REl - 0600479-49.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

 VOTO

Inicialmente, consigno que, apesar de ter sido arguida a intempestividade do apelo no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer juntado no ID 44741333 houve retificação para considerá-lo tempestivo.

Com efeito, como demonstrado na petição sob ID 35352933, os recorrentes tomaram ciência da sentença em 02.02.2021 e interpuseram o recurso em 05.02.2021, dentro do prazo de 3 dias, portanto.

Conheço do recurso.

No mérito, trata-se de recurso interposto por SEBASTIÃO DE ARAÚJO MELO e RICARDO SANTOS GOMES, candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, respectivamente, no Município de Porto Alegre, contra sentença que aprovou com ressalvas as contas em virtude de: a) doações sucessivas, no dia 20.11.2020, nos valores de R$ 1.064,00 (total de R$ 2.128,00), em quantia superior a R$ 1.064,10, mediante depósito bancário, contrariando, assim, o disposto no § 1º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige seja feita por transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal; b) irregularidades quanto à comprovação de despesas pagas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, nos valores de: R$ 13.400,00, pagos pelo prestador diretamente ao fornecedor Mendes Pinto Criações Cênicas Ltda., sem emissão de nota fiscal com descrição dos serviços; R$ 3.004,00 pela locação de terreno por período que ultrapassa o tempo de campanha eleitoral; R$ 23.392,60 para pagamento de impressões gráficas de propaganda para candidatos a vereador do Partido Trabalhista Brasileiro, agremiação que não fez parte da coligação da candidatura dos prestadores. Houve determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor total das irregularidades no montante de R$ 41.924,60 (ID 24290133).

Passo a analisar, individualmente, as irregularidades:

a) doações sucessivas, no dia 20.11.2020, nas quantias de R$ 1.064,00 (total de R$ 2.128,00), em valor superior a R$ 1.064,10.

Os recorrentes sustentam que “o primeiro depósito no valor de R$ 1.064,00 (um mil e sessenta e quatro reais) está amparado pela Resolução n. 23.607/19, devendo ser devolvido ao doador o valor da segunda doação, e, não ser feito recolhimento ao Tesouro Nacional”.

Sem razão.

Consoante constou no parecer conclusivo do órgão técnico (ID 24289583), o extrato eletrônico disponibilizado pelo TSE, referente à conta 06.069136.1-9, ag. 0062, Banco Banrisul, demonstra que houve duas doações financeiras recebidas do mesmo CPF de pessoa física no valor de R$ 1.064,00 (total de R$ 2.128,00), realizadas de forma fracionada na mesma data (20.11.2020) e, ainda, distintas da opção de transferência eletrônica.

No ponto, a Resolução TSE n. 26.607/19, que regulamenta a matéria, assim dispõe:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

II - doação ou cessão temporária de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, com a demonstração de que o doador é proprietário do bem ou é o responsável direto pela prestação de serviços;

III - instituições que promovam técnicas e serviços de financiamento coletivo por meio de sítios da internet, aplicativos eletrônicos e outros recursos similares.

 

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução. (Grifo nosso)

 

O fato de terem sido feitos depósitos, no mesmo dia, em valor inferior a R$ 1.064,10, por parte de um mesmo doador, mas que somados ultrapassam a aludida quantia, não afasta o ilícito, nos termos do art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, podendo, inclusive, indicar tentativa de burla à vedação.

Ainda que nos depósitos tenha constado a anotação do CPF do eventual doador, é firme o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que o mero depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res.-TSE 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que "a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos" (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

2. O Tribunal a quo assentou que "foram realizados dois depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15" (fl. 143), acrescentando que tal irregularidade representou 74,95% do somatório dos recursos financeiros arrecadados e que seria inviável atender ao pleito de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional, diante da falibilidade da identificação da origem desses recursos.

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019.) (Grifo nosso)

 

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE.

5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes.

6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental.

