REl - 0600537-25.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

 VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pela magistrada a quo, devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados nos arts. 38 e 60, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença (ID 38121133), colacionada parcialmente abaixo, vai ao encontro do que constou no Parecer Conclusivo (ID 38120783):

Prestação de Contas regida pela Resolução TSE 23.607/2019, com as alterações, quanto às eleições municipais de 2020, promovidas pela Resolução TSE 23.624/2020.

O primeiro apontamento indica incongruência entre as despesas com combustíveis, declaradas no valor de R$ 200,00, e a ausência de registro de locação de veículo automotor, paga com recursos financeiros ou recebida em doação estimável em dinheiro. Outrossim, não há registro de despesas com carreatas ou carros de som. Tal irregularidade prejudica a consistência, a confiabilidade e a regularidade das contas, sendo que o prestador das contas não se manifestou a respeito.

Outrossim, foram detectadas divergências entre as informações da conta bancária informada na prestação de contas em exame e aquelas constantes dos extratos eletrônicos encaminhados à Justiça Eleitoral, podendo caracterizar omissão na prestação de informações à Justiça Eleitoral relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha, infringindo o art. 53, I, alínea "a", da Resolução TSE nº 23.607/2019. O Examinador das contas constatou falhas no registro de informações na prestação de contas, conforme Parecer Conclusivo.

DADOS OMITIDOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS

 

DATA

CPF/CNPJ

FORNECEDOR

N º DA NOTA FISCAL OU RECIBO

VALOR (R$)¹

%²

FONTE DA INFORMAÇÃO

09/10/2020

33.216.072/0001-20

ISMAEL DOS SANTOS LANGE 02037221088

31271863

300,00

74,00

NFE

15/10/2020

33.216.072/0001-20

ISMAEL DOS SANTOS LANGE 02037221088

31332643

 

 

 

300,00

74,00NFE

 

 

 

 

 

 

 

 

Também foi identificada omissão de despesa constante da prestação de contas e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização e/ou informações voluntárias de campanha e/ou confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Acontece que o candidato prestador das contas apresentou contas finais retificadas fazendo constar nova despesa no importe de R$ 300,00 (a título de Jingle, vinheta e slogans). Foi apresentado comprovante fiscal da despesa realizada (ID 73876938) no valor de R$ 300,00 (data de emissão em 09/10/2020). Contudo, não se verificou correspondência nos extratos bancários e eletrônicos. Desta forma, permanece omissão de despesa na prestação de contas com relação ao outro valor de R$ 300,00, despesa realizada em 15/10/2020, junto ao mesmo fornecedor ISMAEL DOS SANTOS LANGE, Nota Fiscal n. 31332643. Vejamos o que constou no Parecer conclusivo:

'Embora o prazo para manifestação do candidato tenha decorrido in albis, de ofício passo à análise das informações constantes do Sistema de análise das contas:Indício de utilização de Recurso de Origem não Identificada, i.e, que não transitou pela conta bancária aberta de campanha, hipótese prevista no art. 32, VI, da Res. TSE n. 23.607/2019.

1 – Nota Fiscal n. 31271863 (em anexo): despesa realizada em 09/10/2020, no valor de R$ 300,00. Cópia do comprovante fiscal apresentado (ID 73876938). Despesa declarada na prestação de contas, porém sem convergência com a movimentação financeira da conta bancária. Gasto realizado com recurso de origem não identificada, i.e, que não transitou pela conta bancária aberta para a campanha eleitoral (conforme art. 32, VI, da Res. TSE n. 23.607/2019). Recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, por se tratar de recurso de origem não identificada.

2 - Nota Fiscal n. 31332643 (em anexo): despesa realizada em 15/10/2020, no valor de R$ 300,00. Emissão do comprovante fiscal com o CNPJ do candidato, por equívoco. Registro de observação no corpo da nota fiscal “O NOME/RAZÃO SOCIAL ESTA CORRETO, ASSIM COMO O ENDERECO. POREM O CNPJ ESTÁ TROCADO SENDO QUE POR UM EQUIVOCO FOI COLOCADO TROCADO SENDO ESTE CNPJ DE OUTRO CANDIDATO O QUAL TAMBEM FOI PRESTADO SERVIÇOS. O CNPJ CORRETO É 38.764.345/0001-94 DE ELEICAO 2020 ARNILDO IVO PRIEBE VEREADOR, CONFORME O NOME DA RAZÃO SOCIAL DA REFERIDA NOTA”. Inconsistência que se esclarece e se afasta.'

