REl - 0600455-08.2024.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/07/2025 às 16:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso mostra-se tempestivo, visto que a intimação da sentença recorrida se deu em 25.11.2024 e o recurso foi interposto em 27.11.2024.

Mostrando-se adequado e preenchidos os demais pressupostos recursais, conheço do apelo e passo a analisar o mérito do recurso.

 

PRELIMINAR

Antes de adentrar no mérito do recurso, deve-se considerar a admissão dos documentos apresentados após a interposição do recurso eleitoral. Nesse ponto, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal Regional Eleitoral tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

In casu, tem-se por privilegiar o direito de defesa, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota das ementas oriundas deste TRE-RS, colacionadas a título exemplificativo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. DOAÇÃO ESTIMÁVEL DE SERVIÇOS CONTÁBEIS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUITAÇÃO. DIVERGÊNCIA DE VALORES ENVOLVENDO TARIFAS BANCÁRIAS. MERAS IMPROPRIEDADES. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA A MULTA E A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de diretório municipal de partido político, referente ao exercício financeiro de 2020, em razão do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, acrescido de multa. 2. Conhecidos os documentos juntados na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, ictu primo oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica. Na hipótese, juntadas fotografias de cheques, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades. 3. Ausência de comprovação de quitação de despesa. Apresentação de recibo de pagamento para comprovação de doação estimável de serviços contábeis, em desacordo com o prescrito pelo art. 9º da Resolução TSE n. 23.604/19. Entretanto, sendo inequívoco que o serviço doado se origina da atividade laboral da própria doadora e que o valor arbitrado não destoa de outros praticados para trabalhos semelhantes no município de origem, a falha é meramente formal, pois não prejudica a fiscalização sobre os contornos essenciais da doação estimável em questão, sendo suficiente a aposição de ressalvas. Inexistência de fundamento legal para a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da doação estimável de serviço, fruto do trabalho da doadora, declarada em valor razoável relativamente aos parâmetros do mercado local e não envolvendo recursos públicos ou de origem não identificada. 4. Divergência detectada entre o valor registrado como despesas com tarifas bancárias e o valor realmente apurado em análise. Reduzido montante da falha. Mera impropriedade, ensejadora de ressalvas às contas. 5. Reforma da sentença. As falhas identificadas constituem meras impropriedades, pois, alcançando montante módico, não impediram o exame técnico das contas e não resultam em dano ao erário, possibilitando a aprovação com ressalvas da contabilidade, na esteira de julgados desta Corte e do TSE (TRE–RS – PC 060028875, Relator.: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, Data de Julgamento: 15/06/2020, DJE de 23/06/2020). 6. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a multa e a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06000458320216210079 MANOEL VIANA - RS, Relator: Des. CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 31/10/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 202, Data 07/11/2023) (Grifei.)

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2020. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. DESAPROVAÇÃO. JUNTADA DE DOCUMENTAÇÃO NA FASE RECURSAL. POSSIBILIDADE. DOCUMENTAÇÃO SIMPLES. DESNECESSIDADE DE NOVA ANÁLISE TÉCNICA. MÉRITO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. JUNTADA DE NOTA FISCAL IDÔNEA. DESPESA DEMONSTRADA. AFASTADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas anuais do partido, exercício 2020, em razão de ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional e aplicada multa de 5% do valor irregular. 2. Conhecidos os documentos juntados com o recurso. Conforme pacífica jurisprudência desta Corte, a apresentação de novos documentos com o recurso, sobretudo na classe processual das prestações de contas, não apresenta prejuízo à tramitação do processo quando se trata de documentos simples, capazes de esclarecer, primo ictu oculi, as irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. O posicionamento visa, sobretudo, salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha e a celeridade processual e afastar excessivo formalismo. 3. Ausência de comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC. A nota fiscal indicada é documento idôneo a demonstrar a despesa - a diferença é de ordem insignificante, um centavo, e foi emitida pela mesma empresa cujo pagamento parcial foi acolhido pela sentença. Existência apenas de falhas formais e de comprovações extemporâneas, de forma que as contas devem ser aprovadas com ressalvas. 4. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas. Afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - REl: 06000861020216210060 PELOTAS - RS, Relator: Des. Afif Jorge Simoes Neto, Data de Julgamento: 20/07/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 135, Data: 26/07/2023.) (Grifei.)

Por essas razões, conheço dos documentos acostados no ID 45829290 e seguintes, consistentes em escritura pública de declaração de união estável, certificado da condição de microempreendedor individual, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento da irregularidade apontada.

 

MÉRITO

A questão em discussão consiste em definir se doação realizada por empresário individual pode ser considerada válida para fins eleitorais ou se configura doação de fonte vedada, atraindo a desaprovação das contas e o dever de devolução dos valores ao erário.

Acerca do recebimento de recursos de fonte vedada, o art. 31, incs. I, II e III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que é vedado aos partidos políticos e aos candidatos receberem direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de pessoas jurídicas ou de origem estrangeira ou, ainda, de pessoa física permissionária de serviço público. Ademais, o § 4º do mesmo artigo determina que, na impossibilidade de devolução dos recursos à pessoa doadora, o prestador de contas deve providenciar imediatamente a transferência dos recursos recebidos ao Tesouro Nacional.