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69.) (Grifo nosso)

 

Sobre o tema, colaciono o seguinte precedente desta Corte:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. DOAÇÕES FINANCEIRAS REALIZADAS DE FORMA DISTINTA DA DETERMINADA PELA NORMA REGENTE. OMISSÃO DE DESPESAS. AUSÊNCIA DE EXTRATO BANCÁRIO EM SUA FORMA DEFINITIVA. FALHAS GRAVES. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. A unidade técnica apontou doações acima do limite estabelecido, realizadas de modo diverso do determinado na norma, em desobediência aos arts. 22, inc. I, §§ 1º e 3º, e art. 34, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17. Evidenciado aporte de dinheiro em espécie na conta de campanha, feito pelo próprio candidato, sem qualquer informação da origem das importâncias. Ausência de esclarecimentos pelo prestador de contas. Falha grave.

 2. Identificada omissão de gastos eleitorais na prestação de contas, através de cruzamento de dados da própria Justiça Eleitoral – notas eletrônicas de gastos eleitorais. Apontamento não esclarecido pelo prestador. Ausência de correlação entre receita e despesa. Inviável a identificação do responsável pelo pagamento das notas fiscais. Recurso considerado como de origem não identificada.

3. Ausência de extrato bancário impresso, de forma definitiva, com abrangência de todo o período eleitoral, da conta destinada à movimentação de Outros Recursos. Inviabilizado o exame e fiscalização de todos os recursos financeiros declarados na prestação de contas retificadora, nos termos do art. 56, inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.553/17.

4. Falhas graves que representam 87,2% das receitas obtidas na campanha, ensejando o juízo de desaprovação das contas. Além disso, impõe-se o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

5. Desaprovação. (Prestação de Contas n 060319523, ACÓRDÃO de 13/12/2018, Relator(aqwe) EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DJ - Diário de justiça) (grifo nosso)

 

Ademais, consoante a jurisprudência da Corte para as eleições de 2016 (RE 210-53.2016.6.21.0113), tanto para determinar o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional quanto para verificar o percentual da irregularidade deve ser considerado o valor integral dos depósitos e não apenas o que excede o limite de R$ 1.064,10.

Por derradeiro, correta a sentença ao determinar o recolhimento de quantia equivalente ao Tesouro Nacional, pois o § 4º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que, em relação à irregularidade em comento, no caso da utilização do recurso na campanha, “ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do art. 32 desta Resolução”.

Assim, deve ser mantida a sentença no ponto.

 

b) irregularidades quanto à comprovação de despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha

A presente irregularidade envolve três apontamentos, que serão analisados individualmente.

1 – Pagamento de R$ 13.400,00 diretamente ao fornecedor Mendes Pinto Criações Cênicas Ltda. sem emissão de nota fiscal com descrição dos serviços;

No parecer conclusivo sob ID 24289583, foi apontada a necessidade de apresentação da nota fiscal emitida pelo fornecedor de serviços que recebeu o pagamento, de acordo com o art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, para comprovação do gasto eleitoral de R$ 13.400,00 destinado ao fornecedor Mendes Pinto Criações Cênicas Ltda.

Os recorrentes acostaram a Nota Fiscal Eletrônica no ID 24289883, constando o valor dos serviços, o fornecedor, CNPJ e demais requisitos previstos no art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Contudo, a sentença não conheceu do documento por considerá-lo intempestivo (ID 24290133).

A reiterada jurisprudência desta Corte é no sentido de conhecer documentos apresentados em sede de recurso:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONFIGURADO CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. IRREGULARIDADE SANADA. PROVIMENTO.

1. Preliminar. Afastada a nulidade da sentença. Ausente qualquer prejuízo ao recorrente, pressuposto essencial para a declaração de nulidade.

2. Constatado, pelo órgão técnico, o recebimento de recursos de origem não identificada. Documentos juntados pelo prestador em sede recursal, com fulcro no art. 266 do Código Eleitoral. Irregularidade sanada. 3. Provimento do recurso para aprovação das contas.

