REl - 0600524-21.2024.6.21.0031 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/07/2025 00:00 a 11/07/2025 23:59

VOTO

Preliminar de Citação dos Herdeiros ou Sucessores em razão do falecimento do Prestador

Em razão do falecimento do prestador, haveria, em princípio, necessidade da citação do espólio ou dos seus sucessores para integrarem a lide a teor do que preconiza o art. 110 do CPC, por ter-se presente eventual  condenação daqueles no recolhimento de recursos ao Tesouro Nacional.

Contudo, penso que se trata de providência sem utilidade efetiva no presente caso, pois o encaminhamento do voto, como adiante se verá, será pelo provimento do recurso a fim de considerar sanadas as irregularidades e afastada a determinação de recolhimento dos valores.

Desse modo, uma vez confirmado o resultado do julgamento em tal linha, o chamamento do espólio e eventuais sucessores resultaria inócuo, apenas acarretando ônus desnecessários às partes e à própria Justiça Eleitoral na medida em que haveria de praticar atos que, ao final e ao cabo, revelar-se-iam absolutamente inúteis.

Exatamente nesse sentido, por sinal, já decidiu este egrégio Tribunal, cujo venerando acórdão restou assim ementado (os grifos do signatário):

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEITO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. SUPOSTO RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. PRELIMINARES. EXTINÇÃO DO PROCESSO EM RAZÃO DO FALECIMENTO DO PRESTADOR DE CONTAS. CITAÇÃO DOS HERDEIROS OU SUCESSORES. NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA. AFASTADAS. MÉRITO. RECEITAS E DESPESAS ELEITORAIS NÃO DECLARADAS. COMPROVADA A ORIGEM DOS RECURSOS UTILIZADOS PARA A QUITAÇÃO DAS DESPESAS. PATRIMÔNIO PESSOAL DO PRESTADOR. DEMONSTRADA AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. FALHA GRAVE. INVIABILIDADE DE INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

2. Preliminares. 2.1. Afastada a preliminar de extinção do processo em razão do falecimento do prestador de contas. Pela regra do § 9º do art. 48 da Resolução TSE n. 23.553/17, a coisa julgada poderá se formar após o falecimento, caso o recurso pendente de julgamento seja desprovido. Improcedente o argumento de que a penalidade ultrapassaria a pessoa do prestador, transmitindo-se aos seus sucessores, pois a obrigação de devolução dos valores recebidos à margem da legislação eleitoral incidiria, não sobre o patrimônio dos sucessores, mas sobre o acervo hereditário, como dívida da herança. O falecimento não inviabiliza o exercício do contraditório, visto que o prestador teve acesso e exerceu o direito ao duplo grau de jurisdição, ao interpor o recurso e expor os argumentos para reforma da sentença. Ademais, com a determinação de intimação do administrador financeiro, poderá aduzir e prosseguir no feito, sem prejuízo à ampla defesa ou contraditório. 2.2. Afastada a preliminar de citação dos herdeiros ou sucessores. Na hipótese, trata-se de providência sem utilidade efetiva, pois o encaminhamento do voto é pelo provimento do recurso, a fim de considerar saneadas as irregularidades e afastar a determinação de recolhimento de valores. Uma vez confirmado o resultado do julgamento nessa linha, o chamamento de possíveis sucessores patrimoniais resultaria inócuo, apenas trazendo ônus desnecessário às partes e à própria Justiça Eleitoral, em diligências e identificação, localização e comunicação sem resultado prático sobre o deslinde do feito. (Grifei.) (TRE-RS - 0600326-35.2020.6.21.0124 - Alvorada-RS, Relator Des. Francisco José Moesch, Data de Julgamento: 31/03/2022)

 

Com esses argumentos, proponho que se desconsidere a necessidade de citação dos herdeiros ou sucessores do prestador de contas no caso concreto, uma vez que, vale enfatizar, revelar-se-ia, ao final e ao cabo, providência de nenhuma valia.

 

Mérito

Como relatado, ILLO CILLO MULLER interpôs recurso visando a reformar sentença que desaprovou suas contas e determinou o recolhimento de R$ 2.303,00 ao Tesouro Nacional, pelo uso inadequado de verbas do FEFC no adimplemento de despesa com atividade de militância, sem o detalhamento da carga horária em contrato e justificativa quanto ao preço fixado.

À luz dos elementos que informam os autos, rogando vênia a douta Procuradoria Regional Eleitoral que concluiu pelo contrário, tenho assistir razão ao recorrente.

