REl - 0600437-89.2024.6.21.0023 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/07/2025 às 16:00

VOTO

Inicialmente, analiso as preliminares de cerceamento de defesa e de intempestividade da contestação.

A Coligação Frente Popular Trabalhista, autora da ação e ora recorrente, arrolou a testemunha Jocelaine Simão para oitiva em audiência. Contudo, a testemunha não compareceu na data designada, apesar de ter sido intimada extrajudicialmente pela própria parte. Diante da ausência, a coligação requisitou nova audiência, argumentando que a testemunha era essencial para comprovar possível simulação de repasse de verbas públicas ao Hospital de Clínicas de Ijuí (HCI), o que fundamentaria o alegado abuso de poder político e econômico.

A preliminar não prospera.

O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de nova audiência, com base no art. 22, inc. V, da Lei Complementar n. 64/90, que estabelece que testemunhas devem comparecer independentemente de intimação judicial, salvo exceções legais. Ao designar a audiência, a magistrada consignou que “as intimações deverão ser providenciadas pelas partes, conforme art. 22 da LC n. 64/90”.

Além disso, como consta da ata da audiência, foram oportunizadas à parte autora a realização de contato telefônico com a testemunha e a tentativa de oitiva por videoconferência, o que também não logrou êxito. Transcrevo o seguinte trecho da ata:

(…)

Pela Juíza foi dito que ouvidas as testemunhas Cleuton, arrolada pelo autor, verificou-se não ter comparecido as demais, tendo este desistido das testemunhas Cesar e Josias, e insistido na oitiva de Jocelaine, que embora intimada, não compareceu. O autor requereu que fosse designada nova data para sua oitiva, pois intimada por AR, tendo o requerido se insurgido, considerando que o rito da lei complementar 64/90 prevê o comparecimento das testemunhas independente de intimação, sendo encargo da parte que arrolou trazê-las. Sendo questionado o autor se gostaria de ouvi-la por videochamada, disse não possuir o contato telefônico. Oportunizado contato com o local de trabalho da testemunha, disse o autor não ter obtido êxito. Por este juízo foi indeferido o pedido de designação de nova data, considerando o disposto no Art.22 inciso V, da lei complementar 64/90, que prevê que as testemunhas devem comparecer independente de intimação.

 

A decisão judicial corretamente entendeu que não se trata de cerceamento de defesa, pois: a) o ônus de garantir a presença da testemunha recai sobre a parte que a arrolou; b) a testemunha foi intimada extrajudicialmente pela parte interessada; c) a parte teve chance de tomar providências alternativas, como o contato remoto; d) não havia fundamento legal para adiamento do ato ou nova audiência, conforme o regime jurídico especial da AIJE.

Entendo que não houve cerceamento de defesa na forma alegada pela Coligação Frente Popular Trabalhista. O indeferimento da nova audiência está em conformidade com a jurisprudência do TSE e deste Tribunal que reconhece que a ausência da testemunha arrolada pela própria parte, sem justificativa legal, não gera nulidade, especialmente quando são oferecidas alternativas razoáveis de produção da prova, como o contato remoto.

De acordo com entendimento firmado pelo TSE: “(…) as testemunhas arroladas, nos termos do art. 22, inc. V, da LC n. 64/90, comparecerão à audiência de instrução, independentemente de intimação, cabendo à parte o ônus de garantir a presença de suas testemunhas em juízo” (AgR–RO–El n. 0602262–45/PA, Relator o Ministro Edson Fachin, DJe 03.02.2022).

A propósito: “(…) como regra, a testemunha deve comparecer por iniciativa da parte que a arrolou (art. 5º e 22, inc. V, da Lei Complementar n. 64 /90), de modo que a notificação e a condução judiciais são providências de exceção, sendo cabíveis apenas quando a parte não tiver acesso à testemunha ou quando houver a recusa em comparecer espontaneamente à audiência e a prova for considerada indispensável à elucidação dos fatos” (TRE-RS, REl n. 06005748220206210000, Rel.: Des. Caetano Cuervo Lo Pumo, DJE 17.8.2023).

