REl - 0600382-51.2024.6.21.0149 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/07/2025 00:00 a 11/07/2025 23:59

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, cuida-se de recurso interposto por LUCAS DE FREITAS PEREIRA candidato ao cargo de vereador nas Eleições de 2024 no Município de Três Coroas/RS, contra sentença do juízo da 149ª Zona Eleitoral de Igrejinha/RS, que desaprovou suas contas, em razão da ausência da comprovação de gasto realizado com recurso do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, e determinou o recolhimento do valor de R$ 9.000,00 ao Tesouro Nacional.

Com efeito, a Unidade Técnica registrou, nos itens 5.1 e 5.2 do seu Parecer Conclusivo (ID 45868707), que o candidato excedeu o limite de 2% dos gastos contratados ao constituir “Fundo de Caixa” com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), acrescentando que não houve comprovação de que os recursos foram sacados por cartão de débito ou cheque nominativo ao sacador, como exigido pela legislação eleitoral. Ademais, consignou que o candidato realizou pagamentos, em espécie, utilizando-se, para tanto, de verbas oriundas do FEFC.

Constou do referido Parecer Conclusivo:

5. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADE

(...)

Observados os Procedimentos Técnicos de Exame - PTE do Tribunal Superior Eleitoral, foram identificados os seguintes indícios:

5.1 Extrapolação do limite de 2% dos gastos contratados para formação do Fundo de Caixa, utilizando-se de recursos do FEFC bem como extrapolação do limite de despesas passíveis de serem pagas com Fundo de Caixa e Não comprovação de uso de cartão de débito ou cheque nominativo ao sacador para a formação do Fundo de Caixa utilizando recursos do FEFC (art. 39, I e III da Res. TSE 23.607/2019);

5.2 Pagamento de despesas com dinheiro em espécie utilizando recursos do FEFC (art. 38 da Res. TSE 23.607/2019”

 

Já a sentença consignou:

(...)

Apesar de não haver indícios de omissões de despesas ou de gastos a partir dos batimentos entre os diversos sistemas de fiscalização disponibilizados à Justiça Eleitoral, a unidade técnica apontou que o candidato recebeu R$ 15.000,00 de recursos públicos originários do FEFC, tendo sacado em espécie deste montante a quantia de R$ 9.000,00 em duas oportunidades (24 e 25/09/2024).

A unidade técnica, também, percebeu a declaração do candidato de pagamentos a fornecedores em dinheiro no valor total de R$ 9.000,00. - grifei

 

Sem razão, o recorrente.

De início, registro que a parte recorrente alega ter enfrentado problemas bancários, mas não comprovou, documentalmente, qualquer tentativa de resolução dos impasses tampouco comunicou previamente a situação ao juízo eleitoral, ficando, quanto a esse tópico, registrado expressamente na sentença que “eventuais problemas entre o candidato e a instituição bancária não foram reportados a este Juízo Eleitoral responsável pela fiscalização das contas, nem há provas das tentativas de resolução do fato”,  circunstância que inviabiliza eventual autorização excepcional.

Ademais, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece, em seu art. 38, os meios admissíveis para a movimentação de recursos de campanha, notadamente quando se trata de verbas públicas, cuja destinação deve atender a critérios rigorosos de transparência, rastreabilidade e controle por parte da Justiça Eleitoral, verbis:

Art. 38. A movimentação dos recursos de campanha eleitoral deve observar as seguintes formas:

I – emissão de cheque nominal e cruzado;

II – transferência bancária entre contas do mesmo banco, com a identificação do CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta;

IV – utilização de cartão de débito vinculado à conta bancária da campanha;

V – PIX, desde que vinculada a chave associada ao CPF ou CNPJ do beneficiário.

 

Extrai-se, do exame da norma em epígrafe, que se revela vedado o pagamento de despesas em espécie utilizando-se de recursos oriundos do FEFC.

A exceção a essa regra somente se revela admissível quando constituído “Fundo de Caixa”, conforme previsão do art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17.

Aliás, a jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que o pagamento em espécie de despesas das campanhas eleitorais somente se revela admissível quando constituído o referido fundo.