(TRE-RS - RE: 2593 SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ - RS, Relator: GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Data de Julgamento: 03.12.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 231, Data 11.12.2019, Página 2-4.) (Grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES PROVENIENTES DO DIRETÓRIO NACIONAL DA AGREMIAÇÃO SEM A IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO. DOCUMENTOS APRESENTADOS SUPRIRAM A FALHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar acolhida. Juntada de novos documentos com o recurso. Este Tribunal, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve resultar de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar.

2. Recebimento de valores provenientes do diretório nacional da agremiação, sem a identificação dos doadores originários, em afronta ao art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15. Os esclarecimentos prestados, associados às informações constantes nos recibos das doações, permitem aferir, de forma clara, os doadores originários com seus respectivos CPFs, cumprindo a determinação normativa. Afastadas as sanções impostas. 3. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1428 SANTIAGO - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25.04.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 29.04.2019, Página 7.) (Grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. CONHECIMENTO DA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA INTEMPESTIVAMENTE. PREVISÃO DISPOSTA NO ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS PROVENIENTES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 13, PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INCONSISTÊNCIA COM RELAÇÃO A GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. SANADA PARTE DAS IRREGULARIDADES. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A MULTA FIXADA NA SENTENÇA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO DOS VALORES FIXADA EXCLUSIVAMENTE À ESFERA PARTIDÁRIA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Conhecimento da documentação apresentada com o recurso, a teor do disposto no art. 266 do Código Eleitoral.

2. Recebimento de recursos oriundos de origem não identificada. Ainda que o número de inscrição no CPF corresponda ao do doador informado nas razões recursais, não foram apresentadas outras informações para subsidiar a fiscalização da licitude da receita, não sendo possível, sem a adoção dos procedimentos técnicos de exame destinados à verificação das fontes vedadas, atestar a regularidade do recurso arrecadado.

[…]

6. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 4589 ALVORADA - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 21.03.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 52, Data 22.03.2019, Página 4.) (Grifo nosso)

 

Assim, tenho que deve ser conhecida a nota fiscal apresentada pelo prestador antes da prolação da sentença, máxime por se tratar de documento de fácil exame e juntado com o objetivo de sanar irregularidade apontada pela própria Justiça Eleitoral.

Ademais, em consulta ao site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88013/210000668382/extratos, acesso em 08.09.2021, foi possível constatar que, na data de 09.10.2020, restou lançado débito na conta-corrente do prestador, no valor de R$ 13.400,00, constando como contraparte exatamente o fornecedor do serviço relativo à nota fiscal juntada no ID 24289883, MENDES PINTO CRIAÇÕES CÊNICAS LTDA., CNPJ: 10.212.739/0001-10.

No seu parecer sob ID 30160933, a douta Procuradoria Eleitoral manifestou-se no sentido de que a descrição “serviços prestados de coordenação de produção” não atende ao item “descrição detalhada” previsto pelo art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

De fato, poderia haver melhor descrição dos serviços. Entretanto, todos os demais itens previstos no art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19 foram atendidos (data de emissão, valor da operação, identificação do emitente e do destinatário, CNPJ, endereço).

Desse modo, tenho que a nota fiscal sob ID 24289883 constitui documento fiscal idôneo para comprovar a despesa, máxime com a correspondente contraparte nos extratos bancários dos recorrentes.

O objetivo de rastreabilidade e comprovação do destinatário do recurso público foi atendido, devendo ser afastada a irregularidade e, consequentemente, a determinação de recolhimento da importância de R$ 13.400,00 ao Tesouro Nacional.

 

2 – Pagamento de R$ 3.004,00 pela locação de terreno por período que ultrapassa o tempo de campanha eleitoral;

O parecer conclusivo da Unidade Técnica apontou como irregular o pagamento de R$ 3.004,00 para o fornecedor Imobiliária Sarandi, referente à locação de terreno pelo período de 1º de outubro de 2020 a 31 de agosto de 2021, período que extrapolaria o processo eleitoral, não sendo possível atestar que se tratava de despesa exclusiva para a eleição.