Nesse sentido, correta a decisão do juízo de primeira instância de que o comparecimento da testemunha na audiência de instrução, em razão da celeridade do rito eleitoral, deve ser realizado independente de intimação, na forma do art. 22, inc. V, da Lei Complementar n. 64/90. O pedido de nova audiência para produção de prova testemunhal, após ter sido ofertada oportunidade para oitiva das testemunhas, não encontra amparo legal.

A jurisprudência do TSE respalda integralmente a decisão do juízo a quo ao indeferir nova audiência para oitiva da testemunha Jocelaine Simão, diante de sua ausência injustificada e da impossibilidade legal de condução coercitiva em ações de investigação judicial eleitoral. Não há violação ao contraditório ou à ampla defesa, pois o indeferimento está amparado na legislação e no entendimento pacificado da Justiça Eleitoral. Conforme entende o TSE: “‘O indeferimento da produção de provas consideradas inúteis ou meramente protelatórias pelo magistrado não caracteriza cerceamento do direito de defesa, nem violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório’ (AgR–REspe n. 59–46/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. em 25.5.2017). Ainda: RO n. 0600870–81/MA, Rel. Min. Tarcisio Vieira, j. em 13.11.2018. Inteligência do art. 355, inc. I, do CPC” (TSE, AREspEl: n. 060000162 IPIRÁ - BA, Rel.: Min. Alexandre de Moraes, DJE 26.9.2022).

Reforço que não vislumbro nas razões recursais a demonstração do efetivo prejuízo. Aliás, conforme precisa conclusão da Procuradoria Regional Eleitoral: “a Recorrente se limitou a afirmar que a testemunha seria imprescindível para o esclarecimento dos fatos, sem indicar, contudo, quais seriam as informações relevantes que poderia prestar.”

Lembro, a propósito, que, nos termos do art. 219 do Código Eleitoral: “Na aplicação da lei eleitoral o juiz atenderá sempre aos fins e resultados a que ela se dirige, abstendo–se de pronunciar nulidades sem demonstração de prejuízo”.

Dessa forma, rejeito a prefacial.

A preliminar de intempestividade da contestação igualmente não merece acolhida.

A coligação recorrente alegou intempestividade da contestação apresentada pelos candidatos recorridos, argumentando que o prazo legal já havia expirado. Segundo a recorrente, o prazo para apresentação da defesa deveria ter sido contado a partir da publicação no Diário da Justiça Eletrônico (DJE) em 10.9.2024, expirando em 15.9.2024, conforme art. 408 da CNJE, e a contestação só foi protocolada em 28.9.2024.

Entretanto, do exame dos autos verifica-se que quando recebida a ação a magistrada deferiu o pedido de expedição de ofícios ao Município de Ijuí e ao Hospital de Clínicas de Ijuí (HCI) para verificar a forma que ocorreu a transferência de valores para a reforma dos leitos SUS da casa hospitalar e em qual data e determinou a citação.

Os candidatos prontamente manifestaram-se requerendo que a contagem do prazo para contestação se desse a partir da juntada das respostas aos ofícios, e o pedido restou deferido em atenção aos princípios da ampla defesa e do contraditório.

Contra a decisão a coligação insurgiu-se e o juízo de origem acertadamente manteve o entendimento, sob o fundamento de que “(…) a inicial não está acompanhada de prova do alegado abuso, sendo as informações solicitadas imprescindíveis para o correto processamento do feito”. A seguir, foi proferida nova decisão que corretamente assentou a tempestividade da peça defensiva: “A defesa é tempestiva, pois o processo versa sobre cassação do registro ou diploma, não se contando os prazos pela publicação no mural eletrônico, conforme art. 94, § 5º, Lei n. 9504/97, mas sim do DJE, onde foi publicada em 24.9.2024, daí fluindo o prazo de 05 dias”.

Ora, inegável que a contestação envolvia fato técnico dependente de prova documental em poder de terceiros (Município de Ijuí e HCI), cuja juntada foi determinada judicialmente antes da fluência do prazo.

