AJDesCargEle - 0600078-19.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/10/2021 às 14:00

VOTO

Inicialmente, indefiro o pedido de desentranhamento dos documentos juntados pelas partes e de reabertura da instrução, pois tais pretensões não se justificam no caso dos autos.

O Vereador José Elvanir Renz, em sua defesa, apresentou todas as provas que entendia pertinentes para o julgamento de improcedência da ação e manutenção do mandato eletivo.

Dentre elas, a declaração do ID 41454133, firmada pelo Presidente do Partido, Gilberto Vieira Martins, em 4.5.2021, na qual é mencionada a seguinte frase: “Mesmo que o PDT tenha concordado com sua desfiliação, por justa causa, documentos pendentes ainda deverão constar como se ainda filiado fosse”.

Para contraditar a declaração, o PDT, em alegações finais, exibiu ata de reunião partidária realizada em 27.4.2021, na qual a comissão executiva, junto de outros vereadores, definiu que a legenda ajuizaria a presente ação para que o mandato eletivo ficasse no partido (ID 42320683).

Essa ata partidária, independentemente do momento em que foi juntada, é irrelevante para o julgamento do feito, pois para o ajuizamento da ação de perda de mandato eletivo por infidelidade partidária não há condição de que os partidos comprovem a realização de ato partidário, assembleia ou reunião para deliberar sobre a perda do mandato.

O art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07 estabelece, tão somente, que “O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa”. O art. 3º, por sua vez, dispõe que “Na inicial, expondo o fundamento do pedido, o requerente juntará prova documental da desfiliação, podendo arrolar testemunhas, até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas, inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de repartições públicas”.

O fato de ter havido ou não prévia deliberação sobre o ajuizamento da presente ação não é requisito para a propositura da lide, sendo essa prova, portanto, insignificante.

Desse modo, sequer se verifica prejuízo ao demandado com a juntada da ata em questão, sendo certo que foi plenamente garantido o contraditório sobre todas as provas produzidas durante a instrução.

Além disso, conforme a Procuradoria Regional Eleitoral apontou, a ata não se caracteriza como prova constitutiva do direito do partido, mas de mera contraposição à defesa do vereador, no ponto em que invocou fato impeditivo à pretensão de perda do mandato, consistente na declaração do presidente do PDT.

Também entendo não ser razoável o pedido de reabertura da instrução processual para a realização da oitiva do Presidente do PDT, Gilberto Vieira Martins.

A defesa alega que o partido teria concordado com a desfiliação sem perda do mandato e  que a anuência estaria demonstrada pela declaração do presidente da sigla. Nesse ponto, não desconheço o entendimento do TSE no sentido de que “a concordância da agremiação partidária com o desligamento do filiado é apta a permitir a desfiliação sem prejuízo do mandato eletivo” (AgR–Pet n. 0601117–75/PE, Rel. Min. Rosa Weber, DJe de 17.4.2018).

Contudo, a declaração em tela foi firmada de forma isolada pelo presidente do PDT, sem prova da concordância dos demais membros da Comissão Executiva, em 4.5.2021, data posterior ao ajuizamento da presente ação, ocorrido em 28.4.2021.

É inviável entender que a referida declaração teria força suficiente para consolidar a justa causa consistente na anuência do partido, uma vez que sequer foi produzida prova, pelo requerido, de que o ato realizado individualmente pelo presidente do PDT tem o condão de suplantar a decisão partidária que conduziu ao ajuizamento da presente ação.

Nesse cenário, o depoimento pessoal do presidente caracteriza prova inútil, que em nada alteraria a conclusão de que é insuficiente eventual declaração individual de anuência firmada em momento posterior ao ajuizamento da ação de perda do mandato eletivo.

Por fim, deve ser considerado que a desistência de provas requeridas constitui um dever das partes litigantes em processos judiciais. A alegação de que o ato ocorreu “porque se entendeu que a prova material era suficiente para comprovar a ocorrência da confissão” é consequência da estratégia jurídica adotada no curso da ação.

Ademais, é incabível a reabertura da oportunidade de produção de prova sobre a qual houve desistência voluntária, sponte propria, de produção, na própria audiência de instrução.