Nesse sentido, cito o seguinte julgado desta Corte:

 

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2022. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO NÃO ELEITO . IRREGULARIDADE NA COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. I . CASO EM EXAME 1.1. Prestação de contas de candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente às Eleições Gerais de 2022. 1 .2. A Secretaria de Auditoria Interna emitiu parecer conclusivo pela desaprovação, apontando irregularidades na comprovação de gastos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO 2 .1. A questão em discussão consiste em determinar se a realização de despesas de campanha por meio de saques eletrônicos, em contrariedade ao art. 38 da Resolução TSE n. 23 .607/19, é irregularidade apta a ensejar a desaprovação das contas. III. RAZÕES DE DECIDIR 3.1 . O art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe que os gastos eleitorais devem ser efetuados com identificação do beneficiário, sendo vedada a utilização de saques eletrônicos para pagamento de despesas de campanha, excetuados casos de pequeno valor, que neste processo não se aplicam. 3.2. Resta caracterizada a irregularidade em relação à maneira utilizada para a quitação dos gastos eleitorais, ou seja, saque de recursos da conta do FEFC e pagamento em espécie, o que impede a rastreabilidade dos valores e a confirmação acerca do efetivo destinatário dos recursos. 3 .3. As falhas apuradas representam 93,03% do montante de recursos arrecadados, superando, assim, os parâmetros de R$ 1.064,10 e de 10% da movimentação financeira, admitidos pela jurisprudência como um “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância”, sendo adequado, razoável e proporcional, no presente caso, o julgamento pela desaprovação das contas. e o recolhimento ao Tesouro Nacional, com base nos arts . 74, inc. III, e 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 . (...) (TRE-RS - PCE: 06032763020226210000 PORTO ALEGRE - RS 060327630, Relator.: Francisco Thomaz Telles, Data de Julgamento: 21/11/2024, Data de Publicação: DJE-326, data 26/11/2024) (Grifei.)

 

Assim, tendo sido constatado, na hipótese destes autos, o pagamento de despesas em espécie, utilizando-se para tanto os recursos do FEFC, fica evidenciada a ofensa ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, a embasar o apontamento da falha grave na prestação de contas, por não ser caso de constituição de “Fundo de Caixa”. Isso porque, no caso em apreço, os saques em espécie, no montante de R$ 9.000,00, representaram 56,91% do total dos gastos contratados (R$ 15.815,00), conforme apurado pela unidade técnica. Tal percentual, contudo, não permite que o montante seja enquadrado como “Fundo de Caixa.

Com efeito, o “Fundo de Caixa”, que é a reserva em dinheiro, destinado ao pagamento de despesas de pequeno vulto, previsto no art. 39 da Resolução TSE n. 23.607/19, somente pode ser utilizado para despesas de pequeno valor, e limitado a 2% do total de gastos contratados, sem possibilidade de recomposição, justamente para evitar distorções no controle de gastos com recursos públicos, verbis:

 

(...)

Art. 39. Para efetuar pagamento de gastos de pequeno vulto, o órgão partidário e a candidata ou o candidato podem constituir reserva em dinheiro (Fundo de Caixa), desde que:

I - observem o saldo máximo de 2% (dois por cento) dos gastos contratados, vedada a recomposição;

II - os recursos destinados à respectiva reserva transitem previamente pela conta bancária específica de campanha;

III - o saque para constituição do Fundo de Caixa seja realizado mediante cartão de débito ou emissão de cheque nominativo em favor da(o) própria(o) sacada(o).

Parágrafo único. A candidata ou o candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa.

Art. 40. Para efeito do disposto no art. 39 desta Resolução, consideram-se gastos de pequeno vulto as despesas individuais que não ultrapassem o limite de meio salário mínimo, vedado o fracionamento de despesa.

Parágrafo único. Os pagamentos de pequeno valor realizados por meio do Fundo de Caixa não dispensam a respectiva comprovação na forma do art. 60 desta Resolução. (Grifei.)

