REl - 0600466-47.2020.6.21.0099 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/10/2021 às 14:00

 VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de pagamento de despesa eleitoral em desconformidade com os meios previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, no valor total de R$ 647,00.

A sentença (ID 29614833) tratou do tema da seguinte forma:

No caso em tela, a candidata recebeu, ao todo, R$ 2.000,00 oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC, sendo que, em 09/12/2020 o valor de R$ 40,00 e em 14/12/2020 o valor de R$ 607,00, totalizando R$ 647,00, foram movimentados indevidamente, contrariando o que dispõe o art. 38º da Resolução TSE n.º 23.607/2019:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

Ainda que a candidata tenha acostado declarações dos fornecedores, informando o recebimento dos respectivos valores, o normativo legal é claro ao registrar que o pagamento de despesas contratadas por candidato se fará mediante o uso de cheque nominal cruzado, transferência bancária, débito em conta ou através do uso do cartão de débito da conta bancária, restringindo outras formas de pagamento.

Portanto, os recursos do FEFC usados de forma irregular, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Res. 23.607/2019.

Destarte, em que pese o parecer técnico do Cartório Eleitoral, bem como a manifestação do Ministério Público Eleitoral pela desaprovação das contas, cabe referir que os demais requisitos legais foram atendidos pela candidata, e que os valores recebidos a título de Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC foram movimentados em conta bancária específica (Extrato do ID 75553668), sendo apresentados os respectivos documentos fiscais relativos as despesas contratadas, da maneira em que a falha apontada não é capaz, por si só, de comprometer a integridade e a confiabilidade das contas apresentadas pela candidata, sendo medida desproporcional desaprová-las.

Dessa forma, para circunstâncias, onde as contas apresentadas apresentam falhas, as quais impedem sua aprovação direta, e que no entanto, não possuem gravidade a ponto de macular como um todo sua regularidade, o legislador apresenta um entremeio, que é a decisão que se impõe para a presente prestação de contas, cabendo assim sua aprovação com ressalvas, nos termos do art. 30, II, da Lei nº 9.504/97, combinado com o art. 74, II, da Resolução TSE n.º 23.607/2019.
 

Irresignada, a recorrente alega que, no caso dos autos, apesar de não ter havido o cruzamento dos cheques ou a aposição dos nomes dos beneficiários, a destinação do valor de R$ 647,00 pode ser comprovada pela declaração dos respectivos fornecedores.

Sem razão.

Declarações de fornecedores são documentos unilaterais que não podem ser considerados idôneos a justificar despesas realizadas com recursos públicos.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.)

(Grifo nosso)

 

Segundo o parecer conclusivo (ID 29614583), a prestadora das contas realizou pagamentos que, somados, alcançam o valor de R$ 647,00 (R$ 607,00 referentes à produção de jingles e R$ 40,00 relativos a serviços contábeis). Esses pagamentos foram efetuados por meio de cheque não cruzado e ao portador, o que contraria o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 e impossibilita a conferência da real destinação do recurso. Como a recorrente não sanou esta irregularidade, não há como prover o recurso no ponto.

Ademais, em consulta aos extratos eletrônicos ( https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87548/210000789332/extratos), não há a contraparte dos cheques emitidos.

Assim, correta a sentença que determinou o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional.

De outro vértice, acertado o juízo de aprovação das contas com ressalvas.

Com efeito, embora a infração represente 23,96% (R$ 647,00) em relação ao total de receitas declaradas (R$ 2.700,00), tenho que, em termos absolutos, o valor é inexpressivo, pois inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso)

 

Dessarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, deve ser mantida a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário do valor de R$ 647,00.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo integralmente a sentença que determinou o recolhimento do valor de R$ 647,00 ao Tesouro Nacional.