 

No mérito, do exame dos autos, constata-se que o pedido de desfiliação do PDT de Manoel Viana, efetuado pelo Vereador José Elvanir Renz em 27.4.2021, por intermédio do seu então advogado, Dr. Miguel Garaialdi, foi motivado por fatos ocorridos cinco dias antes do ato, em 22.4.2021, divulgados na internet e na imprensa local.

Esses fatos consistem na nota pública de esclarecimento divulgada pela Prefeitura de Manoel Viana em 22.4.2021 em sua página de internet, contra postagem de Facebook publicada pelo parlamentar, no seu perfil pessoal, em 20.4.2021.

Primeiramente, no dia 20.4.2021, o requerido postou no Facebook o seguinte texto, acompanhado de sua fotografia (ID 41454333):

Presidente do Poder Legislativo Informa: Programa M.V. Mais Habitação. Por solicitação do Vereador José Renz foi aprovado na Sessão Ordinária do dia 19/04/2021 o Projeto de Lei n° 038/2021, na qual fica instituído no âmbito do Município de Manoel Viana o Programa M. V Mais Habitação, que beneficiará pessoas com renda familiar Percapita de até R$ 275,00, um valor de até R$ 2.000,00 para cada família contemplada. Vereador Alemão Renz.

Em 22.4.2021, a assessoria de imprensa da Prefeitura de Manoel Viana, cujo prefeito, eleito também pelo PDT, é Jorge Gustavo Costa Medeiros, que exerce o cargo de vogal na Comissão Executiva do Partido, divulgou a seguinte Nota de Esclarecimento no site da prefeitura (ID 41454433):

A administração Municipal toma como engano publicação realizada no dia 20.4.2021, por vereador deste Município em sua rede social Facebook. Aduz a postagem que “por solicitação do Vereador José Renz foi aprovado na Sessão Ordinária do dia 19/04/2021 o Projeto de Lei n° 038/2021, na qual fica instituído no âmbito do Município de Manoel Viana o Programa M. V Mais Habitação”.

O pedido que causa estranheza, é de que, nunca houve encaminhamento pelo vereador para elaboração de projeto nos moldes do Programa MV Mais Habitação.

O que ocorreu, foi que a administração Municipal encaminhou quatro projetos de lei a casa legislativa voltados aos interesses da comunidade: 1) Construção de Calçadas; 2) Programa Saúde Rutal Itinerante; 3) Programa Municipal de Inventivo e Apoio aos Pequenos Produtores Rurais e Agricultura Familiar do Município de Manoel Viana; 4) Programa M|V Mais Habitação, tendo sido o último abraçado pelo edil como de sua autoria, atitude esta, não condizente com a realidade dos fatos.

Observa-se que todos os projetos e programas da administração, são elaborados dentro da coletividade, o qual deve ser basilar para qualquer gestor, e nunca buscando a promoção pessoal.

É sabido que a administração Municipal busca atender a todos os encaminhamentos individuais ou coletivos do legislativo que visam atender aos interesses do Município, mas de outra maneira, não pode silenciar quando há uma intenção de apropriação de projetos ou programas de governo, com o cunho de buscar de forma individual promoção política e pessoal.

Administração Municipal

Saliento que, para contraditar o conteúdo da nota em questão, o parlamentar requerido juntou aos autos um ofício firmado com outros vereadores do PDT e do PT, dirigido ao Presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Manoel Viana em 8.2.2021, em que solicitavam ao “Executivo Municipal a criação de um auxílio-moradia para pessoas de baixa renda em forma de Projeto de Lei” (ID 41454283).

O PDT, por sua vez, corroborou a versão contida na nota de esclarecimento da prefeitura, juntando aos autos um ofício demonstrando que, já em 13.1.2021, tramitava na Prefeitura de Manoel Viana um estudo para o anteprojeto do auxílio-moradia objeto da contenda entre o vereador e o partido (ID 42231883).