O prestador apresentou declaração retificando o período da locação, mas não foi considerada válida por ausência de assinatura do representante da Imobiliária Sarandi Ltda. (ID 24289583).

Contudo, após o parecer conclusivo e antes da sentença, os recorrentes juntaram declaração firmada pelo representante da Imobiliária Sarandi Ltda. (ID 24289933), no sentido de que o período de locação correto é de 1º de outubro de 2020 a 30 de novembro de 2020.

Na sentença (ID 24290133), o juízo não admitiu a petição e os documentos por considerá-los intempestivo.

Na esteira do que consignei em relação ao item acima, a reiterada jurisprudência desta Corte é no sentido de conhecer documentos apresentados inclusive em sede de recurso.

Nesses termos, conheço do documento sob ID 24289933 e considero suprida a irregularidade, afastando a determinação de recolhimento da importância de R$ 3.004,00 ao Tesouro Nacional.

Com esse mesmo entendimento o parecer da Procuradoria Eleitoral (ID 30160933):

Quanto ao pagamento de R$ 3.004,00 pela locação de terreno por período que ultrapassa o tempo de campanha eleitoral, entendemos que a declaração firmada por Aldo Jose Pisoni como representante da Imobiliária Sarandi, acostada ao ID 24289933, no sentido de que a data de vigência correta do contrato de locação é 01-10-2020 a 30-11-2020 e que a devolução das chaves ocorreu no dia 03-12-2020, afasta a irregularidade apontada no parecer conclusivo da unidade técnica. Tem-se, portanto, o apontamento como sanado.

 

3 – Pagamento de R$ 23.392,60 com impressões gráficas de propaganda para candidatos a vereador do Partido Trabalhista Brasileiro, agremiação que não fez parte da coligação da candidatura dos prestadores.

Foi verificada a utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha para pagamento de propaganda a candidatos de outro partido não coligado.

Trata-se do emprego de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (conta bancária: 0062-06.069095.0-6) para pagamento de impressões gráficas de propaganda – “colinhas” para candidatos a vereador do Partido Trabalhista Brasileiro, agremiação que não fez parte da coligação da candidatura do prefeito Sebastião de Araújo Melo (MDB). Os dados foram verificados na Nota Fiscal Eletrônica: 2020/66116 – ANS Impressões Gráficas – CNPJ 05.677.050/0001-21, no montante de R$ 23.392,60.

Os recorrentes defendem que o caso em tela ganha contornos de destaque, pois o candidato a prefeito pelo Partido PTB, JOSÉ FORTUNATI, renunciou formalmente faltando poucos dias para a data da eleição do primeiro turno, vindo a público, por meio da mídia, inclusive antes da eleição do primeiro turno, formular apoio à candidatura dos ora recorrentes, liberando os candidatos a vereadores para a campanha. Assim sendo, entendem que se está diante de caso específico e que foge da limitação legal imposta pelo art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19. Colacionam julgado do TRE-SP, dizendo ser possível a realização de gastos com partidos diversos da coligação inicial.

Sem razão.

A Resolução TSE n. 23.607/19 disciplinou a matéria em seu art. 17, §§ 1º e 2º:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

§ 1º Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I - não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II - não coligados. (Grifo nosso)

 

No ponto, peço vênia para transcrever o que constou na parecer da Unidade Técnica (ID 24289583):

A vedação ao repasse de FEFC, segundo art. 17, abrange as transferências financeiras e as doações estimáveis em dinheiro, pois não há tecnicamente distinção da natureza do recurso e a infração materializa-se em quaisquer das formas. No caso em tela, não houve repasse financeiro direto para a conta bancária dos vereadores do PTB, já que o candidato a prefeito foi o pagador das propagandas “colinhas”. As doações estimáveis em dinheiro não foram declaradas nas prestações de contas, pois o art. 38, § 2º, da Lei n. 9.504/97 faculta tal registro:

Art. 38, § 2º Quando o material impresso veicular propaganda conjunta de diversos candidatos, os gastos relativos a cada um deles deverão constar na respectiva prestação de contas, ou apenas naquela relativa ao que houver arcado com os custos.

