinheiro, realizadas pelos mesmos doadores, nas mesmas datas, cuja soma ultrapassa o limite legal para depósitos em espécie previsto no arts. 22, §§ 1º e 2º, e 34, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.553/17. As contribuições financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, com a obrigatória identificação do primeiro. Eventuais doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador, em uma mesma data, devem ser somadas para fins de aferição do limite regulamentar. Posicionamento firme do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o depósito, mesmo no caso de ser identificado, é meio incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória do ato. A ausência de comprovação segura do doador caracteriza o recurso como de origem não identificada, cujo valor correspondente deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos dos arts. 22, § 3º, e 34, caput, da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. Omissão de registro de despesa no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE), em dissonância com o disposto no art. 56, inc. I, alínea g, da Resolução TSE n. 23.553/17. Apesar do alegado equívoco na emissão da nota fiscal, não houve o cancelamento da mesma, circunstância que caracteriza a utilização de recurso de origem não identificada, devido à impossibilidade de confirmação da origem da quantia empregada para seu adimplemento, ensejando o recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Não comprovada a utilização de recursos advindos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Os apontamentos feitos pelo órgão técnico referem-se à aquisição de bens permanentes, pagamento de alugueis e diferença entre as despesas e a movimentação bancária, todos referentes à utilização da referida verba pública. A indevida utilização de recursos do FEFC impõe o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional, nos termos do § 1º do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17

4. Desaprovação.

(PCE n 0602017-39.2018.6.21.0000, Acórdão de 10.12.2019, Relator ROBERTO CARVALHO FRAGA, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 221, Data 11.12.2017, Página 12.)

 

Levando em consideração que as irregularidades, no valor total de R$ 3.400,00, representam 75,55% dos recursos declarados como recebidos (R$ 4.500,00), deve ser mantido o juízo de desaprovação da contabilidade.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso, para fins de manter integralmente a sentença de primeiro grau.

É como voto, Senhor Presidente.