REl - 0600466-51.2024.6.21.0117 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/07/2025 00:00 a 11/07/2025 23:59

VOTO

Da Admissibilidade 

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Da Ilegitimidade Passiva

Preliminarmente, reconheço a ilegitimidade passiva do Diretório Municipal do Partido Liberal de Não-Me-Toque e da empresa Propalare Serviços Ltda.

As consequências jurídicas da presente espécie de ação são restritas à cassação do registro ou diploma e à sanção de inelegibilidade às pessoas físicas. Assim, é inviável que partido, coligação, federação ou qualquer outra pessoa jurídica integre o polo passivo da demanda, uma vez que não podem sofrer qualquer das consequências próprias desse meio processual.

Com esse posicionamento, colho julgado deste Tribunal:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA COLIGAÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. PROCESSO EXTINTO. MÉRITO. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. ALEGAÇÃO DE USO INDEVIDO DA MÁQUINA PÚBLICA. MANIFESTAÇÕES DE APOIO POLÍTICO POR SERVIDORES PÚBLICOS EM REDE SOCIAL DURANTE HORÁRIO DE EXPEDIENTE. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS PARA CONFIGURAÇÃO DE ILÍCITO ELEITORAL. RECURSO DESPROVIDO.[...]. 3.1. Matéria preliminar. 3.1.1. Reconhecida, de ofício, a ilegitimidade passiva da coligação, pois as consequências jurídicas da AIJE são restritas à cassação do registro ou diploma e à sanção de inelegibilidade às pessoas físicas. Assim, é inviável que partido, coligação, federação ou qualquer outra pessoa jurídica integre o polo passivo da demanda, uma vez que não pode sofrer qualquer das consequências próprias desse meio processual. [...]. IV. DISPOSITIVO E TESE 4.1. Processo extinto, sem resolução de mérito, em relação à coligação. 4 .2. Recurso desprovido. Tese de julgamento: "1. Em AIJE, as penalidades de cassação de registro ou diploma e inelegibilidade aplicam–se exclusivamente a pessoas físicas, sendo a coligação parte ilegítima para figurar no polo passivo. [...]."

Dispositivos relevantes citados: CF/88, art. 5º, inc. IV; LC n. 64/90, art . 22; CPC, art. 485, inc. VI; Lei n. 9 .504/97, art. 73, inc. III.

Jurisprudência relevante citada: TSE, AREspEl n . 060098479, Rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJe 31.5 .2024. TRE–RS, RE n. 55335, Rel. Des . Gerson Fischmann, DJe 01.10.2018. TRE–RS, RE n . 48872, Rel. Des. Leonardo Tricot Saldanha, DJe 24.10 .2013.

(TRE-RS - REl: 06003474820246210131 SAPIRANGA - RS 060034748, Relator.: Desembargador Mario Crespo Brum, Data de Julgamento: 12/12/2024, Data de Publicação: DJE-362, data 17/12/2024) (Grifei.)

 

Na mesma linha, o Tribunal Superior Eleitoral reconhece “a ilegitimidade das agremiações para figurarem, no polo passivo, em ação de investigação judicial eleitoral, dada a impossibilidade fática de se lhes impor - assim como a qualquer outra pessoa jurídica - as sanções decorrentes da procedência da representação, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar 64/90” (Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 060017063, Acórdão, Relator Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 189, Data 25.09.2023).

Assim, em preliminar, de ofício, reconheço a ilegitimidade passiva do Diretório Municipal do Partido Liberal de Não-Me-Toque e da empresa Propalare Serviços Ltda., em relação aos quais julgo extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, inc. VI, do CPC.

Do Mérito

No mérito, segundo a narrativa exposta na inicial, os investigados teriam praticado abuso de poder político e econômico mediante a contratação, pela Prefeitura de Não-Me-Toque, de pesquisa eleitoral paga com recursos públicos, em benefício da candidatura à reeleição de Gilson dos Santos.