 

A propósito, sobre o tema, o seguinte precedente desta Corte:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. CARGO DE DEPUTADO ESTADUAL . OMISSÃO DE RECEITAS. DOAÇÃO NÃO DECLARADA. FUNDO DE CAIXA. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE LEGAL. DIVERGÊNCIA ENTRE DECLARAÇÃO E EXTRATOS BANCÁRIOS. SAQUES ELETRÔNICOS. NOTAS FISCAIS NÃO DECLARADAS. DOCUMENTOS NÃO CANCELADOS . RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. APLICAÇÃO IRREGULAR DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS. VIOLAÇÃO AO ART . 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. ALTO PERCENTUAL DAS IRREGULARIDADES . DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos relativos às eleições gerais de 2022 . 2. Omissão de receita. Doação recebida e não declarada. A doação está disponível no DivulgaCandContas, de modo que não procede o argumento defensivo no sentido de que o candidato não teria recebido a referida doação, sobretudo por se tratar de mera alegação, desacompanhada de qualquer comprovação . 3. Constituição de fundo de caixa em valor superior ao permitido. A constituição do Fundo de Caixa deve se limitar ao equivalente a 2% do total de gastos contratados, vedada sua recomposição, nos termos do art. 39, inc . I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, o valor declarado a título de constituição de Fundo de Caixa superou o percentual regulamentar, inviabilizando a fiscalização da destinação do montante de recursos públicos utilizados para pagamento de despesas declarado pelo candidato. 4. Divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela constante nos extratos bancários, em inobservância ao art. 53, inc. I, al . g, e inc. II, al. a, da Resolução TSE n. 23 .607/19. Realizados saques eletrônicos em modalidade diversa das previstas no art. 38 da mesma Resolução e em valores superiores aos pagamentos informados. Realização de transferências bancárias não declaradas no SPCE nem comprovadas mediante documentos fiscais idôneos . 5. Ausência de declaração de documentos fiscais à Justiça Eleitoral. Deixando de apresentar as notas fiscais emitidas contra o CNPJ da campanha do candidato e/ou providenciar o necessário cancelamento (art. 59 da Resolução TSE n . 23.607/19), o documento não pode ser desconsiderado. Impossibilidade de identificação do fornecedor como beneficiário de pagamentos no extrato bancário. Existentes notas fiscais emitidas contra o CNPJ do candidato, que não transitaram pelas contas de campanha, é inviável verificar a origem da verba utilizada para pagamento das despesas omitidas, razão pela qual resta configurada a utilização de recursos de origem não identificada – RONI, conforme o art . 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19 . Nos termos do art. 79, caput, da citada Resolução, os recursos de tal natureza devem ser devolvidos ao Tesouro Nacional. 6. Despesas pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) sem identificação do fornecedor . Ausentes dados de CPF ou CNPJ nos extratos bancários disponibilizado pelo TSE e documentação bancária comprovando o destinatário dos recursos. As retiradas da conta bancária ocorreram mediante saque eletrônico, operação que não permite a aferição dos seus beneficiários, ferindo o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23 .607/19, que prevê apenas a emissão de cheque nominal e cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ da beneficiária ou do beneficiário, débito em conta, cartão de débito da conta bancária, ou PIX, somente se a chave utilizada for o CPF ou o CNPJ. Falha de natureza grave, uma vez que há o emprego de verbas de natureza pública, e insanável, considerando–se não ter sido reparada pelas informações fornecidas na diligência da norma supracitada. Recolhimento de valores ao erário (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n . 23.607/19). 7. As irregularidades representam 83,03% da receita declarada pelo candidato, atraindo o juízo de desaprovação das contas, com a determinação de recolhimento do valor apontado como irregular, conforme art . 79, caput e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. 8 . Desaprovação. Recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - PCE: 0602157-34.2022 .6.21.0000 PORTO ALEGRE - RS 060215734, Relator.: Volnei Dos Santos Coelho, Data de Julgamento: 31/01/2024, Data de Publicação: DJE-26, data 15/02/2024) (Grifei.)

 

Dessa forma, tendo sido comprovada a utilização de recursos em espécie, para adimplemento de despesas de campanha, mas não sendo o caso vertente, de constituição de “Fundo de Caixa”, a desaprovação das contas é medida que se impõe.

O total das irregularidades foi de R$ 9.000,00 e corresponde a 56,91% do total de recursos recebidos (R$ 15.815,00), nominalmente superior a R$ 1.064,10, parâmetro de aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade e acima proporcionalmente a 10% do montante total arrecadado, para aprovação das contas com ressalvas, de modo que deve ser mantido o juízo de desaprovação, bem como a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.