Então, o valor indicado no item 1, de R$ 300,00, deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, por se tratar de recurso de origem não identificada.

Ainda, houve apontamento do recebimento de valores provenientes do FEFC do candidato a prefeito Edson Joel Lawal. Os valores teriam sido devolvidos por meio de saque eletrônico e posterior depósito. Segundo avaliação do examinador, existem indicativos de que o valor de fato tenha sido devolvido. No entanto trata-se de falha envolvendo recursos públicos. Segundo o Parecer:

"1. trata-se de falha envolvendo recurso de origem pública, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, por si só, implicaria maior cautela e zelo quanto à sua utilização;

2. o valor foi recebido em conta de ‘outros recursos’, misturando recursos de ordem privada e pública;

3. ao candidato recebedor da quantia restava a possibilidade de transferi-la diretamente para a conta do doador, por meio de transferência bancária entre contas (tornando a devolução mais transparente e condizente as normas eleitorais de arrecadação e gastos);

4. o recurso foi pretensamente devolvido à conta FEFC do candidato doador por meio de depósito com identificação do CPF do candidato. Foi afastada a necessidade de devolução dos valores aos cofres públicos, mas permanece a falha nas contas."

Por fim, foi apontada a realização de saque eletrônico no valor de R$ 100,00, evidenciando movimentação financeira sem a possibilidade de identificação da contraparte credora nos extratos eletrônicos. Houve inobservância da forma legal para a realização do gasto, pois a operação não permite a identificação da contraparte nos extratos bancários e eletrônicos, para comprovar que o pagamento teve como destinatário o fornecedor da nota fiscal emitida ou do prestador de serviço declarado na prestação de contas, além de não possibilitar o rastreamento da conta de destino. O prestador das contas não sanou a falha apontada, mesmo intimado para tal.

Então, diante das várias irregularidades constatadas no exame das contas, não havendo manifestação por parte do prestador, a desaprovação das contas é medida que se impõe.

Pelo exposto, JULGO DESAPROVADAS, nos termos dos artigos 73 e 74, inciso III, da Resolução TSE 23.607/2019, as contas prestadas por NELSON LUIZ BORDIGNON quanto à arrecadação e à aplicação de recursos financeiros na eleição do ano de 2020.

Outrossim, CONDENO o Prestador das Contas, NELSON LUIZ BORDIGNON, à devolução de R$ 300,00 (trezentos reais) ao Tesouro Nacional, nos termos da Resolução TSE 23.607/2019.

 

O recorrente sustentou que o veículo era próprio, não existindo razões lógicas para o candidato fazer uma doação estimável em dinheiro a fim de utilizar o seu próprio automóvel. Referiu que os recursos doados pelo candidato a prefeito Edson Joel Lawal (R$ 205,40) foram recebidos inadvertidamente, e o valor foi devolvido, não tendo ocorrido a utilização irregular de verbas provenientes do FEFC. Alega ainda que todas as despesas foram quitadas mediante cheques, os quais, por equívoco, não foram emitidos de forma cruzada, salientando que se trata de pequeno erro formal, não existindo ilícito ou má-fé.

Em relação ao primeiro fato, o prestador das contas, confessadamente, não declarou a cessão do direito de uso dos veículos de sua propriedade (Caminhonete, placa IHG 7716 e motocicleta, placa IOC 7260) para a campanha eleitoral. Ao não fazê-lo, violou o art. 60, §§ 4º e 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, nos termos do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

[…]

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

 

Assim, não foi declarada a receita estimável (cessão do direito de uso dos veículos) e houve gastos com combustível na ordem de R$ 200,00, o que viola as normativas acima transcritas. Era dever do candidato fazer constar, na prestação de contas, a utilização de veículo próprio, sob a rubrica Recursos Próprios – Estimável Em Dinheiro, sendo que a falta desta informação caracteriza omissão de receita estimável.