Conforme relatam os recorrentes, a empresa contratada não possuía estrutura adequada para a prestação do serviço, e os questionários aplicados apresentavam erros grosseiros, o que indicaria simulação da pesquisa ou vício grave na sua execução.

A sentença de primeiro grau julgou improcedente a ação, assentando que não está demonstrada a destinação eleitoral das pesquisas realizadas pela Administração Municipal, tampouco a existência de qualquer vínculo material entre essas contratações e a pesquisa eleitoral divulgada no curso da campanha de 2024, a qual foi regularmente registrada junto à Justiça Eleitoral e quitada com recursos de campanha, sem qualquer indício de irregularidade formal ou material.

Não merece reparos a sentença recorrida.

Com efeito, na formulação da causa de pedir, os recorrentes sobrepõem os fatos envolvendo duas pesquisas com objetos e contratantes distintos, sendo as primeiras de cunho institucional e a segunda de natureza eleitoral.

Há, no caso, pesquisas absolutamente diversas e desvinculadas entre si, tanto em suas finalidades quanto sob o aspecto temporal e financeiro. O único ponto de encontro entre os diferentes levantamentos reside na execução pela empresa Propalare Serviços Ltda.

A pesquisa eleitoral registrada na Justiça Eleitoral, em 25.9.2024, sob o número RS-05484/2024 teve como objetivo “analisar a intenção de voto dos cidadãos do município de Não-Me-Toque" (IDs 45893668 e 45893669).

A prova documental evidencia que essa pesquisa eleitoral foi contratada diretamente pelo candidato Gilson dos Santos e custeada com recursos de campanha, conforme nota fiscal e comprovante bancário de pagamento juntados aos autos (ID 45893745).

De outra banda, anteriormente, foram também realizadas pesquisas institucionais, contratadas pela Prefeitura, com a finalidade de “oportunizar aos munícipes a avaliarem a qualidade dos serviços ofertados pela administração pública, bem como apontar possíveis melhorias”, e “oportunizar aos munícipes avaliarem as ações dos Secretários, Diretores e Gestores Municipais, bem como as políticas públicas aplicadas pela Administração Municipal” (ID 45893665).

As pesquisas institucionais ocorreram em fevereiro de 2022 (ID 45893784), em dezembro de 2022 (ID 45893769) e em dezembro de 2023 (ID 45893794), ou seja, todas contratadas e concluídas muito antes do início do período eleitoral, o que já fragiliza a tese de instrumentalização político-eleitoral no seu conteúdo, forma de aplicação ou divulgação.

Não há nos autos qualquer elemento que comprove que tais pesquisas tenham sido realizadas com intuito eleitoral ou que tenham, de outro modo, extrapolado as finalidades administrativas que justificaram suas contratações: avaliar a qualidade dos serviços públicos e a percepção da população sobre a gestão municipal.

Os questionários aplicados, conforme documentos de IDs 45893761 a 45893797, não continham perguntas sobre intenção de voto, continuidade de mandato ou preferências eleitorais. As únicas menções ao Prefeito e ao Vice-Prefeito limitavam-se à solicitação de nota de 1 a 10 para sua atuação, o que é compatível com pesquisas de avaliação de gestão.

Quanto ao ponto, a sentença analisou com precisão o conteúdo das pesquisas contratadas pela Administração Municipal, afastando a ocorrência de desvio eleitoral nos seguintes termos:

 As únicas perguntas que tratam especificamente da Administração como um todo, do Prefeito e do Vice-prefeito, pedem que o pesquisado dê uma nota de 1 a 10 para sua atuação, de modo bem genérico. Não há nenhum tipo de pergunta a respeito da pretensão do pesquisado de eleger novamente o Prefeito e o Vice-prefeito ou a respeito da eventual continuidade de seus mandatos. Também há nenhuma questão relacionada com intenção de voto ou possível resultado das eleições de 2024.

 

A coligação recorrente defende, ainda, que a pesquisa eleitoral foi financiada com recursos públicos e que os resultados foram manipulados, uma vez que a empresa prestadora do serviço “já contratou com a municipalidade”; que “está instalada em um local interiorano, sem qualquer imóvel, prédio ou instalação que pareça ser um instituto de pesquisas”; e que apresenta erros grosseiros no questionário aplicado.

