REl - 0600534-12.2024.6.21.0081 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/07/2025 às 16:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

O recurso mostra-se tempestivo, visto que interposto no dia seguinte à publicação da decisão que rejeitou os aclaratórios opostos. Mostrando-se adequado à espécie e preenchendo os demais pressupostos atinentes, conheço do apelo.

 

PRELIMINAR

Antes de adentar no mérito do recurso, cumpre suscitar de ofício preliminar de ilegitimidade passiva do Diretório Municipal do PROGRESSISTAS de Quevedos.

O ilícito eleitoral imputado aos recorridos consiste em ação com abuso de poder econômico, político e de uso indevido dos meios de comunicação, referente às Eleições Majoritárias Municipais de 2024, sendo certo que, nesse caso, a ação de investigação judicial eleitoral tem como finalidade impor as sanções de inelegibilidade e de cassação do registro ou do diploma dos candidatos, que só podem ser suportadas por pessoas naturais.

Considerando que é inviável a aplicação, em desfavor dos partidos políticos, das sanções de cassação do registro ou do diploma e de inelegibilidade, eles não são partes legítimas para integrar o polo passivo de ações de investigação judicial eleitoral.

Nesse sentido é a jurisprudência:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. IMPROCEDÊNCIA. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DE PESSOA JURÍDICA FIGURAR EM AIJE. MÉRITO. FRAUDE À COTA DE GÊNERO. ART. 10, § 3º, DA LEI 9.504/97. CANDIDATURA FICTÍCIA. CARACTERIZAÇÃO. PROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO 1. O Presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais negou seguimento ao recurso especial manejado com vistas à reforma do acórdão daquela Corte que, por unanimidade, rejeitou a preliminar de ofensa à dialeticidade; de ofício, acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva do PRTB, para julgar extinto o feito, sem resolução do mérito, em relação ao Partido Renovador Trabalhista Brasileiro; indeferiu todos os pedidos formulados pelo terceiro recorrido em contrarrazões e, no mérito, por unanimidade, negou provimento ao recurso, para afastar a caracterização de fraude à cota de gênero . ANÁLISE DO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL

[...]

3. Esta Corte Superior já se manifestou sobre a ilegitimidade passiva, no âmbito da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), de pessoa jurídica, a exemplo de partido político, para figurar como parte na ação, uma vez que sanções de inelegibilidade e de cassação de registro ou de diploma podem apenas ser suportadas por pessoas naturais.

[...]

CONCLUSÃO Agravo em recurso especial eleitoral ao qual se dá provimento. (TSE - AREspEl: 060017063 BELO HORIZONTE - MG, Relator.: Min. Sergio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 30/03/2023, Data de Publicação: 14/04/2023) (Grifei.)

Desse modo, julgo o feito extinto, sem resolução do mérito, em relação ao Diretório Municipal do PROGRESSISTAS de Quevedos/RS, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil.

Passo a examinar o mérito do apelo.

 

MÉRITO

Como já relatado, a controvérsia dos autos versa sobre verificar eventual ilicitude com relação à reprodução de vídeo nas redes sociais dos recorridos, então candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Quevedos, no dia 30.9.2024, no qual a eleitora MARIA ISOLETE DIAS NÁGERA, irmã do vice-presidente do Diretório Municipal do PROGRESSISTAS de Quevedos, JOÃO ANTÔNIO DIAS NÁGERA (partido da chapa majoritária), prometia a doação da quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Município de Quevedos para conclusão da obra de uma creche municipal, condicionando tal doação à vitória dos referidos candidatos nas Eleições de 2024. Tal conteúdo teve impulsionamento pago entre os dias 2 de outubro e 3 de outubro de 2024.

A fala proferida no vídeo possui o seguinte conteúdo:

Bom dia a todos, meu nome é Maria Isolete e eu sou filha da Eva Dias Nágera que doou o terreno para a creche e, após anos, ainda não foi concluída.

Ao questionar o valor da obra, foi escrito nos meios de comunicação que o valor é 1 milhão e 60 mil. Na live, a prefeita citou outro valor e a sua equipe está divulgando um terceiro valor, ou seja, até agora, ninguém me respondeu qual o valor correto.