Sabe-se, nesse sentido, que o recebimento de recursos provenientes de fonte vedada é considerado inconsistência grave, que denota o financiamento da campanha com recursos ilícitos, implicando na sua devolução ao doador, sendo vedada a sua utilização.

No presente caso, verifica-se que o recorrente declarou à Justiça Eleitoral ter recebido doação de Emilene Generali Urquiza – CPF n. 809.345.870-00, no valor de R$ 1.000,00 (ID 45829230). Contudo, em que pese o declarado pelo candidato, a doação foi realizada pela pessoa jurídica de Emilene, conforme se extrai do documento ID 45829260.

A sentença, por sua vez, considerou a doação realizada como recurso de fonte vedada e desaprovou as contas do recorrente nos seguintes termos:

 

Pois bem, compulsando os autos, verifico que o prestador não sanou a falha apontada no Exame, especialmente quanto ao recebimento de recursos de fontes vedadas, conforme dispõe o art. 31, I, da Res. TSE n. 23.607/19:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidata ou candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas;

No mesmo sentido, saliento que o fato do prestador ter efetuado o recolhimento da totalidade do valor irregular ao Tesouro Nacional não obsta a desaprovação das contas, especialmente pelo fato do candidato ter se beneficiado do montante, ainda que temporariamente, conforme assegura o § 9º do mesmo artigo elencado acima:

§ 9º A devolução dos recursos de fonte vedada ou o seu recolhimento durante a campanha ou, ainda, a determinação de seu recolhimento ao Tesouro Nacional não impede, se for o caso, a desaprovação das contas, quando constatado que a candidata ou o candidato tenha se beneficiado, ainda que temporariamente, dos recursos ilícitos recebidos, assim como a apuração do fato na forma do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 e do § 10 do art. 14 da Constituição Federal. (Redação dada pela Resolução nº 23.731/2024)

Está-se diante de frontal descumprimento da Res. TSE n. 23.607/19 e da Lei 9.504/97, de forma tal que o julgamento pela desaprovação das contas é medida que se impõe. Gize-se que foi oportunizada ao prestador a solução das irregularidades apontadas.

Saliento, outrossim, que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no artigo 75 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Pois bem. No caso em tela, ainda que o recurso tenha sido doado por pessoa jurídica, a irregularidade reconhecida na sentença não subsiste. Explico. Emilene é empresária individual, conforme se verifica do comprovante de inscrição e de inscrição de situação cadastral na Receita Federal:

AplicativoO conteúdo gerado por IA pode estar incorreto.

Embora o empresário individual seja equiparado à pessoa jurídica para fins tributários, para efeitos eleitorais continua sendo pessoa natural, consoante já definido pelo Tribunal Superior Eleitoral:

 

ELEIÇÕES 2012. DOAÇÃO ELEITORAL. LIMITE. FIRMA INDIVIDUAL. PESSOA NATURAL.

1. A firma individual, também denominada empresa individual, nada mais é do que a própria pessoa natural que exerce atividade de empresa nos termos do art. 966 do Código Civil.

2. A equiparação do empresário ou da empresa individual a uma pessoa jurídica por ficção jurídica para efeito tributário não transmuta a sua natureza.

3. As doações eleitorais realizadas por firmas individuais devem observar os limites impostos às pessoas físicas de acordo com o art. 23, § 1°, I da Lei n° 9.504/97.4. Entendimento que não se aplica às "empresas individuais de responsabilidade limitada - EIRELI", criadas pela Lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, que alterou a redação do art. 44 e introduziu o art. 890-A, ambos do Código Civil, as quais estão, em princípio, sujeitas aos limites impostos às pessoas jurídicas.

Recurso Especial Eleitoral nº33379, Acórdão, Relator(a) Min. Henrique Neves Da Silva, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 13/05/2014. (Grifei.)

Nesse contexto, ainda que a doação tenha sido recebida de empresária individual, não há irregularidade no ponto, pois o recurso advindo de empresário individual não é considerado fonte vedada para os fins do art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Quanto ao registro nas contas de campanha de receita ser oriunda da pessoa física de Emilene, e não de sua pessoa jurídica, nem falha formal está caracterizada. Isso porque, visto que o patrimônio do empresário individual se confunde com o pessoal, de modo que corresponde a um só conjunto de bens cujo domínio pertence à pessoa física, conforme já decidido por este Tribunal quando do julgamento do Recurso Eleitoral n. 060067786/ZZ, de relatoria do Des. Francisco José Moesch, cujo acórdão é de 23.9.2021.

Logo, estão atendidos os ditames legais para a comprovação da receita, não subsistindo falha apontada, de modo a merecer provimento o recurso.

Diante do exposto, VOTO para dar provimento ao recurso de DANILO FERNANDO TRINDADE RODRIGUES, para aprovar as contas do candidato, afastando a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.