Seguindo a ordem de acontecimentos, em 23.4.2021, foi publicada na página 6 do jornal Expresso Ilustrado, na Coluna Opinão/Economia, uma fotografia do Prefeito de Manoel Viana, Jorge Gustavo Costa Medeiros, abaixo do título “Travestidos de vereadores – Alguns não entendem nada da função, diz o prefeito Gustavo”, sem menção do nome do requerido (ID 42320883).

Depois disso, em 27.4.2021, foi publicada uma charge retratando o requerido, na edição digital de internet do site Nova Pauta – Expresso Ilustrado (ID 41454383), a qual também foi veiculada na edição impressa do dia 30.4.2021, página 2, do jornal Expresso Ilustrado, ID 42320833.

Ressalto que a autoria da charge não foi imputada ao partido requerente pelo parlamentar, não tendo sido atribuída ao partido ou seus dirigentes a responsabilidade pela publicação.

Essa publicação, realizada no dia 27.4.2021, ainda está disponível na internet no endereço: https://np.expressoilustrado.com.br/2021/04/manoel-viana-e-o-vereador-que-se-adona-dos-projetos-alheios.html. A ilustração tem o título “Manoel Viana e o vereador que se adona dos projetos alheios…”, e retrata desenho em forma de caricatura.

Assim, não procedem as alegações do partido no sentido de que a charge não foi publicada em 27.4.2021, e sim em 30.04.21, e que o requerido tentou criar uma simulação para induzir este Relator em erro.

Na imagem, mostra-se, em desenho, uma casa com um homem na janela, com a mão fechada para cima, fazendo menção de que algo lhe fora tirado da mão, e a caricatura de corpo inteiro, sendo que no rosto foi sobreposta a foto da face do requerido José Elvanir Renz. Na charge, o requerido foi desenhado com o corpo em posição inclinada para frente, segurando um rolo de papel em uma das mãos e carregando uma mochila nas costas com mais rolos de papel, contendo nesses rolos a inscrição “Mais Habitação” e “Habitação”.

Abaixo da imagem, o site jornalístico apresenta o seguinte conteúdo:

O vereador José Renz (PDT), presidente da Câmara de Manoel Viana, anunciou um projeto de sua autoria. É o Programa MV Mais Habitação. É algo que vai gerar empregos, moradia digna aos que precisam. Tudo certo, se não fosse um probleminha: o projeto não é dele. Veja o que o NP/apurou:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A administração Municipal toma como engano publicação realizada pelo vereador. Aduz a postagem que “por solicitação do vereador foi criado e aprovado no dia 19 projeto 038/2021, que institui o Programa MV Mais Habitação”. Causa estranheza, pois nunca houve pedido ou encaminhamento pelo vereador para elaboração de tal projeto. O que ocorreu, foi que a administração Municipal encaminhou quatro projetos voltados aos interesses da comunidade:

1) Construção de Calçadas; 2) Programa Saúde Rural Itinerante; 3) Programa Municipal de Incentivo e Apoio aos Pequenos Produtores Rurais e Agricultura Familiar do Município de Manoel Viana; 4) Programa MV Mais Habitação.

Observa-se que todos os projetos e programas da administração são elaborados dentro da coletividade, o qual deve balizar qualquer gestor, e nunca buscando a promoção pessoal.

Travestidos de vereadores

“Alguns não entendem nada da função”, diz o prefeito Gustavo Medeiros

O prefeito Gustavo Medeiros (PDT) disse que tem feito de tudo para manter a economia, o comércio funcionando, os projetos sociais, obras andando e a saúde preservada. No entanto, alguns travestidos de vereadores, que não entendem da função, se portam de maneira irresponsável, torcendo para que nada dê certo. Dentre outros temas, Gustavo se refere aos recursos vindos para combate à pandemia, sendo que alguns vereadores distorcem, talvez na tentativa de jogar a comunidade contra o prefeito.

 

Na edição impressa, a mesma charge aparece no Editorial, com o título “Em Manoel Viana” (ID 42320833).