Já entendi que vai ser necessário muito mais tempo e dinheiro para concluir, mas o mínimo que eu esperava é que dominassem os números e conseguissem informar corretamente para a população. Educação é fundamental para qualquer município crescer. Eu sou administradora de empresas há mais de 30 anos, estudei nesse município, concluí uma universidade federal, fiz especialização, fiz MBA em gestão empresarial e foi graças à educação que recebi nesse município que construí uma carreira profissional sólida a ponto de hoje estar aqui investindo no município.

Olhei as propostas de todos os candidatos, inclusive vereadores, pois eu não voto em partido, eu voto em pessoas competentes e capazes de fazerem o município evoluir. Até porque, muitas vezes, o prefeito se elege num partido e, devido a conveniências, muda para outro, não é? Posso votar no prefeito em um partido e o vereador no outro.

O importante é eleger um representante que realmente seja capaz de fazer a mudança que o município precisa. O que está funcionando é obrigação não é favor. Prefeito, governador, vereador, deputado, todos são muito bem pagos para fazer o trabalho. E pagos com o dinheiro do povo. E muitos nem fazem corretamente.

Pessoas competentes nunca têm medo de perder o emprego. Todos querem profissionais competentes em suas equipes. Depois que eu vi o relatório da Caixa Econômica Federal apontando as falhas na obra e ao ver a tristeza da minha mãe, tive que me manifestar. Pois eu invisto nesse município para retribuir a educação que aqui recebi.

Tive excelentes professoras que me permitiram chegar onde estou. Acessei a ficha eleitoral de todos os candidatos a prefeito, a vereador, li suas propostas, muitos nem propostas tinham, vi gente jovem que infelizmente nem concluiu o ensino fundamental, sendo que a escola disponibiliza até o EJA. Para um bom administrador seja público ou privado, é fundamental a educação continuada.

Depois de muito pensar, eu decidi que eu vou doar 100 mil reais para ajudar a concluir essa obra. Mas essa administração atual e seus sucessores já perderam a minha confiança. Confiança para mim, é algo muito sério. Depois que quebra a confiança não tem conserto. Eu decidi doar para o candidato que, ao meu ver, fez a campanha limpa, honesta e tem mais competência para administrar esse município que a Thaís e Olimar.

Decidi votar neles vendo como está a administração atual e as propostas que eles apresentam. Meu pai, Firmino Alves Nágera que muitos de vocês devem ter conhecido, sempre nos disse que honestidade não tem preço. Meu avô, Francisco Dias dos Santos, sempre trabalhou para ver esse município crescer. Foi ele quem trouxe o primeiro médico para cá. Ele foi professor, estudava a luz de velas. Não tinha internet naquela época, não. Ele trabalhou muito para que Quevedos tivesse em segundo grau. Meu avô foi a primeira pessoa a falar em emancipação no município ainda quando era distrito. Eu tento honrar esses aprendizados que tive na vida. Então é isso. Thaís e Olimar, se vocês assumirem como administradores desse município no primeiro dia do governo farei essa doação. Mas tenham certeza que eu vou cobrar fortemente para que essa creche beneficie de fato a população pois mães, pais, todos sabem que a educação das crianças é a base para um futuro melhor.

A educação mudou a minha vida e pode mudar a vida de muitos aqui. Isso não é uma doação de campanha. Isso é uma doação para fazerem o que já deveria estar pronto. Obrigada pela atenção

No caso em apreço, restou incontroverso que:

- A eleitora MARIA ISOLETE DIAS NÁGERA, irmã do vice-presidente do Diretório Municipal do PROGRESSISTAS de Quevedos, JOÃO ANTÔNIO DIAS NÁGERA, prometeu doar R$ 100.000,00 para a conclusão de creche municipal, caso os candidatos recorridos fossem eleitos;

- O vídeo foi publicado nas redes sociais de campanha dos candidatos, com impulsionamento pago e alcance relevante;

- A própria autora da promessa afirmou, ao final do vídeo, que “não é doação de campanha” e que a intenção era contribuir para a coletividade, manifestando sua preferência política e preocupação com a conclusão da obra pública.