Sem razão o recorrente neste ponto.

Com relação ao segundo fato, omissão de despesa cujo adimplemento se deu com recursos que não transitaram na conta bancária, assiste razão ao recorrente no em relação à Nota Fiscal n. 31332643 (R$ 300,00), datada de 15.10.2020 (ID 38120983), emitida pelo fornecedor ISMAEL DOS SANTOS LANGE contra o CNPJ da campanha, uma vez que restou esclarecida, atestada pela Unidade Técnica (ID 38120783) e acolhida na sentença (ID 38121133), trecho abaixo transcrito:

Acontece que o candidato prestador das contas apresentou contas finais retificadas fazendo constar nova despesa no importe de R$ 300,00 (a título de Jingle, vinheta e slogans). Foi apresentado comprovante fiscal da despesa realizada (ID 73876938) no valor de R$ 300,00 (data de emissão em 09/10/2020).

 

Contudo, quanto à Nota Fiscal n. 31271863 (ID 38120883), emitida pelo mesmo fornecedor em 09.10.2020, também no valor de R$ 300,00, despesa declarada na prestação de contas, porém sem convergência com a movimentação financeira da conta bancária, configura-se gasto realizado com recurso de origem não identificada, eis que não transitou pela conta bancária aberta para a campanha eleitoral. Em suas razões, o próprio prestador admite ter efetuado o pagamento com receitas próprias, em espécie, as quais não transitaram pela conta bancária da campanha.

No que concerne a essa irregularidade, assim se manifestou o ilustre Procurador Regional Eleitoral:

Acerca do apontamento, alega o(a) recorrente que o fornecedor do serviço não sofreu qualquer prejuízo, pois o candidato pagou pelo serviço prestado com recursos próprios, em dinheiro. (grifou-se)

Vê-se, portanto, que o(a) prestador(a) admite que o pagamento foi feito com recursos em espécie que não transitaram pela conta bancária da campanha, ou seja, a origem não restou esclarecida. Assim, correta a sentença ao determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 300,00, nos termos do art. 32, caput e inciso VI, da Resolução TSE nº 23.607/2019.

 

Nesse sentido, acertada a sentença determinando o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional, por se tratar de recurso de origem não identificada, ou seja, a origem não restou esclarecida (conforme o art. 32, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Sem razão o recorrente neste ponto.

Sobre o terceiro fato, consta que houve doação eleitoral de R$ 205,40, realizada pelo candidato a prefeito Edson Joel Lawal, na conta bancária (041 - BCO. DO ESTADO DO RS S.A. (BANRISUL) / 586 / 0000000000060121001.0-5) que pertence ao prestador das contas.

Embora o indício de trânsito de verbas do FEFC em conta bancária indevida, tenho que o tema restou esclarecido. Observe-se que no Parecer Conclusivo (ID 38120783) constou que:

O candidato, em sede de Nota Explicativa (ID 75233199) refere ter recebido inadvertidamente os recursos do candidato a Prefeito Edson Joel Lawall. Recursos que, posteriormente, foram objeto de devolução, por se tratar de receita oriunda do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (de origem pública), que deveria transitar em conta bancária específica para tal.

Da documentação juntada percebem-se indícios de lapso na movimentação do referido recurso.

A quantia recebida de R$ 205,40, proveniente da conta FEFC aberta pelo candidato a Prefeito Edson Joel Lawall, deveria ter sido devolvida diretamente por transferência bancária da conta do candidato (recebedor do importe) para a conta FEFC do candidato (doador da quantia); procedimento que daria mais transparência à devolução empreendida pelo candidato cuja prestação de contas ora se analisa.

Assim, tendo em vista que a devolução da quantia se deu pela realização de saque eletrônico dos valores (R$ 122,00 + R$ 83,40) e posterior depósito na conta de campanha FEFC do candidato doador, a irregularidade nas contas se configura e não se afasta pelos esclarecimentos trazidos.

Analisando os extratos eletrônicos, pertinentes à conta do candidato a Prefeito Edson Joel Lawall, é possível verificar movimentação (depósitos dos valores de: R$ 122,00 em 30/10/2020 e R$ 83,40 em 30/10/2020) com identificação do CPF do candidato Nelson Luiz Bordignon (641.513.950-91).