Considerando o princípio da ampla defesa e o interesse público na solução desta lide, não vislumbro prejuízo capaz de anular o ato judicial que determinou o início do prazo a partir da intimação da juntada de documentos solicitados pela parte autora, ora recorrente (despacho do ID 45848425).

Devidamente intimados, os recorridos contestaram no prazo legal.

Portanto, rejeito a preliminar.

Passo a analisar o mérito.

A presente ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) lastreou-se na reportagem da página 5 do Jornal da Manhã, que circula no Município de Ijuí, publicada na edição de final-de-semana dos dias a 23 e 24 de agosto de 2024, com o título “Executivo destina recursos para o HCI” e a manchete de capa: “HCI recebe novos recursos para o SUS”.

A recorrente sustenta que a divulgação, realizada em período eleitoral, teve caráter promocional da candidatura do atual prefeito, configurando conduta vedada (art. 73 da Lei n. 9.504/97), abuso de poder político e econômico, e uso indevido dos meios de comunicação social (art. 22 da LC n. 64/90).

A sentença julgou a ação improcedente, por entender que: a) não houve prova robusta de repasse ou promessa de repasse; b) a reportagem teve caráter pontual, sem gravidade suficiente para afetar a normalidade do pleito; c) não ficou evidenciado o envolvimento direto dos réus na redação ou difusão da matéria jornalística.

A reportagem apresenta a foto dos representantes da Associação Hospital de Caridade Ijuí – Hospital de Clínicas Ijuí (HCI) – ao lado do então Prefeito de Ijuí, o recorrido Andrei Cossetin Sczmanski, e do Secretário Municipal de Saúde, Márcio Strassburger. Reproduzo:

 

 

Nessa matéria jornalística, a única fonte citada refere-se à fala do presidente do HCI, o médico Douglas Prestes Uggeri, com o seguinte teor: “É muito positivo receber o apoio do Executivo de Ijuí para este projeto, especialmente porque a maior parte dos pacientes internados nesta unidade de longa permanência são moradores do município. Com essas reformas, pretendemos oferecer um ambiente mais confortável e acolhedor para nossos pacientes e seus familiares”.

 

Afirma o recorrente, a partir desse recorte do Jornal, que: a) houve repasses do Município de verbas públicas ao ente hospitalar em período vedado, sem autorização do Poder Legislativo, para a reestruturação de 14 quartos e 29 leitos; b) ocorreu abuso de poder pelo uso promocional da notícia em favor da campanha de reeleição dos recorridos aos cargos do Executivo Municipal; c) foi realizado uso de local de acesso restrito da prefeitura como cenário de foto jornalística, a qual acompanhou a notícia.

Relativamente à prova dos fatos, quanto à destinação de verbas públicas ao hospital, a inicial colaciona dados do portal da transparência pública do site do Poder Legislativo de Ijuí. A partir desse material, a recorrente conclui pela inexistência de projeto de lei autorizando a transferência de recursos para o HCI para “reforma dos quartos da clínica médica do atendimento aos pacientes SUS” (IDs 45848395, 45848396, 45848397, 45848398, 45848399).

Consta dos autos também uma certidão expedida pela Diretora Legislativa Lígia Cargnelutti de que não há registro de projeto de lei originado do Poder Executivo Municipal requerendo autorização para repasse financeiro ao HCI no período entre 01.7.2024 e 06.10.2024 (ID 45848588 e 45848591).

Deferido o pedido de ofício ao HCI e à Prefeitura, a fim de confirmarem a existência da transferência de valores noticiada, o HCI informou que solicitou apoio financeiro ao município, no dia 23.8.2024, na importância de R$ 684.000,00. Todavia, afirmou que não recebeu valores por parte do Município de Ijuí, nem obteve qualquer retorno sobre o pedido de aporte financeiro (ID 45848545).

De igual modo, a Prefeitura de Ijuí informou que o pedido do HCI, protocolado no dia 23.8.2024, tramitou sob o n. 3.244/24, restando negado em razão do período eleitoral. O referido pedido foi arquivado administrativamente em 16.9.2024. Ainda, relata a inexistência de empenho, processo licitatório/dispensa, dotação orçamentária ou repasse de valores relativos ao pedido do HCI (ID 45848546).