No entender da Coligação recorrente, houve gravidade no ato em grau suficiente a caracterizar abuso de poder político e econômico, além de uso indevido dos meios de comunicação, pela promessa proferida pela recorrida, com a utilização de seus recursos econômicos, vinculando-se às figuras dos candidatos a prefeito e vice-prefeito TAÍS FABIANE DA MAIA FLORES ROSA e OLIMAR DA SILVEIRA BRAZ, condicionando tal doação ao Município à vitória da chapa majoritária apoiada por ela.

Da capitulação pretendida pela recorrente, preocupou-se o legislador constitucional com os efeitos deletérios que a influência e o uso abusivo de poder (seja político, econômico ou de outra ordem) pudessem exercer no processo eleitoral. Para isso, determinou a criação de um conjunto próprio de normas, por edição de Lei Complementar, com o fito de proteger “a normalidade e a legitimidade das eleições”, notadamente, “contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (conforme previsto na Constituição Federal, art. 14, § 9º).

O abuso de poder encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[...]

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar n. 135, de 2010)

[...]

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar n. 135, de 2010)

Na lição de José Jairo Gomes (GOMES, José Jairo. Direito eleitoral / José Jairo Gomes. - 20. ed., rev., atual. e reform. - Barueri [SP]: Atlas, 2024.) o abuso de poder, especificamente na categorização do poder político, é assim caracterizado:

“O substantivo abuso (do latim abusu: ab + usu) diz respeito a mau uso, uso errado, desbordamento do uso, ultrapassagem dos limites do uso normal, exorbitância, excesso, uso inadequado ou nocivo. Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações ilícitas, irrazoáveis, anormais ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal ou esperado de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que, à luz do Direito, normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade do evento e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para sua apreciação e julgamento; razoável, com efeito, é o que está em consonância com a razão e com os valores em voga.

Já o vocábulo poder, em seu sentido comum, expressa a força bastante, a energia transformadora, a faculdade, a capacidade, a possibilidade, enfim, o domínio e o controle de situações, recursos, estruturas ou meios que possibilitem a realização ou a transformação de algo. Revela-se o poder na força, na robustez, na potencialidade de se realizar algo. Implica a efetiva capacidade de transformar uma dada realidade ou a faculdade de colocar em movimento novas energias ou procedimentos tendentes a modificar um estado de coisas ou uma dada situação.

Na esfera política, em que se destacam as relações estabelecidas entre indivíduos e entre grupos, compreende-se o poder como a capacidade de orientar, condicionar ou determinar o comportamento humano. Isso também se dá por meio de influência ou interferência exercida na mente das pessoas, resultando na conformação da maneira como sentem, agem, pensam, percebem e interpretam as coisas e o mundo à sua volta, o que pode ocorrer tanto no plano individual quanto no coletivo.

No Direito Eleitoral, por abuso de poder compreende-se o mau uso de direito, situação ou posição jurídico-social com vistas a se exercer indevida e ilegítima influência em processo eleitoral. Isso ocorre seja em razão do cerceamento de eleitores em sua fundamental liberdade política, seja em razão da manipulação de suas consciências políticas ou indução de suas escolhas em direção a determinado candidato ou partido político”.

No que respeita especificamente ao abuso de poder econômico, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos, com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

Nas palavras de Rodrigo López Zilio (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral / Rodrigo López Zilio – 10.ed., rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora JusPodivm, 2024.):

“Caracteriza-se o abuso de poder econômico64, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Vale dizer, abuso de poder econômico consiste no emprego de recursos financeiros em espécie ou que tenham mensuração econômica para beneficiar determinado candidato, partido, federação ou coligação, interferindo indevidamente no certame eleitoral.”

