REl - 0600564-48.2020.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

VOTO

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato a prefeito, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que aprovou com ressalvas as contas reconheceu a irregularidade no pagamento de despesas de campanha com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), no montante de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinquenta reais), diante da não observação da regra que exige seja utilizado cheque nominal e cruzado, determinando o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional (ID 27250833).

A análise técnica identificou pagamentos com recursos do FEFC realizados mediante cheques não nominais e não cruzados (ID 2725083).

Tal fato restou incontroverso.

Em relação ao pagamento de despesas da campanha eleitoral, dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:
I – cheque nominal cruzado;
II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;
III – débito em conta; ou 
IV – cartão de débito da conta bancária.

Embora o recorrente afirme que ocorreu apenas um equívoco na emissão dos cheques não nominais/cruzados e que essa irregularidade é sanável pela análise dos documentos acostados ao processo, houve, de fato, a não observância de norma objetiva que exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja nominal e cruzado.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito. Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as Eleições 2018, o art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal” no inc. I, enquanto para as Eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (inc. I do art. 38).

A partir das Eleições 2020, o saque do cheque pago com verbas eleitorais demanda que o valor nele representado seja creditado em conta. Confira-se a redação dos dispositivos pertinentes da Lei n. 7.357, de 2 de setembro de 1985, que dispõe sobre o cheque:

CAPÍTULO V

Do Cheque Cruzado

Art. 44 O emitente ou o portador podem cruzar o cheque, mediante a aposição de dois traços paralelos no anverso do título.

§ 1º O cruzamento é geral se entre os dois traços não houver nenhuma indicação ou existir apenas a indicação ‘’banco’’, ou outra equivalente. O cruzamento é especial se entre os dois traços existir a indicação do nome do banco.

§ 2º O cruzamento geral pode ser convertida em especial, mas este não pode converter-se naquele.

§ 3º A inutilização do cruzamento ou a do nome do banco é reputada como não existente.

Art. 45 O cheque com cruzamento geral só pode ser pago pelo sacado a banco ou a cliente do sacado, mediante crédito em conta. O cheque com cruzamento especial só pode ser pago pelo sacado ao banco indicado, ou, se este for o sacado, a cliente seu, mediante crédito em conta. Pode, entretanto, o banco designado incumbir outro da cobrança.

§ 1º O banco só pode adquirir cheque cruzado de cliente seu ou de outro banco. Só pode cobrá-lo por conta de tais pessoas.

§ 2º O cheque com vários cruzamentos especiais só pode ser pago pelo sacado no caso de dois cruzamentos, um dos quais para cobrança por câmara de compensação.

§ 3º Responde pelo dano, até a concorrência do montante do cheque, o sacado ou o banco portador que não observar as disposições precedentes. (Grifei.)

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação de o recebedor depositá-lo em conta bancária para compensá-lo. Tal procedimento permite à Justiça Eleitoral rastrear o trânsito de valores, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REL n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, julgado em 07.07.2021).

Na hipótese, o recorrente juntou aos autos os cheques n. 004 (R$ 3.000,00) e n. 007 (R$ 150,00), emitidos de forma não nominal e não cruzado, e, também, o cheque n. 009 (R$ 1.000,00) emitido de forma nominal e não cruzado (ID’s 27249133, 27248583 e 27248933).

Em todas as hipóteses, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como beneficiário do pagamento na prestação de contas, no extrato bancário (ID 27250333) da conta que movimentou recursos do FEFC. Isso porque restou registrada a realização de saque eletrônico por “CHEQUE TERCEIROS POR CAIXA”, verificando-se, ainda, que o cheque n. 009 foi nominado a pessoa diversa do fornecedor indicado.

Assim, averiguada a irregularidade na comprovação do gasto de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinquenta reais) provenientes de recursos do FEFC, o valor deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, o recorrente alega que não agiu de má-fé e nem utilizou irregularmente os recursos de campanha, postulando pelo reconhecimento da insignificância dos gastos. Todavia, o pagamento de despesas de campanha descumprindo a regra que exige a utilização de cheque nominal e cruzado viola a norma objetiva do inc. I do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, independentemente de boa-fé, desconhecimento do texto legal ou mero equívoco.

Por fim, destaca-se que a soma das irregularidades (R$ 4.150,00) representam, aproximadamente, 11,56% dos recursos arrecadados pelo recorrente (R$ 35.883,76), situação que, consoante entendimento desta Corte, levaria ao juízo de reprovação das contas. Contudo, interposto recurso apenas pelo candidato, não cabe, nesta instância, de ofício, desaprovar as contas do recorrente, sob pena de violação do princípio da non reformatio in pejus.

Por essas razões, a sentença deve ser mantida para aprovar com ressalvas as contas do recorrente e determinar o recolhimento do valor R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso interposto por Paulo Cezar Kohlrausch, para manter a aprovação com ressalvas das contas, relativas ao pleito de 2020, bem como a determinação do recolhimento do valor de R$ 4.150,00 (quatro mil, cento e cinquenta reais) ao Tesouro Nacional.