Em juízo, o Vereador Cleuton Antunes Rolim, testemunha arrolada pela recorrente, declarou desconhecer a existência de repasses pelo Executivo municipal para as reformas noticiadas pelo Jornal da Manhã de Ijuí, e afirmou que não participou da reunião entre os representantes do ente hospitalar e da prefeitura (ID 45848598).

Também foi ouvido o médico Douglas Uggeri, presidente do HCI, o qual relatou que não recebeu repasse de verbas do Município de Ijuí relacionadas ao projeto de reforma do hospital que havia solicitado em 23.8.2024 (ID 45848599 a 45848604).

Portanto, correta a conclusão da sentença de que não há prova do repasse de valores do ente municipal para a entidade hospitalar na forma em que afirmada na matéria jornalística que fundamenta a inicial.

De outro lado, não merece prosperar a alegação de uso indevido dos meios de comunicação, pois não foram apresentados elementos de prova de que os recorridos tenham tido ingerência na publicação da matéria jornalística, a qual se revelou inverídica.

De se anotar que a ação não foi dirigida contra o jornal e o responsável pela matéria.

De acordo com a conclusão da sentença: “Não há como responsabilizar-se os requeridos pela notícia veiculada pelo Jornal da Manhã, seja porque nada há nos autos no sentido de que eles tenham buscado a publicação como forma de se promover, seja porque a fala ali destacada é do presidente do HCI, não do prefeito candidato à reeleição”.

Não se nega que a matéria tenha trazido reflexos positivos à campanha dos recorridos. Porém, não há provas que conduzam a responsabilidade dos candidatos pela divulgação.

Quanto à insurgência pelo uso indevido do gabinete para foto da reportagem e pela divulgação de fotografia efetuada em local público de acesso restrito, conforme o depoimento judicial do médico Douglas Uggeri, a reunião ocorreu por iniciativa do próprio hospital. A testemunha disse que sequer sabia precisar se houve conferência prévia da notícia pelo departamento de marketing do HCI antes da divulgação.

Não há provas de que a fotografia fora feita para campanha em situação de uso de bem público com finalidade eleitoral ou que a foto tenha sido tirada pelos candidatos com a finalidade de favorecer sua candidatura. A captação da imagem e o seu uso foram realizados por terceiros, estranhos à campanha, com o que resta inviável a responsabilização dos candidatos.

A propósito, a única fonte citada na reportagem é a fala do presidente do HCI, consoante leitura da notícia veiculada na inicial destes autos. A matéria não refere que os candidatos tenham sido ouvidos, fornecido a foto para o jornal ou que tinham ciência prévia de que o fato seria divulgado da forma realizada.

Não há nos autos qualquer prova de que os representados ou algum funcionário da prefeitura tenha revisado o texto da reportagem, interferido na publicação e divulgação da foto e da matéria do jornal.

Aliás, a testemunha Douglas Uggeri asseverou que foram tiradas fotos no hospital e na prefeitura, sem informar o local preciso da foto. Por conseguinte, as razões recursais não são suficientes para afastar a conclusão da sentença de que não há provas de quem registrou o momento, do local da foto, nem do uso promocional da imagem.

Conforme a jurisprudência: “A mera suposição de atuação irregular de servidor público, sem prova robusta e inequívoca, não é suficiente para configurar o abuso de poder político.” (TRE/RS, REl n. 0600635-74.2024.6.21.0008, Relator Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, DJE, 07.3.2025).

Logo, não merece reforma a conclusão da sentença de ausência de prova de influência dos candidatos na redação da notícia. O caderno probatório permite unicamente atribuir a divulgação da notícia à equipe jornalística que acompanhou as reuniões e o protocolo do pedido do HCI junto à Prefeitura.

Com essas considerações, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que a sentença analisou corretamente os fatos e que não restaram comprovadas as práticas de abuso de poder político e econômico, de condutas vedadas e de uso indevido dos meios de comunicação.

DIANTE DO EXPOSTO, afasto a matéria preliminar e VOTO pelo desprovimento do recurso.