A charge foi publicada na mesma data da desfiliação partidária, pois, também em 27.4.2021, o Vereador José Elvanir Renz requereu por escrito ao Presidente do PDT de Manoel Viana, Gilberto Vieira Martins, em petição subscrita pelo seu então procurador, o advogado Dr. Miguel Garaialdi, a sua desfiliação do partido.

No pedido, alegou que a desfiliação se dava devido a “episódios e fatos de cunho público, ocorridos nos últimos dias, todos de conhecimento deste Presidente” (ID 40814133).

Depois de o pedido de desfiliação ter sido recebido, ainda no dia 27.4.2021, às 16h30min, a executiva municipal do PDT de Manoel Viana realizou reunião partidária registrada em ata, da qual participaram outros vereadores e o líder da bancada do PDT na Câmara Municipal (ID 42231883 e ID 42320683).

Pois bem. Seguindo a cronologia dos acontecimentos, passo a discorrer sobre os fatos ocorridos após a data do pedido de desfiliação, dia 27.4.2021.

A presente ação foi ajuizada em 28.4.2021 (ID 40812383).

Observa-se que, em 29.4.2021, Gilberto Vieira Martins, na condição de presidente do PDT, oficiou ao Juízo da 79ª Zona Eleitoral informando que recebera o pedido de desfiliação e que registrara o ato no Sistema Filia (ID 41454183).

No dia 30.4.2021, foi publicado, na página 12 do jornal Expresso Ilustrado, na Coluna Opinião, o seguinte artigo:

Presidente da Câmara pode perder o mandato. Manoel Viana – José Renz (PDT) anunciou um projeto que era da equipe do prefeito Gustavo Medeiros (PDT). Por causa disso, e de outros assuntos, houve um contratempo entre ele e o prefeito. Nesta semana, Renz pediu desfiliação do PDT. Mas, como o mandato é do partido e não do vereador, a briga pela vaga foi parar na justiça (ID 42320933).

Foi também juntada aos autos uma matéria jornalística, sem indicação da fonte, datada de 30.4.2021, com o título “Presidente da Câmara de Manoel Viana deixa o PDT”. O texto refere que o requerimento de desfiliação foi entregue ao Presidente do PDT, Giberto Vieira, o qual acatou o pedido, e que a legenda havia ajuizado a presente ação judicial por entender que o mandato é do partido, enquanto o parlamentar, por seu então advogado, Dr. Miguel Garaialdi, alegava estar sofrendo perseguição política dos membros do PDT e do Poder Executivo. A matéria relata que “o ex-deputado Miguel Bianchini (PL) e o vereador Alemão Renz” participaram de reunião que poderia ter “selado o destino partidário do vereador” (ID 42320983).

De acordo com o PDT, o então advogado do parlamentar, Dr. Miguel Garaialdi, falecido em 7.6.2021 (ID 42538133), foi assessor parlamentar do ex-deputado Miguel Bianchini (PL) na legislatura 2014/2018, o que tornaria suspeita a atuação do referido procurador no tocante à desfiliação do requerido.

O último documento invocado pelas partes para o deslinde da demanda refere-se à declaração do ID 41454133, firmada pelo Presidente do Partido, Gilberto Vieira Martins, em 4.5.2021, na qual consta a seguinte frase: “Mesmo que o PDT tenha concordado com sua desfiliação, por justa causa, documentos pendentes ainda deverão constar como se ainda filiado fosse”.

Conforme já referido, o parlamentar afirma que a declaração demonstra a anuência da legenda com a desfiliação sem perda do mandato, por justa causa.

Noutra linha, o partido afirma que o advogado Miguel Garaialdi, filiado ao PDT, valendo-se da relação de confiança que tinha com o Presidente do Partido, Gilberto Vieira Martins, realizou a entrega de um recibo de doação e, no momento de colher a assinatura, forneceu “um documento diverso, sem que se percebesse a ardilosa manobra”, consistente na declaração do ID 4154133, a qual teria sido obtida mediante fraude e erro.

Na audiência de instrução, a defesa desistiu do depoimento pessoal do Presidente do PDT, Gilberto Vieira Martins, e foram ouvidas três testemunhas: Miguel Peres Biscaino, Taiane Aguilar Saciloto e Cloves da Silva Correa (ID 42231833).

