REl - 0600023-22.2020.6.21.0059 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/10/2021 às 14:00

VOTO

A sentença considerou que as contas mereciam ser aprovadas com ressalvas porque a agremiação recebeu contribuição de R$ 430,00, realizada por servidora pública ocupante do cargo de Chefe de Protocolo do Pronto Atendimento Social da Prefeitura Municipal de Viamão, a qual era filiada ao Partido Democrático Trabalhista (PDT), e não ao partido Cidadania, e se enquadra como fonte vedada, nos termos do art. 12, inc. IV e § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17 e do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

De acordo com o juízo a quo, a ressalva legal quanto aos servidores filiados apenas se aplica aos que são filiados ao partido prestador de contas, e não a partidos diversos, conforme razões de decidir abaixo transcritas:

O exame técnico identificou o recebimento de recursos de fonte vedada, oriundos de doações efetuadas por autoridade pública, no total de R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais). Referido contribuinte está filiado a outro partido político, que não o CIDADANIA (Id. 10128572).

Tal vedação está prevista no art. 12, inc. IV e §1º, da Resolução TSE n. 23.546/2017.

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV – autoridades públicas.

§ 1º. Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Foi anexada aos autos certidão emitida do sistema FILIA onde se constata que a contribuinte NYCCOLI SANTOS MATTOS, que exerceu o cargo de Chefe do Protocolo do Pronto Atendimento Social, da Prefeitura Municipal de Viamão no exercício 2019, está filiada ao PDT, e não ao CIDADANIA, partido para o qual efetuou a contribuição.

A tese defensiva é no sentido de que a contribuição realizada está regular eis que efetuada sob o amparo das alterações introduzidas na Lei n. 9.096/1995 pela Lei n. 13.488, de 06/10/2017, que passou a permitir as doações e/ou contribuições de ocupantes de cargos públicos, desde que filiados a partido político.

O Ministério Público Eleitoral emitiu parecer entendendo ser fonte vedada, dizendo: “da análise do referido dispositivo legal, a doadora enquadra-se, sim, na condição de autoridade pública e que não se emolda na ressalva ali constante. Por óbvio que o legislador teve a intenção de ressalvar a vedação de doações feitas por filiados do partido político destinatário da doação, e não de todo e qualquer partido”.

Dos argumentos expostos, entendo que não merece prosperar o da defesa apresentada pela Agremiação, tendo em vista que deve ser dada interpretação restritiva a norma legal alterada pela Lei 13.488/2017, a entender que a contribuição realizada ao partido deve ser proveniente de seus próprios filiados, sob pena de permitir-se contribuições de filiados a agremiações cujo programa partidário ou ideologia fosse completamente oposta à do órgão beneficiado.

Certo que este não é o entendimento do legislador, mas sim o de garantir que filiados a determinado partido possam contribuir para a sua manutenção.

Não se pode admitir o desvirtuamento da norma. Não se pode permitir doações de filiados diversos, sob pena de ferir a moralidade ou a fidelidade partidária, posto que, o cidadão que se filia a determinado partido político, está a fazê-lo por convicções ideológicas, por concordar com seus regramentos previstos nos estatutos. Não se pode admitir que seja regular contribuir para agremiação diversa daquela que escolheu se filiar.

Da mesma forma, não pode uma Agremiação aceitar contribuições de pessoas consideradas autoridades, e que estão filiadas a outro partido, sob argumento de permissivo legal. Pelo contrário, deve o órgão partidário zelar pelo seu estatuto, pela sua integridade e de suas contas, a fim de evitar o ingresso de recursos irregulares.

Aliás, o art. 15, inc. VII, da Lei n. 9.096/1995, dispõe que:

Art. 15. O Estatuto do partido deve conter, entre outras, normas sobre:

(...)

VII - finanças e contabilidade, estabelecendo, inclusive, normas que os habilitem a apurar as quantias que os seus candidatos possam despender com a própria eleição, que fixem os limites das contribuições dos filiados e definam as diversas fontes de receita do partido, além daquelas previstas nesta Lei.

Como se vê, a Lei que dispõe sobre partidos políticos é clara ao falar que o estatuto conterá normas sobre fixação de limites da contribuição dos filiados.

Assim, estando o doador filiado a outro partido, deverá ser considerado como não filiado para fins de incidência do conceito de autoridade e, por consequência, para a configuração de fonte vedada.

