REl - 0600227-34.2020.6.21.0005 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

JETTER DANZER DE SOUZA e RUDNEI MARTINEZ PINTO recorrem contra a sentença que aprovou com ressalvas as contas da campanha aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Alegrete nas eleições 2020. A decisão hostilizada determinou o recolhimento da quantia de R$ 10.830,84 ao Tesouro Nacional, com base nas irregularidades consubstanciadas (1) no recebimento de recursos de origem não identificada e (2) na inobservância das disposições legais para contratação e comprovação dos gastos eleitorais.

1. No que se refere à primeira irregularidade, a auditoria contábil identificou, mediante confronto de notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ do prestador com aquelas declaradas na prestação de contas pelos candidatos, a omissão de onze gastos eleitorais pagos ao fornecedor Romário Vaz Goulart, no montante total de R$ 1.165,84.

A matéria é regulada nos arts. 14 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

§ 1º Se comprovado o abuso do poder econômico por candidato, será cancelado o registro da sua candidatura ou cassado o seu diploma, se já houver sido outorgado (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

§ 2º O disposto no caput também se aplica à arrecadação de recursos para campanha eleitoral os quais não transitem pelas contas específicas previstas nesta resolução.

(...)

 

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(…)

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

E a tese recursal lançada não se insurge contra o reconhecimento da falha, mas alega que a despesa com alimentação de cabos eleitorais foi paga com cheque da conta de campanha e registrada na prestação. Indica que, ao final, o fornecedor emissor das notas verificou estarem ausentes alguns cupons fiscais, débitos estes que foram quitados com recursos próprios.

Indico que os esclarecimentos não resolvem a dúvida da origem das quantias, pois os valores permaneceram à margem da contabilidade de campanha eleitoral, fundamental para a regularidade das contas. A falha é considerada grave, inviabiliza a identificação da origem dos recursos utilizados para a quitação - alegadamente de origem própria, mas que podem ser oriundos de qualquer fonte, de modo que os valores envolvidos, tecnicamente, configuram recursos de origem não identificada e  deverão ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Portanto, subsiste a irregularidade e, consequentemente, a determinação de recolhimento.

2. No concernente ao segundo apontamento, verificou-se a realização de despesas com recursos originários do FEFC nas quais havia inobservância de requisitos legais de contratação, além da desconformidade entre dados dos documentos apresentados na prestação e aqueles constantes dos extratos eletrônicos, fragilizando a demonstração da legitimidade dos pagamentos.

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece os requisitos de contratação de pessoal e os meios de quitação e de comprovação dos gastos eleitorais, conforme o art. 35, § 12, art. 38 e art. 60, que transcrevo:

Art. 35 (…)

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

(…)

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

(...)

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.
 

À análise.

2.1. Cheques não cruzados.

Os fornecedores Epaminondas Munhoz Filho e Ampla Empresa Jornalística Ltda. foram pagos com cheques nominais não cruzados nos valores de R$ 2.000,00 e R$ 415,00, respectivamente. Conforme extratos bancários, o primeiro cheque foi depositado em conta bancária tendo como contraparte Gertrudes de Barros, pessoa estranha à operação, e o segundo título foi depositado sem identificação da contraparte.

As declarações trazidas aos autos são inaptas a sanar a falha, pois consubstanciam documentos produzidos pelos próprios prestadores de contas ou por fornecedores e, no caso da declaração atribuída ao segundo fornecedor referido, sequer há a identificação do subscritor.

As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 objetivam que se estabeleça de modo fidedigno a utilização de recursos públicos para gastos de campanha, vale dizer, os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, o pagamento atestado por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário.

No caso em tela, repito, a vinculação não foi demonstrada porque não há segurança mínima relativamente à origem dos recursos com os quais os compromissos foram adimplidos, restando evidente a desobediência aos meios estabelecidos para pagamento das despesas eleitorais.