A infração foi identificada através de minucioso exame das notas fiscais, pois no corpo desses documentos são trazidas informações para quais candidatos a propaganda “colinha” foi realizada. Em suma, o candidato a prefeito foi o pagador de propaganda conjunta a diversos candidatos a vereador do partido PTB, o qual não estava coligado na chapa majoritária com o candidato a prefeito do MDB. O prestador argumenta que (ID 72611191):

Em que pese que o Partido PTB não ter feito parte formalmente da coligação no ato de re-gistro de candidaturas, uma vez até o final do primeiro turno eram adversários, quando do segundo turno veio a público manifestar o apoio oficialmente por meio de manifestação de sua figura maior, o candidato a prefeito Fortunati e a executiva municipal. Desse modo, entendeu-se como legal a confecção de colinhas constando sempre a candidatura de Melo/Ricardo em conjunto com candidatos a vereadores pelo Partido PTB. (Segue a ARTE das colinhas EM ANEXO)

Verifica-se que as fotos das artes anexadas no PJE (ID 72613812) demonstram colinhas da candidatura do prefeito do MDB em conjunto com os vereadores do PTB, todavia tecnicamente permanece a falha uma vez que é vedado, pelo art. 17, § 2º da Resolução TSE 23.607/2019, repasses de FEFC entre o candidato e partidos não pertencentes à mesma coligação; e/ou não coligados.

Assim sendo, irregularidades apontadas na tabela 1, configuram tecnicamente aplicação irregular de FEFC, estando sujeito a recolhimento ao Tesouro Nacional a quantia de R$ 23.392,60, conforme art.17, § 9º da citada Resolução:

Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

Como se verifica, a Coligação da Majoritária (Estamos juntos Porto Alegre) era formada pelos seguintes partidos: MDB / DEM / CIDADANIA / SOLIDARIEDADE / DC / PRTB / PTC.

O PTB, portanto, não fez parte da Coligação dos recorrentes.

A norma prevista no art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19 é objetiva e veda o repasse de verbas do FEFC a partidos não pertencentes à mesma coligação e/ou não coligados.

A renúncia do candidato a prefeito pelo Partido PTB, JOSÉ FORTUNATI, e o fato de formular apoio à candidatura dos ora recorrentes são circunstâncias que não possuem o condão de afastar a incidência da norma, como dito, de caráter objetivo.

De outro vértice, o julgado do TRE-SP colacionado pelos recorrentes (ID 24290383) cuida de situação diversa, repasse de recursos a candidatos de partidos da mesma coligação.

Na espécie, houve repasse de recursos a partido não pertencente à coligação, motivo pelo qual deve ser mantida integralmente a sentença no ponto, na linha do que constou no parecer da douta Procuradoria Eleitoral (ID 30160933):

No que tange ao pagamento de R$ 23.392,60 a título de impressões gráficas de propaganda para candidatos a vereador do Partido Trabalhista Brasileiro-PTB, agremiação que não fez parte da coligação da candidatura dos prestadores, entendemos que se trata de questão objetiva, expressamente vedada pelo art. 17, §§ 1º e 2º da Resolução TSE 23.607/19, não havendo margem interpretativa para incluir no conceito de coligação agremiação cujo candidato à majoritária renunciou à disputa eleitoral.

 

Diante dessas considerações, tenho por sanadas as irregularidades relativas ao pagamento de R$ 13.400,00 ao fornecedor Mendes Pinto Criações Cênicas Ltda. e R$ 3.004,00 ao fornecedor Imobiliária Sarandi.

Assim, o montante das falhas remanescentes perfaz a quantia de R$ 25.520,60 (R$ 2.128,00, item "a", doações sucessivas + R$ 23.392,60, item "b", apontamento 3, repasse FEFC irregular), que deverá ser recolhida ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso de SEBASTIÃO DE ARAUJO MELO e RICARDO SANTOS GOMES, ao efeito de reduzir para R$ 25.520,60 a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação, mantida a aprovação das contas com ressalvas.