O doutrinador, na mesma obra, atribui compreensão ampla ao que a jurisprudência tem entendido como abuso de poder econômico, apresentando várias hipóteses de enquadramento de condutas como abusivas:

“O TSE tem entendido que “o abuso de poder econômico ocorre pelo uso exorbitante de recursos patrimoniais, sejam eles públicos ou privados, de forma a comprometer a isonomia da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de determinada candidatura” (AgR-REspe nº 105717/TO – j. 22.10.2019 – DJe 13.12.2009). Da mesma sorte, para o TSE, configuram atos de abuso de poder econômico: a) “a oferta de valores a candidato, com intuito de comprar-lhe a candidatura” (REspe nº 198-47/RS – j. 03.02.2015 – DJe 04.03.2015); b) “a negociação de apoio político, mediante o oferecimento de vantagens com conteúdo econômico” (AgR-REspe nº 259-52/RS – j. 30.06.2015 – DJe 14.08.2015); c) a utilização de recursos financeiros de pessoa jurídica para a criação e o desenvolvimento de aplicativo de internet para uso em campanha, em benefício de candidato, com estratégias de marketing voltados à cooptação de eleitores (ROEl nº 0605635-14/MG – j. 16.12.2021 – DJe 16.02.2022); d) a promessa prévia e geral de entrega de dinheiro a eleitores no município em caso de vitória seguido do arremesso de dinheiro pela sacada da residência do candidato aos eleitores presentes, logo após o anúncio dos resultados das urnas, hipótese em que o desvalor da conduta se perfaz pelo desrespeito com o processo democrático e independentemente da quantificação do valor distribuído (AgR-REspEl nº 0600679-53/PE – j. 28.04.2022 – DJe 06.05.2022).”

Como se pode perceber, a capitulação dos atos como abusivos não é definida a partir de condutas taxativas, mas pela sua capacidade do comportamento de extrapolar o exercício regular e legítimo da capacidade econômica ou de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito. E essa quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade dessa conduta ser capaz de alterar de forma derradeira a normalidade da campanha, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente. Isso encontra-se sedimentado na jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO. CONDUTAS VEDADAS A AGENTES PÚBLICOS. PARTICIPAÇÃO EM INAUGURAÇÃO DE OBRAS PÚBLICAS. INOCORRÊNCIA. TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA DE RECURSOS. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL MISTA EM PERÍODO PROIBIDO. PROVAS ROBUSTAS. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE APTA A ENSEJAR CONDENAÇÃO EM AIJE. APLICAÇÃO DE PENA DE MULTA. PROVIMENTO PARCIAL.

[...]

8. As condutas apuradas, não obstante, não reúnem gravidade suficiente a autorizar a condenação em sede de AIJE, uma vez não possuem o condão de comprometer, in totum, o equilíbrio relativo entre os competidores e, assim, prejudicar, por completo, a validade do pleito. (RO n. 0001768-80.2014.6.03.0000/AP, Ministro Edson Fachin, DJe de 7 de abril de 2021).

Ainda, a utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre quando um veículo de comunicação social deixa de observar a legislação e tal ato resulta em benefício eleitoral a candidato, partido ou coligação.

Trago, aqui, a doutrina de Edson Resende de Castro a respeito do tema (CASTRO, Edson de Resende. Curso de direito eleitoral / Edson Resende Castro. – 11. ed. rev. e atual – Belo Horizonte: Del Rey, 2022.):

A utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre sempre que um veículo de comunicação social (v.g., rádio, jornal, televisão) não observar a legislação de regência, causando benefício eleitoral a determinado candidato, partido ou coligação.

[...]

O uso indevido dos meios de comunicação social pode ocorrer através da participação ativa ou da anuência do veículo de comunicação social no ilícito praticado (v.g., o jornal é transformado em um sistemático agente de propaganda eleitoral de determinado candidato), bem como por meio da utilização desse meio de comunicação social sem o seu conhecimento ou anuência para o cometimento do ilícito (v.g., o jornal é ardilosamente utilizado, sem o seu conhecimento, como meio de propaganda eleitoral para determinada candidatura).”

Com essa contextualização normativa, jurisprudencial e doutrinária, passo ao exame da moldura fático-probatória.

Do cotejo da narrativa trazida na inicial diante do conjunto probatório reunido aos autos, não é possível concluir pela prática de qualquer conduta eleitoralmente abusiva ou ilegal com gravidade suficiente para macular a regularidade do pleito e o equilíbrio da disputa eleitoral.

