REl - 0600388-24.2020.6.21.0044 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Preliminar de invalidade de intimação

A parte recorrente alega não ter havido intimação conforme as normas de regência, após a manifestação inicial do órgão técnico, relativa à prestação parcial de contas.

Não lhe assiste razão, como bem apontado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral.

Destaco que o sistema do Processo Judicial Eletrônico de 1º grau indica que a intimação foi expedida em 04.02.2020 e acessada pela parte em 09.02.2020, gerando anotação automática no sentido de término de prazo em 12.02.2020. A então candidata apresentou manifestação relativa àquele ato processual em 10.02.2020, portanto de forma tempestiva. Não há prova de que o evento tenha ocorrido de forma diversa.

Ademais, não se observa prejuízo de qualquer ordem à recorrente, que recebeu e aproveitou oportunidade subsequente de manifestação.

Afasto a preliminar.

Mérito

CLEUSA TEREZINHA LAVARDA CANTERLE recorre da sentença que desaprovou as contas de campanha à eleição majoritária do Município de Santiago. As irregularidades dizem respeito à (1) abertura tardia da conta de campanha e (2) omissão de gastos eleitorais.

No concernente à abertura da conta de campanha, destaco que houve, por parte do parecer conclusivo, equívoco ao apontar irregularidade no prazo de abertura da conta n. 3000023646, da Agência 104 da Caixa Econômica Federal.

Isso porque a referida conta bancária foi destinada à movimentação das receitas oriundas do FEFC, não estando sujeita ao prazo de 10 (dez) dias a partir da data da concessão do número de CNPJ pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, estipulado no art. 8º, § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O prazo em questão aplica-se especificamente à abertura da conta bancária destinada ao recebimento de doações de pessoas físicas, agremiações partidárias e do próprio candidato, enquanto que a conta bancária, tida por irregular, a qual gerencia as verbas recebidas do Fundo Partidário e do FEFC, recebe a disciplina do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha de raciocínio, a inobservância do prazo prescrito no art. 8º, § 1º, inc. I não configura afronta à legislação de regência e não importa em desaprovação da contabilidade no caso concreto, na linha do precedente deste Tribunal apontado nas razões recursais (Recurso Eleitoral n. 15742, Relator Des. Eleitoral LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN, DEJERS de 21.8.2018, p. 7).

Portanto, deve ser afastada a irregularidade.

No pertinente à omissão de gastos eleitorais, a análise das contas verificou que duas notas fiscais emitidas pela empresa Comercial de Combustíveis Nery Machado Ltda., nos dias 31.10.2020 e 06.11.2020, respectivamente nos valores de R$ 233,14 e R$ 137,03, não foram apresentadas na prestação de contas dos recorrentes. Contudo, as transações foram identificadas pela auditoria após o cruzamento com o banco de dados da Justiça Eleitoral.

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece os meios de comprovação dos gastos eleitorais, aponta os subsídios de análise documental e, também, os procedimentos cabíveis em caso de cancelamento de notas fiscais, conforme os arts. 60 e 92, caput e §§ 5º e 6º, que transcrevo:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

Art. 92. A Secretaria da Receita Federal do Brasil e as secretarias estaduais e municipais de Fazenda encaminharão ao Tribunal Superior Eleitoral, pela internet, arquivo eletrônico contendo as notas fiscais eletrônicas relativas ao fornecimento de bens e serviços para campanha eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 94-A, I), nos seguintes prazos:

(…)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

Argumenta a recorrente que “a forma contratada com o fornecedor foi de que, a cada abastecimento efetuado, este emitiria o documento NFC-e na condição de fornecimento a prazo e, quando do pagamento destes abastecimentos, o fornecedor emitiria uma NF-e (DANFE) – FATURAMENTO – SUBST NFCE – relacionando/referenciando todas as NFC-e emitidas até aquela data pelo efetivo pagamento destas”.

Antecipo que a tese é de inviável aceitação, tendo em vista os diferentes propósitos dos citados documentos fiscais. Enquanto a nota fiscal ao consumidor eletrônica – NFC-e restringe-se à operação de vendas ao consumidor final, a nota fiscal eletrônica – NF-e pode atender a operações como devolução ou transferência de mercadorias.

Nesse norte, não procede a tese de que a irregularidade tenha surgido da emissão de NF-e posterior à emissão de outras NFC-e, pois uma suposta substituição de NFC-e por NF-e exigiria sempre o cancelamento do documento substituído, com observação de prazos e procedimentos estabelecidos nas normas que regem as operações fiscais. Aponto a permanência da higidez das notas fiscais originárias, não havendo notícia nos autos de que tenham sido canceladas.

Ou seja: a tese recursal traz ao campo dos fatos, ao mínimo, a ocorrência de dupla emissão de notas fiscais sobre a mesma operação de venda de combustível, de forma que caberia aos recorrentes buscar, junto ao prestador do serviço e à autoridade fazendária competente, o cancelamento das notas e a regularização da situação, providências não tomadas.

Portanto, restam documentos fiscais não declarados na prestação de contas, falha que impede que a Justiça Eleitoral acompanhe a origem dos recursos utilizados para a quitação das despesas, configurando tais recursos como de origem não identificada.

Entretanto, destaco que a sentença deixou de determinar o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, como determina a legislação e, não havendo recurso no ponto, incabível tal determinação na presente instância, sob pena de reforma prejudicial à parte recorrente.

Por fim, registro que, ainda que inviável acolher a tese defensiva, é possível a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, pois a falha de R$ 370,17 corresponde a 2,32% das receitas totais, que somaram R$ 15.944,50, compondo valor módico, quer do ponto de vista da proporcionalidade, quer sob o prisma absoluto.

Este entendimento está pacificado na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, como bem demonstra a decisão do Min. Edson Fachin, emanada de forma monocrática justamente por tratar a matéria conforme compreensão jurisprudencial dominante:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA. CANDIDATO. DEPUTADA ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO NA INSTÂNCIA REGIONAL. DESPESAS IRREGULARES COM RECURSOS DO FEFC. GASTO NÃO ELEITORAL. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. VALOR PERCENTUAL DIMINUTO DAS IRREGULARIDADES. PRECEDENTES. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. O art. 36, §§ 6º e 7º, do RITSE autoriza o relator a decidir, monocraticamente, os recursos que lhe são distribuídos, com fundamento na compreensão jurisprudencial dominante no Tribunal Superior Eleitoral.

2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade podem ser aplicados para aprovar, com ressalvas, as contas cujas falhas identificadas constituam valor percentual ou valor absoluto módico.

3. O montante equivalente a 1.000 (mil) Ufirs – R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) – é considerado diminuto e, isoladamente, inapto a ensejar a desaprovação de contas.

4. Ao lado desse critério, examina–se o percentual correspondente ao vício impugnado que, segundo precedentes desta Corte, alcança o limite máximo de 10% do total da arrecadação ou despesa.

5. A irregularidade relacionada à utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) não impede, per se, a aprovação das contas com ressalvas. Precedentes.

6. Na espécie, extrai–se do quadro fático delineado no acórdão regional que a irregularidade constatada, relativa a gastos com serviços contábeis mediante utilização de recursos do FEFC, totalizou o montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), correspondente a 5,2% do total das despesas contratadas. Esse valor percentual afigura–se diminuto e autoriza a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, à luz da jurisprudência deste Tribunal Superior, considerando que não se depreendem do acórdão regional elementos qualitativos capazes de inviabilizar a aplicação dos referidos preceitos.

7. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060542160, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 48, Data 17.03.2021.)

 

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento do recurso e aprovar as contas com ressalvas.