Embora haja indícios que indiquem que o valor recebido (R$ 205,40) foi efetivamente objeto de equívoco, e, posteriormente, devolvido à conta do candidato doador, entendo pela manutenção da falha nas contas, pelos seguintes motivos, que ora resumo:

1. trata-se de falha envolvendo recurso de origem pública, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, por si só, implicaria maior cautela e zelo quanto à sua utilização;

2. o valor foi recebido em conta de ‘outros recursos’, misturando recursos de ordem privada e pública;

3. ao candidato recebedor da quantia restava a possibilidade de transferi-la diretamente para a conta do doador, por meio de transferência bancária entre contas (tornando a devolução mais transparente e condizente as normas eleitorais de arrecadação e gastos);

4. o recurso foi pretensamente devolvido à conta FEFC do candidato doador por meio de depósito com identificação do CPF do candidato.

Assim, por todos os motivos acima alinhavados, a irregularidade que se mantém.

Quanto à devolução da quantia, entendo pelo seu afastamento, pois, smj, indícios há para concluir que houve tentativa de devolução do importe ao candidato doador.

 

Sobre o tema, assim se manifestou o ilustre Procurador Regional Eleitoral (ID 40888283):

No tocante à terceira irregularidade, a Unidade Técnica apontou no item 5 do parecer conclusivo o recebimento de R$ 205,40 oriundos do candidato a Prefeito Edson Joel Lawal, havendo indício de utilização irregular de valores oriundos do FEFC, sem o trânsito devido dos recursos em conta bancária especialmente aberta para tal finalidade.

Apesar da movimentação irregular dos recursos do FEFC, o certo é que a própria unidade técnica reconhece que exatamente os valores que foram sacados da conta do prestador para devolução ao doador foram depositados na conta deste. Veja-se o seguinte trecho do parecer técnico:

Assim, tendo em vista que a devolução da quantia se deu pela realização de saque eletrônico dos valores (R$ 122,00 + R$ 83,40) e posterior depósito na conta de campanha FEFC do candidato doador, a irregularidade nas contas se configura e não se afasta pelos esclarecimentos trazidos.

Analisando os extratos eletrônicos, pertinentes à conta do candidato a Prefeito Edson Joel Lawall, é possível verificar movimentação (depósitos dos valores de: R$ 122,00 em 30/10/2020 e R$ 83,40 em 30/10/2020) com identificação do CPF do candidato Nelson Luiz Bordignon (641.513.950-91). (…) Quanto à devolução da quantia, entendo pelo seu afastamento, pois, smj, indícios há para concluir que houve tentativa de devolução do importe ao candidato doador.

Assim, como restou comprovada a devolução ao doador dos recursos do FEFC indevidamente recebidos na conta “Outros Recursos”, entendemos que a conduta em questão não impediria a aprovação das contas.

 

Neste ponto assiste razão ao recorrente, visto que esclarecido o equívoco e a devolução da quantia, caracterizando a irregularidade, modo individual, não suficiente a macular as contas.

Ao fim, consta que o prestador das contas exibiu cheques nominais, não cruzados, em desacordo com o que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Os dois cheques, cada um de R$ 100,00, emitidos para ABASTECEDORA DE COMBUSTÍVEIS CERRO BRANCO LTDA., não vieram acompanhados de documentos idôneos aptos a comprovar a destinação dos recursos, impedindo a rastreabilidade dos respectivos valores.

Nesse sentido, na sessão do dia 06.07.2021, esta Corte assim decidiu sobre a matéria:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(REl 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes.)

 

Conforme consta, a irregularidade (R$ 300,00 + R$ 200,00 = R$ 500,00) representa 123,33% das receitas declaradas (R$ 405, 40), o que, em princípio, levaria à desaprovação das contas.

Contudo, tenho que, apesar de o percentual ser significativo frente ao somatório arrecadado, o valor absoluto é reduzido e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.06.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado sobre o tema:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de NELSON LUIZ BORDIGNON, mantendo a condenação ao recolhimento ao Tesouro Nacional da importância de R$ 300,00 (trezentos reais).