Isso porque, ao analisar o vídeo com a fala da recorrida, não verifiquei qualquer conduta que pudesse ser enquadrada como de elevada reprovabilidade e que demonstrasse o uso indevido de recursos financeiros a fim de alavancar a candidatura dos recorridos à chefia do Poder Executivo do Município de Quevedos.

Tenho que a publicação impugnada carrega uma crítica à então Administração do Município diante da inconclusão de obra pública (conforme se extrai do trecho “ao questionar o valor da obra, foi escrito nos meios de comunicação que o valor é 1 milhão e 60 mil. Na live, a prefeita citou outro valor e a sua equipe está divulgando um terceiro valor, ou seja, até agora, ninguém me respondeu qual o valor correto”).

O envolvimento da declarante com a obra é evidente, visto que sua família havia doado o terreno onde seria instalada a escola. Portanto, a promessa de doação está muito mais vinculada ao desejo de ver a obra pública concretizada, do que de tentativa de condicionar o voto do eleitor (a título de exemplo, destaco o trecho: “depois de muito pensar, eu decidi que eu vou doar 100 mil reais para ajudar a concluir essa obra. Mas essa administração atual e seus sucessores já perderam a minha confiança. Confiança para mim, é algo muito sério. Depois que quebra a confiança não tem conserto. Eu decidi doar para o candidato que, ao meu ver, fez a campanha limpa, honesta e tem mais competência para administrar esse município que a Thaís e Olimar”).

Portanto, não se pode concluir que tal discurso ostente gravidade suficiente a configurar abuso de poder econômico a fim de ver desconstituído o mandato eletivo concedido aos demandados.

A análise do conteúdo do vídeo evidencia tratar-se de manifestação espontânea de eleitora, sem qualquer indício de promessa de vantagem pessoal, individualizada ou dirigida a eleitor determinado, mas sim promessa genérica de benefício à coletividade, desvinculada de pedido explícito de votos ou de qualquer contraprestação pessoal.

A jurisprudência do Tribunal Superior afasta a incidência do abuso de poder econômico em hipóteses de promessas genéricas de benefício coletivo, sem direcionamento a interesses privados ou individuais:

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL ACÓRDÃO AGRAVO REGIMENTAL RECURSO ESPECIAL ELEITORAL (11549) Nº 0600285–20.2020.6.10. 0045 (PJe) – PENALVA – MARANHÃO Relator.: Ministro Raul Araújo Agravante: Coligação Aliança por uma Penalva de Respeito Advogados: Socrates Jose Niclevisk – OAB/MA 11138 e outra Agravados: Ronildo Campos Silva e outro Advogada: Maria Sandra Ferreira – OAB/MA 8422 ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. AIJE. PREFEITO E VICE–PREFEITO ELEITOS. ABUSO DOS PODERES POLÍTICO E ECONÔMICO. IMPROCEDÊNCIA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. DISCURSO EM QUE SE DIRIGE A LÍDERES RELIGIOSOS, PROMETENDO, SE REELEITO, AJUDA MATERIAL ÀS IGREJAS. AUSÊNCIA DE ILÍCITO. AGRAVO INTERNO QUE NÃO APRESENTA ARGUMENTOS APTOS A COMBATER OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. NEGADO PROVIMENTO AO AGRAVO INTERNO. 1. No caso, conforme descrito no acórdão regional, em 26 .10.2020, no comitê eleitoral dos agravados, foi realizado um culto ecumênico, no qual o candidato à reeleição para o cargo de prefeito reuniu representantes de diversas organizações religiosas para fazer promessas genéricas de campanha. 2. O abuso do poder econômico requer o uso desmedido de aporte patrimonial em prol da candidatura, capaz de comprometer a legitimidade do pleito, o que não ocorreu na espécie, pois nenhum terreno foi doado, de acordo com a moldura fática descrita no acórdão. Dessa forma, não ficou demonstrado de que forma ocorreu a desproporcional vantagem eleitoral advinda de recursos financeiros, públicos ou privados. 3. O abuso do poder político caracteriza–se quando o agente público, “[...] valendo–se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade e a legitimidade da disputa eleitoral em benefício de candidatura própria ou de terceiros [...]” (REspEl nº 0000408–98/SC, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 9.5 .2019, DJe de 6.8.2019). 4. O TSE já assentou que promessas genéricas, dirigidas a uma coletividade, sem o objetivo de satisfazer interesses individuais e privados, não configuram ilícito eleitoral. Precedente. 5. Na espécie, o agravado, ainda que tenha feito referência à sua atuação como gestor público do município, o fez na condição de candidato à reeleição, lançando mão de promessas genéricas dirigidas a uma coletividade, de modo que inexistem elementos aptos a configurar o imputado abuso do poder político. 6. Alicerçada a decisão combatida em fundamentos idôneos, não merece ser provido o agravo interno, tendo em vista a ausência de argumentos hábeis a modificá–la. 7. Negado provimento ao agravo interno. (TSE - REspEl: 06002852020206100045 PENALVA - MA 060028520, Relator: Min. Raul Araujo Filho, Data de Julgamento: 25/05/2023, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 156)