2.2. Ausência de detalhamento referente a despesas com pessoal contratado.

No caso, foram desatendidas as determinações legais nas seguintes operações de pagamento:

2.2.1. Caroline Rodrigues Pereira, valor de R$ 250,00. Os prestadores afirmam que o contrato foi elaborado com “erro de grafia”, indicando ser de “locução” quando deveria ser “cabo eleitoral/panfletagem”. Contudo, não comprovam o alegado ou apresentam justificativa do preço contratado.

Portanto, subsiste a irregularidade, pois não há prova que sustente o fato alegadamente ocorrido.

2.2.2. Vinicius de Souza Barboza, valor de R$ 1.000,00. Ausência de especificação das atividades, dos locais de trabalho, da justificativa do preço contratado e divergência entre o valor pago e o registrado no contrato. Os recorrentes alegam que a discrepância entre valor pago e valor contratual deriva da realização de horas extras. No entanto, esclarecem os demais tópicos - ausência de especificação das atividades, dos locais de trabalho, da justificativa do preço contratado, remanescendo a falha.

2.2.3. Rômulo de Campos Fernandes Fonseca (R$ 1.500,00); Catiani Garcia da Souza (R$ 500,00); Gerson Luiz da Silva dos Santos (R$ 500,00); Franciele Domingues Mota (R$ 500,00); Josiele Camargo Garcia (R$ 500,00); Bianca Marques da Silva (R$ 500,00); Marco Aurélio Machado Aurelio (R$ 250,00); Bianca Santos de Lima (R$ 250,00); Priscila de Souza Ferreira (R$ 250,00); Alana Felipe da Conceição (R$ 250,00); Pamela Cristina de Mello Moraes (R$ 250,00); Leirisson Brum Nunes (R$ 250,00) e Isabel Recova Vera (R$ 250,00): ausência de especificação das atividades, dos locais de trabalho e da justificativa do preço contratado.

O subitem alcança o valor de R$ 5.750,00, e o argumento recursal veio no sentido de que os indicados foram contratados como cabos eleitorais, para a prática de militância de rua e, em razão das restrições decorrentes da pandemia causada pela COVID-19, não foi possível planejar os locais de atuação. Ainda, aduzem que os valores são idênticos aos operados pelos demais candidatos do município.

No entanto, mais uma vez, os contratos constantes nos autos ressentem a ausência da especificação requerida pela legislação de regência, especialmente quanto às atividades a serem desempenhadas, trazendo tão somente termos genéricos: “Contrato de Prestação de Serviços Remunerados por Prazo Determinado para Fins de Campanha Eleitoral", e ainda "prestação de serviços pelo(a) contratado(a) de tarefas e/ou atividades conforme cronograma ou necessidade do contratante/candidato, durante a campanha eleitoral".

Repito: não há o detalhamento exigido pela resolução, expressando apenas um modo vago de descrição de atividades, de maneira que os argumentos trazidos não têm o condão de afastar a falha.

2.2.4. Luciano dos Santos Miller, contratado que recebeu R$ 250,00. Contudo, o contrato vem realizado em nome de Hilário dos Santos Miller. Aqui, admitem os próprios recorrentes que o contrato foi elaborado em nome do pai do contratado, surgindo de tal circunstância, por si só, a insuficiência do documento para espelhar a veracidade da despesa eleitoral, mormente com o emprego de recursos do FEFC, como é o caso.

Nesse norte, não havendo comprovação adequada do uso dos recursos, acertou a sentença ao caracterizar as despesas como irregulares e, por se tratar de verbas públicas e recursos de origem não identificada, a manutenção do recolhimento do valor de R$ 10.830,84 é medida que se impõe, bem como se estampa inadmissível o afastamento das ressalvas indicadas pelo juízo de origem, pois são fartas as falhas que comprometem a transparência das contas. Aliás, observo que a desaprovação das contas foi vencida mediante a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, acertadamente aplicados pelo juízo sentenciante, em razão do baixo percentual que representa a soma das falhas, equivalente 8,6% dos recursos arrecadados.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.