REl - 0600473-58.2020.6.21.0028 - Voto Relator(a) - Sessão: 07/10/2021 às 14:00

VOTO

Por coerência com os votos que já proferi em casos semelhantes nos recursos em processos de contas da campanha de 2020 (0600456-22 e 0600599-11) - ambos envolvendo candidatos que receberam doações de beneficiários do Auxílio Emergencial - é importante tecer algumas considerações sobre meu entendimento sobre a matéria.

Inicialmente, cumpre referir que não se desconhece que outros Tribunais Eleitorais mantiveram para o pleito de 2020 a diretriz de que não é responsabilidade do donatário a fiscalização sobre o fato de o doador estar vinculado programas sociais, devendo a matéria ser analisada fora do âmbito de processos de contas, conforme se verifica dos seguintes julgados:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO AO CARGO DE VEREADOR. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA CAPACIDADE DE AUTOFINANCIAMENTO. RECEBIMENTO DE DOAÇÃO REALIZADA POR PESSOA CADASTRADA EM PROGRAMA SOCIAL. ATRASO NA ABERTURA DE CONTA DE CAMPANHA. DIVERGÊNCIA ENTRE DADOS DA PRESTAÇÃO DE CONTAS E DADOS DE EXTRATO BANCÁRIO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DESAPROVADA. DA JUNTADA INTEMPESTIVA DE DOCUMENTOS.

(…) Recebimento de doação, cujo doador esteve incluído em programa social - auxílio emergencial. Não é responsabilidade do donatário a fiscalização e controle sobre o fato de o doador estar, ou não, vinculado à programa social de Governos. Matéria que não deve ser discutida e analisada no âmbito de processos de prestação de contas, pois possuem rito especial, célere, voltado unicamente para verificação da regularidade das arrecadações e gastos em campanha eleitoral. Precedentes (...)

(TRE-MG, REL 060026446, Relator MARCELO PAULO SALGADO, DJEMG 13/07/2021)

 

No mesmo sentido: TRE-SC, REl 0600641-67, Rel. CARLOS ALBERTO CIVINSKI, DJE 22/06/2021; TRE-PA, REl 060142423, Rel. LEONAM GONDIM DA CRUZ JÚNIOR, DJE 28/6/2021; TRE-MS, Rel 060037638, Rel. MONIQUE MARCHIOLI LEITE, DJE 09/06/2021; TRE-GO, Rel 060032552, Rel. Márcio Antônio De Sousa Moraes Júnior, DJE 20/04/2021.

Entretanto, este Tribunal assentou que a existência de indícios concretos de que o candidato recebeu doação de pessoa que teve sua hipossuficiência econômica reconhecida para fins de recebimento do Auxílio Emergencial pode caracterizar a doação como recursos de origem não identificada em face da ausência de confiabilidade sobre a origem dos recursos decorrente da incapacidade financeira.

Nesses julgamentos, transita-se pela prova indiciária, e não se desconhece que dita prova tem relevância e suporta juízos reprobatórios, já tendo o STF decidido que “indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contra indícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente” (AP 481, Relator: Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 08.09.2011).

Por definição legal “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias” (Código de Processo Penal, art. 239).

Mesmo na prova indiciária, há gradações pois nem todo o indício será suficiente para sustentar a conclusão da existência e veracidade do fato, mas o indício que aqui dou relevo, referente à coabitação de doador e candidata, apresenta atributo de gravidade e é suficiente para, do contexto probatório, impor a necessidade de manutenção de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

Sob esse prisma, nos julgamentos anteriores ressaltei que a determinação de recolhimento da quantia doada pelo beneficiário do Auxílio Emergencial não pode se dar a partir de uma responsabilidade objetiva dos candidatos e da presunção de que conhecem a capacidade financeira de todos os seus doadores de campanha, incluindo-se o fato de estarem ou não incluídos em programas sociais.

 

A conclusão sobre o candidato conhecer ou não a capacidade financeira do doador deve partir da análise das provas contidas nos autos e não do número de doações ou de eleitores do município no qual concorreu, de modo que para municípios pequenos do interior não haja uma responsabilidade objetiva de devolução ao erário para todos os candidatos que receberam doações procedentes de pessoas que integram programas sociais do Governo Federal.

Deve haver outros elementos de convicção para que se forme com segurança o raciocínio de que o candidato conhecia, ou desconhecia, a incapacidade financeira do doador a ponto de caracterizar o recurso como sendo de origem não identificada, além da presunção de que a situação econômica era conhecida tão somente por morarem na mesma cidade e do baixo número de doações recebidas.

Com base nessas premissas, da atenta leitura do voto condutor tem-se que as especificidades dos casos concretos retratados nos processos sob julgamento demonstram que há outros elementos de provas a apontar a ciência inequívoca dos candidatos sobre a incapacidade financeira dos doadores para além das circunstâncias de que houve poucas doações e de que Ibiraiaras é um município pequeno de apenas 5.291 eleitores.

Registro que essas duas últimas circunstâncias (poucas doações em pequeno município do interior), não seriam suficientes, isoladamente ou em conjunto, para daí ter-se como certo que os candidatos tinham ciência e/ou participação no mau uso do Auxílio Emergencial.

Contudo, o ilustre Relator realizou aquilatada análise da prova coligida e observou haver veementes indícios de que os candidatos tinham ciência sobre a situação econômica dos doadores.

Essas provas consistem na juntada aos autos da cópia do comprovante de depósito eletrônico em dinheiro referente à doação recebida (Recursos 0600467-51, 0600608-70, 0600460-59, 0600607-85 e 0600459-74), à existência de parentesco entre doador e donatário (Recursos 0600597-41 e 0600596-56), à notável similitude entre os depósitos bancários, realizados com um ou dois minutos de diferença entre um e outro (Recursos 0600472-73, 0600474-43, 0600458-89, 0600469-21, 0600473-58), e aos indícios de coabitação ou sociedade (0600604-33 e 0600606-03).

Portanto, diante das peculiaridades específicas dos casos em apreço é plenamente legal a determinação de recolhimento da doação recebida ao erário pela caracterização do recurso como procedente de origem não identificada, diante da falta de confiabilidade da fonte em face da incapacidade financeira do doador.

Após receberem as doações, deveriam os recorrentes terem adotado o procedimento previsto no § 3º do art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/2019. O dispositivo determina que doações irregulares não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, serem devolvidas, ou devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional.

Com esses fundamentos, cumprimentando o ilustre Relator pelo bem-lançado voto, acompanho a conclusão de que nestes casos o conjunto probatório apresenta provas suficientes para que se mantenha a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento do valor correspondente às doações ao Tesouro Nacional.