Nada obstante, a prova dos autos revela que a empresa em questão está devidamente constituída (ID 45893744), possuindo, à época, alvará de funcionamento no endereço localizado no interior do Município de Vargeão/SC (ID 45893743).

A suposta precariedade da sede física da empresa, indicada pelos recorrentes como situada em zona rural do Município de Vargeão/SC, não se traduz, por si, em elemento apto a infirmar a regularidade do contrato, sobretudo diante da ausência de prova robusta de que a prestação dos serviços de pesquisa não tenha efetivamente ocorrido ou de que tenha servido como veículo para interferência ilícita no pleito.

Quanto aos erros nos questionários, como a menção equivocada à cidade de Ibirubá, e eventuais inconsistências na execução da coleta de dados, tais falhas foram objeto da Representação Eleitoral n. 0600464-81.2024.6.21.0117, na qual o então Juiz Eleitoral da 117ª Zona determinou a suspensão da divulgação da Pesquisa Eleitoral registrada sob o n. RS-05484/2024.

Ainda que se admitisse a existência de vícios na execução da pesquisa, não há nos autos qualquer elemento que comprove que tais falhas tenham sido deliberadas ou que tenham causado rompimento grave da legitimidade e da isonomia no pleito.

Além disso, a alegada utilização de recursos públicos para o financiamento da pesquisa eleitoral consiste em mera especulação a partir do histórico de contratações da empresa com a Prefeitura, não havendo qualquer prova idônea e consistente nesse sentido.

Logo, não se vislumbra nos autos qualquer elemento probatório que demonstre o uso da máquina pública com finalidade eleitoral, nem que a pesquisa institucional tenha sido distorcida para beneficiar candidaturas específicas.

A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme ao condicionar a configuração do abuso de poder à comprovação cabal da gravidade das circunstâncias, tanto sob o aspecto qualitativo (reprovabilidade da conduta) quanto quantitativo (impacto sobre o equilíbrio do pleito):

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO. SANÇÕES PECUNIÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE GRAVIDADE DAS CONDUTAS. ABUSO DO PODER ECONÔMICO E POLÍTICO NÃO CONFIGURADO. INCIDÊNCIA DOS VERBETES SUMULARES 24 E 30 DO TSE. NÃO PROVIMENTO.SÍNTESE DO CASO […]. 9. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, a configuração do abuso de poder demanda a existência de prova inequívoca de fatos que tenham a dimensão bastante para desigualar a disputa eleitoral, haja vista que não se admite reconhecer o abuso de poder com fundamento em meras presunções acerca do encadeamento dos fatos imputados aos investigados. Precedentes. 10. O Tribunal Superior Eleitoral exige, para a caracterização do abuso de poder, que a gravidade dos fatos seja comprovada de forma robusta e segura a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). Nesse sentido: AIJE 0600814-85, rel. Min. Benedito Gonçalves, DJE de 2.8.2023; REspEl 0600840-72, rel. Min. Floriano de Azevedo Marques, DJE de 2.2.2024; e AIJE 0601779-05, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJE de 11.3.2021. CONCLUSÃO Agravo em recurso especial eleitoral a que se nega provimento.

Agravo em Recurso Especial Eleitoral nº 060098479, Acórdão, Min. Floriano De Azevedo Marques, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 31/05/2024. (Grifei.)

 

Diante da insuficiência do conjunto probatório, a atribuição de atos ilícitos aos recorridos está ancorada em presunções e em meras correlações frágeis, que não autorizam o reconhecimento de abuso de poder ou de conduta vedada.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO, preliminarmente, de ofício, por extinguir o processo sem resolução de mérito em relação ao Partido Liberal de Não-Me-Toque e à empresa Propalare Serviços Ltda., por ilegitimidade passiva, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC, e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, mantendo-se a sentença de improcedência da ação.