Não se olvida que o art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19, em seu § 12º, determina que as contratações de pessoal especifiquem, dentre outros pontos, a quantidade de horas trabalhadas e justifiquem o valor acordado entre as partes.

Todavia, em julgamentos sobre o tema em questão, este Tribunal tem reiteradamente entendido que a ausência dos requisitos do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19 não tem o condão, por si só, de macular a regularidade das contas quando presentes outros elementos que permitam inferir tais informações, sem obstar a fiscalização da Justiça Eleitoral (PCE n. 060303034, Acórdão, Relator: Desembargador Voltaire de Lima Moraes, DJE de 10.07.2023).

No caso dos autos, o contrato firmado pelas partes tinha por objetivo a prestação do serviço de alavancar a candidatura do contratante, constando, no contrato, o  período de vigência e o local em que exercido o serviço.

A roborar, consta impresso identificando a despesa e recibo dando conta do pagamento subscrito pelo prestador.

Em consulta ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais desta Justiça Especializada, por outro lado, verifica-se que a quantia foi destinada ao fornecedor contratado.

Desse modo, merecem ser mitigadas as exigências relativas à especificação da jornada de trabalho. Em que pese relevante e necessária sua estipulação no instrumento contratual, tenho que, nas circunstâncias, sua ausência não tem o condão de conduzir à glosa da despesa, tendo em vista que a documentação apresentada pelo candidato converge para a efetiva prestação do serviço. 

Além disso, o valor eleito como contraprestação para um mês de trabalho revela-se  módico, pouco acima de um salário mínimo, o que mitiga a importância da especificação da carga horária para se aferir a justeza do pacto celebrado.

Em tal cenário, tenho que o vício, conquanto existente e apto a ensejar a aposição de ressalvas, reveste-se, de qualquer sorte,  de mera irregularidade formal, não inviabilizando o controle da movimentação financeira de campanha ou malferindo a transparência da contabilidade do candidato.

Em linha, seguem ementas de arestos deste Tribunal em que alcançado o mesmo entendimento quanto à prescindibilidade de alguns requisitos do art. 35, § 12º, da Resolução TSE n. 23.607/19, quando presentes elementos a garantir a fidedignidade do declarado pelo prestador:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. DEPUTADO ESTADUAL. CONTRATAÇÃO DE PESSOAL. PANFLETAGEM. EQUIPE DE MOBILIZAÇÃO DE RUA. RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC) E DO FUNDO PARTIDÁRIO (FP). FALTA DE DETALHAMENTO. INOBSERVÂNCIA DO ART. 35, § 12, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FALHA FORMAL. NÃO PREJUDICADA A FISCALIZAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL. PAGAMENTO DE GASTOS COM COMBUSTÍVEIS COM VERBA DO FUNDO PARTIDÁRIO. AUSENTE INSTRUMENTO DE CESSÃO DE VEÍCULO. IRREGULARIDADE CARACTERIZADA. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Prestação de contas de candidato não eleito ao cargo de deputado estadual referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições de 2022. 2. Inconsistências na contratação de pessoal (panfletagem e coordenação de equipe de mobilização de rua) custeada com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC e do Fundo Partidário, em razão do oferecimento de documentação que não indica a integralidade dos elementos mencionados no § 12 do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19. Ausência de referência ao local de trabalho e juntada de contratos sem assinatura ou ilegíveis. Entretanto, é possível presumir que cada contratado exerceu as atividades no município de residência, o que, somado à diversidade de funções indicada nas pactuações, justifica as diferenças entre preços contratados, todos dentro da normalidade para a remuneração das atividades de militância e mobilização de rua. As diferentes atividades executadas também justificam remuneração em valores diversos repassados aos prestadores de serviço. Supridas as falhas relativas aos contratos sem assinatura ou ilegíveis com a apresentação das avenças de prestação de serviços, admitidas como provas no processo em prestígio da boa–fé, por não haver elemento que indique que sua confecção ocorreu em momento posterior à indicação das irregularidades no exame das contas. A ausência de indicação de todos os elementos necessários nos contratos configura impropriedade, mas não obstou a fiscalização da Justiça Eleitoral. Falha meramente formal. Afastada a necessidade de recolhimento de valores ao erário. Nesse sentido, precedente deste Tribunal. 3. Emprego de verbas do Fundo Partidário para pagamento de gastos com combustíveis sem o correspondente registro de locação, cessão de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia. Descumprimento ao art. 35, § 11, da Resolução TSE n. 23.607/19. Documentos apresentados inábeis para comprovar a cessão temporária de veículos em favor do prestador, pois ausente o instrumento de cessão. Irregularidade caracterizada. Determinação de recolhimento dos valores irregulares ao Tesouro Nacional. 4. A irregularidade não superada representa 8,61% do total das receitas declaradas na campanha, sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na linha do que vem decidindo este Tribunal Regional e o Tribunal Superior Eleitoral. 5. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - PCE: 0603030-34.2022.6.21.0000 PORTO ALEGRE - RS 060303034, Relator: Voltaire De Lima Moraes, Data de Julgamento: 06/07/2023, Data de Publicação: DJE-123, data 10/07/2023) (Grifei.)