As testemunhas defensivas ouvidas em juízo não exercem função na Comissão Executiva do PDT e referiram ter tomado conhecimento dos fatos relativos à desfiliação do requerido pela mídia e pelas redes sociais.

Miguel Peres Biscaino apontou que o parlamentar estava sendo discriminado e perseguido politicamente, sem indicar quais fatos teriam motivado essa conclusão, apenas se reportando à charge divulgada nas redes sociais na data da desfiliação.

Taiane Aguilar Saciloto foi contraditada pela parte autora por ter trabalhado na assessoria da bancada do PDT na Câmara de Vereadores, mas a contradita foi indeferida em audiência. A testemunha também aludiu à charge do dia 27.4.2021, afirmando ter sido um ato de ridicularização do requerido, o qual teria sido hostilizado em redes sociais.

Cloves da Silva Correa, de igual modo, pouco contribuiu com os fatos, apenas referindo que, segundo sua opinião pessoal, havia uma desavença entre José Elvanir Renz e o prefeito de Manoel Viana desde que o parlamentar votou contra o aumento do salário do prefeito. Esse fato, contudo, não foi invocado pelas partes.

Desse modo, a prova produzida demonstra que apenas dois fatos comprovados nos autos caracterizariam a grave discriminação política e pessoal que justificaria a desfiliação ocorrida em 27.4.2021.

Tais fatos são consistentes na nota pública de esclarecimento, divulgada pela Prefeitura de Manoel Viana em 22.4.2021, contra postagem feita pelo parlamentar em 20.4.2021, no Facebook, relativa a projeto de lei de auxílio-moradia, e na publicação de 23.4.2021, na página 6 do jornal Expresso Ilustrado, de uma fotografia do Prefeito de Manoel Viana, Jorge Gustavo Costa Medeiros, com o título “Travestidos de vereadores – Alguns não entendem nada da função, diz o prefeito Gustavo”. A matéria, contudo, não faz menção ao nome do requerido.

Levando-se em conta que a desfiliação foi requerida em 27.4.2021, os fatos posteriores ao ato não contribuem para a comprovação da existência de justa causa para o desligamento do partido, pois a desfiliação foi comunicada pelo parlamentar ao partido em 27.4.2021.

Além disso, relembro as razões já explicitadas, no sentido de que, no dia seguinte, 28.4.2021, o PDT de Manoel Viana ajuizou a presente ação para reaver o mandato eletivo, não havendo como se considerar que a agremiação anuiu com a saída do parlamentar levando consigo o mandato, a despeito da declaração firmada pelo seu presidente em 4.5.2021.

Com idêntico entendimento, colho no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral:

No caso em apreço, o próprio contexto no qual proferida a declaração já é bastante nebuloso, pois se insere em uma súplica do partido a que o requerido resolvesse pendências atinentes ao seu período de filiado, consistente na assinatura de “documento de doação realizada à época em que estava filiado ao PDT”. Assim, a afirmação subsequente de que “mesmo que o PDT tenha concordado com sua desfiliação, por justa causa, documentos pendentes ainda deverão constar como se ainda fosse filiado”, deve ser vista muito mais como uma resposta do partido a provável réplica do vereador ou seu procurador no sentido de que não seria obrigado à assinatura do documento por já estar desfiliado do que, propriamente, a uma anuência clara e inequívoca.

Mesmo que assim não fosse, nota-se que a presente ação para desconstituição de mandato eletivo em virtude da desfiliação partidária foi ajuizada em 28.04.2021, portanto ainda antes da data do documento que veicularia a suposta anuência, o qual é de 04.05.2021. Ora, se o partido realmente houvesse concordado com a saída do mandatário, por certo que não teria ingressado, tão logo, com a demanda judicial para a desconstituição do seu mandato.