Ademais, ainda que o vídeo tenha alcançado número expressivo de visualizações nas redes sociais, tanto de forma impulsionada, como organicamente, não há nos autos elementos seguros que demonstrem que tal exposição tenha sido capaz de desequilibrar o pleito ou comprometer a paridade de armas entre os candidatos. Ressalto que, conforme destacado em primeiro grau e no parecer ministerial, a análise do impacto eleitoral deve ser pautada por provas concretas, e não por ilações sobre o alcance potencial de publicações ou de perfilamento em redes sociais.

Ainda, quanto ao suposto abuso de poder político, o simples vínculo de parentesco entre a autora da promessa e dirigente partidário não configura, por si só, abuso de poder político, visto que o TSE exige, para a configuração do ilícito, que a estrutura da Administração Pública seja utilizada em benefício de determinada candidatura ou que comprometa a igualdade da disputa eleitoral. Vejamos o que diz a jurisprudência citada em acórdão originário do TRE-PA:

ELEIÇÕES 2020. RECURSO ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. AUSÊNCIA DE PROVA. JURISPRUDÊNCIA DO TSE. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA. 1. O abuso de poder político se caracteriza quando determinado agente público, valendo-se de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, compromete a igualdade da disputa eleitoral e a legitimidade do pleito em benefício de sua candidatura ou de terceiros. 2. O TSE permanece fiel à sua jurisprudência segundo a qual "o abuso do poder político qualifica-se quando a estrutura da administração pública é utilizada em benefício de determinada candidatura, para prejudicar a campanha de eventuais adversários ou para coagir servidores a aderirem a esta ou àquela candidatura" (Ac.-TSE, de 5.4.2017, no RO nº 265041). 3. A jurisprudência do TSE é firme no sentido de que deve haver participação direta do réu nos atos de abuso de poder, de modo a viabilizar a aplicação de inelegibilidade, uma vez tratar-se de "sanção" de caráter personalíssimo. 4. Conhecimento e provimento do recurso. Sentença reformada. Improcedência da ação. (TRE-PA - RE: 06004053320206140019 MONTE ALEGRE - PA 06004053320206140019, Relator.: CARINA CÁTIA BASTOS DE SENNA, Data de Julgamento: 10/11/2022, Data de Publicação: DJE-16, data 23/01/2023)

Portanto, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, tenho que não foi cumprida a exigência de demonstração da gravidade das circunstâncias do caso concreto, a ser aferida sob os aspectos qualitativo (alto grau de reprovabilidade da conduta) e quantitativo (significativa repercussão capaz de afetar a legitimidade e normalidade do pleito), para a configuração do ato como abusivo (seja econômico, político ou midiático), devendo ser mantida a sentença de improcedência da AIJE em seus exatos termos.

Ante o exposto, VOTO por acolher a preliminar de ofício para julgar o feito extinto, sem resolução do mérito, em relação ao Diretório Municipal do PROGRESSISTAS de Quevedos/RS e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela COLIGAÇÃO TRABALHO E COMPROMISSO PARA QUEVEDOS AVANÇAR.