Restou, portanto, caracterizado o recebimento pelo Partido, de recursos provenientes de fonte vedada, durante o exercício 2019, no valor total de R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais).

Ressalta-se que o citado valor corresponde a aproximadamente 9,7% da receita arrecadada pelo partido, razão pela qual, em que pese se tratar de irregularidade que compromete a integridade das contas apresentadas, o juízo de reprovação deve ser sopesado sob a égide dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

 

O entendimento da sentença recorrida está em consonância com a resposta dada por este Tribunal à consulta CTA 0600076-833, de 8.6.2020, da relatoria do Des. Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, na qual foi assentado: “Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação”:

CONSULTA. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO REGIONAL. QUESTIONAMENTO ACERCA DA LICITUDE DE DOAÇÕES ORIUNDAS DE FILIADOS EM PARTIDO DIVERSO DA AGREMIAÇÃO DESTINATÁRIA DOS RECURSOS. VEDADO. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA.

1. Indagação formulada por partido político, diretório regional, referente à licitude de doações oriundas de filiados a agremiação diversa daquela destinatária dos recursos.

2. O art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 estabelece a vedação ao recebimento de doações, pelas agremiações partidárias, advindas de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. Norma que institui exceção no ordenamento jurídico eleitoral, devendo receber interpretação restritiva, especialmente por ter sido editada em razão de situação peculiar, não podendo ser ampliada de forma extensa, sob pena de contrariar o próprio sentido da norma geral. Nesse contexto, cabe excluir de seu sentido toda e qualquer interpretação que possibilite que filiados a uma agremiação possam doar recursos financeiros a partido político diverso daquele ao qual estão ligados pelo vínculo de filiação. Cumpre ainda destacar a disposição do art. 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95, que veda a coexistência de mais de uma filiação partidária, a corroborar a congruência argumentativa.

3. Consulta conhecida e respondida: “Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.”

(Grifei.)

 

Portanto, a tese recursal de que é possível o recebimento de doação de pessoa considerada como fonte vedada que é filiada a partido diverso não encontra amparo para ser acolhida.

Com idêntico entendimento, a Procuradoria Regional Eleitoral aponta que a ressalva deve ser interpretada de modo restritivo:

Contudo, a parte final do inciso V do art. 31, ao estabelecer ressalva à aludida vedação, permitindo a doação a partido político de detentor de cargo ou função pública, ou cargo ou emprego público temporários, desde que filiados a partido político, encontra-se em uma zona próxima da inconstitucionalidade em face dos princípios e regras constitucionais acima referidos. Assim, caso seja aplicada, deve sê-lo observando uma interpretação restritiva.

A corroborar a interpretação restritiva da norma, tem-se que a ressalva trazida na parte final do inciso V do art. 31 da Lei nº 9.096/95 foi incluída para possibilitar ao partido que continue se mantendo com as contribuições ordinárias dos seus filiados a título de mensalidade, a fim de que a agremiação não se veja desprovida dessa fonte de custeio pelo fato de o filiado ser alçado à função ou cargo público demissível ad nutum. Situação que não se verifica em relação a doadores filiados a outros partidos.

Importante referir que, em princípio, no caso de doação a partido por pessoa filiada a outra agremiação, até mesmo a finalidade da doação de recursos ao partido político resta distorcida, pois se o objetivo é custear a atividade partidária para que um específico ideário logre difusão e sucesso eleitoral, não se entende porque uma pessoa vá efetivar doações a outro partido diferente daquele em que inscrito. Convém observar, no ponto, que o art. 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95, veda a coexistência de mais de uma filiação partidária. Assim, na hipótese cogitada nos autos, o uso imoral da nomeação para cargo, função ou emprego público fica ainda mais patente, pois a única razão que se verifica na doação para sustentar ideário político diverso do seu consiste na já propalada utilização do cargo público como moeda de troca.

De maneira que, consoante o inciso V do art. 31 da Lei nº 9.096/95,somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre exoneração ou demissão, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação.

 

Portanto, não há como considerar regulares as contribuições efetuadas por Nyccoli Santos Mattos, no montante de R$ 430,00, pois, na época, era filiada ao PDT, e não ao CIDADANIA.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para o fim de manter a aprovação das contas com ressalvas e a determinação de recolhimento de R$ 430,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.