 

ESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO NÃO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. UTILIZAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO ESPECIAL DO FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS FISCAIS COMPROBATÓRIOS DE GASTOS COM FORNECEDOR. FALHAS NOS COMPROVANTES DE GASTOS COM PESSOAL. MILITÂNCIA. DOCUMENTO FISCAL SEM A DESCRIÇÃO ADEQUADA DO OBJETO CONTRATUAL. FALHAS PARCIALMENTE SANADAS. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM ELEVADO VALOR E PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO. 1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022. 2. Aplicação irregular de verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. 2.1. Ausência de documentos fiscais comprobatórios dos gastos. Sanada a falha com relação a fornecedores em que foi possível a identificação de documentos fiscais disponibilizados no Sistema de Divulgação de Contas. Persistência, entretanto, de irregularidade em dispêndio com fornecedor sem comprovação, por documento fiscal, da totalidade do valor constante nos extratos bancários eletrônicos. Caracterizada irregularidade por descumprimento ao art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, devendo a importância ser ressarcida ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 79 do mesmo diploma normativo. 2.2. Falhas nos comprovantes de gastos com pessoal. Inconsistências referentes a atividades de militância e mobilização de rua. Pagamento bancário ao fornecedor dos serviços, mediante PIX, cuja chave é o número de CPF do beneficiário. Documento bancário sem o registro de quaisquer informações adicionais atinentes ao fato gerador do pagamento. Ainda que o art. 60, § 1º, da Resolução n. 23.607/19 admita “qualquer meio idôneo de prova” dos gastos, o mero comprovante bancário de pagamento, sem informações adicionais, não basta para comprovar dispêndio com pessoal, máxime quando o pagamento é efetuado com verbas públicas. Configurada a irregularidade no emprego de recursos do FEFC, impondo o recolhimento dos valores aos cofres públicos. Sanado o apontamento com relação a prestador de serviço cuja falha está adstrita a “Local de trabalho não especificado” e “Horas trabalhadas não informadas”. Juntado o contrato para a prestação do serviço subscrito no local de residência do contratado e do contratante. Este Tribunal já relevou a ausência de referência expressa ao local de prestação dos serviços em contratos de militância e propaganda de rua quando havia convergência entre outros elementos presentes no contrato, não existindo motivo discrepante para se presumir que o trabalho seria realizado em cidade diversa. Do mesmo modo, ainda que a especificação da jornada de trabalho seja relevante e necessária no instrumento contratual, no caso, sua ausência não tem o condão de conduzir à glosa da despesa, tendo em vista que a documentação apresentada pelo candidato converge para a efetiva prestação do serviço. 3. A soma das falhas não superadas corresponde a 45,8% da receita total declarada pelo candidato, impondo–se a reprovação das contas, em razão do elevado valor manejado irregularmente. 4. Desaprovação. Recolhimento ao Tesouro Nacional. (TRE-RS - PCE: 0602920-35.2022.6.21.0000 PORTO ALEGRE - RS 060292035, Relator: CAETANO CUERVO LO PUMO, Data de Julgamento: 03/08/2023, Data de Publicação: DJE-143, data 07/08/2023) (Grifei.)

 

Em suma, tenho que a irregularidade apontada não obstaculizou a fiscalização do caderno contábil ou o tenha maculado de forma significativa, devendo, por conseguinte, ser acolhida a irresignação do recorrente no sentido de afastar a determinação de recolhimento, com a aprovação das suas contas com ressalvas.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso para afastar a determinação concernente ao recolhimento da cifra determinada na sentença, dando-se as contas por aprovadas com ressalvas.

É o voto.