Por fim, ainda é trazida a ata de reunião nº 001/2021 da Executiva Municipal do PDT, lavrada em 27.04.2021, e que contou com a presença, entre outros, do próprio presidente do partido, ostentando, em linhas gerais, o seguinte conteúdo (ID 42231883, fls. 9/11 e ID 42320683):

(…) Abertos os trabalhos pelo senhor presidente foi apresentado a pauta: pedido de desfiliação do Vereador José Elvanir Renz, o presidente destacou que não existe motivo justo para desfiliação do mesmo e também não temos como impedir a desfiliação dele, pois o mesmo pode propor junto a Justiça Eleitoral. Disse que a desfiliação é uma coisa a ser tratada e mandato dele como vereador é outro ponto a ser avaliado, e sobre esse defende que é o do partido, e deve ser buscado na Justiça.

Foi colocada a palavra a disposição dos membros de executivas e das lideranças presentes para fazerem uso da palavra. E todos destacaram que não houve qualquer motivo ideológico, político ou outro relacionado a atividades partidárias que justifique a sua saída do PDT. E que os motivos do pedido de desfiliação são pessoais. Diante disso a Executiva Municipal deliberou pelos seguintes: Deferir a desfiliação, com a ressalva do mandato; ajuizar ação junto a Justiça Eleitoral, requerendo o mandato do vereador José Elvanir Renz, conhecido como Alemão Renz, por entender que o mesmo pertence ao partido, e não concorda que o mesmo fique com ele. Comunicar a Justiça Eleitoral sobre o pedido de desfiliação, e também lançar no sistema de filiação da Justiça eleitoral, a desfiliação (…) (grifos acrescidos)

Na mesma data, foi lançada a desfiliação a pedido no Sistema Filia – Módulo Externo – da Justiça Eleitoral (ID 40812633), e, em 29.04.2021, protocolada a comunicação perante o juízo da 79ª Zona Eleitoral, o qual deferiu o pedido (ID 41454183).

Portanto, fica claro, pelo teor de tal documento, que a direção e demais líderes partidários no município estavam convictos de que a desfiliação tinha se dado sem justa causa e que, em decorrência disso, ajuizariam a correspondente ação para reaver o mandato do vereador. Também é importante frisar que, em tal reunião, foi deferida a desfiliação em razão da impossibilidade de negá-la, e talvez seja essa exatamente a razão de constar no documento, lavrado dias após pelo presidente do partido, que o partido concordou com a desfiliação do vereador.

Outrossim, é importante destacar que o requerido, em suas alegações finais, não impugnou a autenticidade da referida ata partidária, limitando-se a requerer o seu desentranhamento em razão da alegada preclusão.

Ocorre que o documento em tela não diz respeito ao fato constitutivo da presente demanda – à qual somente bastava a demonstração de que o requerido exerce mandato eletivo e de que se desfiliou do partido pelo qual se elegeu –, e sim aos fatos impeditivos do direito do autor alegados na contestação.

Assim, a ata partidária juntada deve ser considerada como documento válido e, em análise conjunta com as demais provas, conduzir à conclusão de que, efetivamente, não houve anuência do partido com os supostos motivos para a desfiliação do mandatário.

Por fim, no que se refere ao encaminhamento, pelo próprio partido, da comunicação de desfiliação à Justiça Eleitoral (ID 41454183), tal não revela concordância com as razões apontadas para desfiliação, mas mero procedimento administrativo informando que o vereador havia protocolado pedido de desfiliação e que, em razão disso, o partido havia procedido à baixa dessa condição no Sistema Filia do TSE. Tal proceder, aliás, revela-se imprescindível para a preservação do direito do partido, uma vez que, se fosse deixada a formalização da desfiliação perante a Justiça Eleitoral ao único critério do requerido, o direito de reaver o mandato provavelmente seria alcançado pelo prazo decadencial a que se refere o § 2º do art. 1º da Resolução TSE nº 22.610/2007.

Desse modo, não se deve acatar a tese de que o partido teria manifestado anuência com os motivos da saída ou com a saída imotivada do requerido.

Com esses fundamentos, entendo inútil e irrelevante para o deslinde do feito a apuração sobre a falsidade ideológica ou não da declaração apresentada pelo vereador.

Por fim, ainda que o presidente da legenda tenha encaminhado ao juízo eleitoral o pedido de desfiliação, a fim de que surtisse efeitos legais, o procedimento não implica anuência com a saída do parlamentar investido no cargo de vereador, pois a comunicação ocorreu em 29.4.2021, após o ajuizamento da presente ação e da deliberação em que o partido decidiu por reaver o cargo eletivo.

O art. 22-A da Lei n. 9.096/95 prevê as hipóteses que autorizam o titular de cargo eletivo a se desfiliar do partido político sem a perda do mandato:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

No caso dos autos, não obstante a insurgência do requerido, as circunstâncias relatadas não caracterizam discriminação política e pessoal com a relevância necessária para a desfiliação sem perda do cargo.

A formação de alianças políticas é tema complexo que, muitas vezes, gera acalorados debates entre correligionários, mas dois fatos isolados no intervalo de menos de uma semana não se mostram significantes a ponto de conduzir à conclusão de que foi comprovada a existência de perseguição ou inviabilização política contra o parlamentar.

A alegação de grave discriminação pessoal foi apresentada apenas por meio de fatos que demonstram mera animosidade, e não a existência de alijamento partidário contra o vereador.

Ao prever a “grave discriminação pessoal” como justa causa para a desfiliação partidária, o Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu uma hipótese de conceito aberto, relegando ao julgador a apreciação, diante do caso concreto, da existência, ou não, de discriminação grave e sujeita à desfiliação com manutenção do cargo eletivo.

A análise é casuística, mas não se evidencia, no atento exame de fatos e provas existentes neste feito, uma ação afeta à discriminação, à diferenciação do vereador, a tratamento desigual ou injusto.

Segundo o TSE, a discriminação pessoal que caracteriza justa causa para desfiliação partidária exige a demonstração de fatos certos e determinados que tenham o condão de afastar o mandatário do convívio da agremiação ou revelem situações claras de desprestígio ou perseguição (TSE, AC n. 18578, antes referido).

Para fins de justa causa, a grave discriminação pessoal não deve ser confundida com o afeto ou simpatia natural que determinado filiado possa deixar de ter perante os correligionários e a direção partidária. A previsão normativa dispõe sobre a discriminação grave. Deve ela ser gratuita, injustificada, movida por sentimentos vis e menores, que não aproveitariam ao próprio partido, mas a outros interesses, muitas vezes de difícil demonstração.

Nesse prisma, e considerados estes aspectos, entendo não demonstrada a grave discriminação pessoal contra o Vereador José Elvanir Renz, especialmente em face do curto período de cinco dias que envolveu os fatos que o desagradaram e o pedido de saída do partido.

O lapso exíguo de tempo sequer permite aferir o afastamento do requerente da vida partidária, com a exclusão de reuniões e decisões da agremiação, bem como a animosidade grave, que caracterizariam a justa causa para a desfiliação.

Sob o aspecto da grave discriminação pessoal, elemento que busca identificar reflexos de segregação do mandatário eleito no âmbito intrapartidário, com ações que prejudiquem a militância e tornem inviável a convivência dentro do partido, tenho que a prova existente é por demais precária.

Uma vez não comprovadas as hipóteses que autorizam a desfiliação sem perda do mandato, o juízo de procedência da ação é medida impositiva, pois não parece razoável considerar que os fatos invocados pelo requerido caracterizam discriminação de qualquer ordem.

Por fim, não verifico, na atuação de ambas as partes, conduta caracterizadora de má-fé, deslealdade ou litigância temerária, merecendo ser rejeitada a alegação.

Ante o exposto, afasto a matéria preliminar, VOTO pela procedência do pedido para o fim de decretar a perda do cargo eletivo de JOSÉ ELVANIR RENZ e determinar a execução imediata do presente acórdão, nos termos do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/07, ficando prequestionados os dispositivos legais invocados pelas partes.

Comunique-se à Mesa Diretora da Câmara de Vereadores de Manoel Viana para o imediato cumprimento, devendo assumir a respectiva cadeira o primeiro suplente do Partido Democrático Trabalhista (PDT) eleito no pleito de 2020, conforme consta no resultado oficial divulgado pela Justiça Eleitoral.