REl - 0600263-10.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de pagamento de despesa eleitoral em desconformidade com os meios previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 e de omissão de gasto eleitoral, em descumprimento ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença tratou do tema da seguinte forma (ID 28467683):

Quanto a irregularidade pelo descumprimento do art. 53, I, "g", que dispõe sobre omissões relativas às despesas constantes da prestação de contas e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, não houve manifestação do prestador de contas.

Emitido parecer conclusivo após a manifestação do prestador, foi recomendada a desaprovação das contas ante as irregularidades verificadas atingindo o montante total de R$ 822,00 pelo descumprimento do art. 38, I e de R$ 160,19, pelo descumprimento do art. 53, I, "g".

A Lei 9.504/97 (Lei das Eleições) e a Resolução TSE 23.607/2019 estabelecem normas relativas à arrecadação e gastos de recursos por partido políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições.

A finalidade das normas atinentes à prestação de contas é apurar a origem das receitas e a destinação das despesas durante as campanhas eleitorais, de modo a garantir o cumprimento das normas legais de arrecadação e gastos, garantindo a legitimidade do pleito contra o abuso de poder econômico. Dito apenas isto, verifica-se a importância das normas relativas à arrecadação e gastos de campanha e a necessidade de sua obediência por partidos e candidatos.

Nesse sentido, a Resolução 23.607/2019 prevê, em seu artigo 38, que os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto, só podem ser efetuados por meio de cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta, ou, ainda, cartão de débito da conta bancária. Esse é o rol taxativo das formas admitidas de realização de despesas de campanha. A finalidade desta norma, em perfeita sintonia com a Lei 9.504/97, é permitir o registro fidedigno das despesas efetuadas, identificando de forma cabal o fornecedor de campanha, coibindo, com devido cumprimento dessa regra, a possibilidade de as despesas serem realizadas de modo ilegal ou simulado. Além disso, a regra do art. 38, I, tem a finalidade de que os cheques despendidos em campanha eleitoral estejam, no momento da apresentação das contas, devidamente descontados e registrados nos extratos bancários com identificação do recebedor. Dispõe ainda, no art. 53, I, "g" que a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta, dentre outros documentos probatórios, pelas receitas e despesas especificadas.

Dito isso, em exame técnico das contas apresentadas, foi verificada a realização de gastos de campanha no montante não desprezível de R$ 822,00 por meio de cheque nominal não cruzado, fato este incontroverso, conforme documentos acostados pelos prestadores de contas (fotos dos cheques não cruzados, manifestação de fl. 88 - ID 71003446). Foi apontado ainda, o dispêndio no montante de R$ 160,19 sem a devida identificação da despesa.

Foi juntado extrato bancário à prestação de contas (fl. 63- ID 57925563), atestando que o valor total de R$ 160,19, apontado no Exame Técnico, não transitou pela conta bancária, configurando, assim, recurso de origem não identificada que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º da Resolução TSE 23.607/2019.

Intimado a manifestar-se sobre o descumprimento da regra, o prestador de contas alegou que as despesas apontadas possuem recibos e fotos juntados aos autos e que isto comprova os pagamentos efetuados. Ainda, alegou que os gastos por meio de cheque nominal se deram em virtude de orientação da gerência do banco que estaria com apenas um caixa em funcionamento e que, como forma de evitar aglomeração de pessoas na agência para troca dos cheques e prevenção à COVID-19, teria orientado no sentido de se realizar os pagamentos de forma nominal apenas.

Cumpre aqui destacar que a Resolução 23.607/2019 não prevê a exceção de juntada de fotos dos cheques e recibos como meio de suprir eventual descumprimento da norma do art. 38, I, nem eventual orientação da gerência do banco tem o condão de derrogar a força normativa das resoluções editadas pelo Tribunal Superior Eleitoral, de cumprimento obrigatório por partidos e candidatos.

Quanto à questão levantada de se evitar aglomeração para desconto dos cheques na agência, cumpre destacar que a Resolução 23.607/2019 do TSE não prevê unicamente como forma de pagamento de fornecedores de campanha o uso do cheque nominal e cruzado, prevê também a transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta, ou, ainda, cartão de débito da conta bancária. Utilizando-se um dos demais meios de efetivação de despesas constantes do rol do art. 38 também se atingiria o fim de evitar aglomeração na agência com o devido acato à norma do art. 38. Ademais, bastaria que os fornecedores não comparecessem à agência de forma simultânea, com o devido respeito ao número máximo de clientes dentro da agência, como é a praxe corriqueira das agências no período de pandemia. Com efeito, os argumentos trazidos não são bastantes para justificar o descumprimento da regra.

Além disso, cumpre destacar que o montante de R$ 822,00 pago de forma irregular não é desprezível em uma candidatura para vereador de um município pequeno. Não se trata aqui de mero esquecimento de cruzar o cheque ou de irregularidade parcial, referente a apenas alguns pagamentos. Trata-se de pagamentos realizados sistematicamente em desacordo com a Resolução 23.607/2019, alcançando elevado valor para os padrões do pleito a que se referem, fato este capaz de comprometer as contas de campanha apresentadas.

A conduta do prestador fez com que parte dos recursos de campanha fossem despendidos de forma potencialmente incapaz de identificar o recebedor do pagamento efetuado. A forma de realização tornou os pagamentos imunes aos instrumentos de controle disponíveis à Justiça Eleitoral – caso específico dos extratos bancários e identificação da pessoa que está a descontar o cheque, visto que o cheque não cruzado permite o seu desconto por qualquer pessoa mediante apresentação do título de crédito e sua circulação a terceiros não pertencentes à relação jurídica de fornecimento de bens ou serviços de campanha. Destaca-se que a legislação indica claramente a intenção de que toda movimentação de campanha, seja a arrecadação, como a realização de despesas declarada esteja claramente identificada por meio das informações disponíveis no Sistema Financeiro Nacional, nesse sentido a previsão de efetivação do pagamento de despesas e repasses de valores por meio de cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, débito em conta, ou, ainda, cartão de débito da conta bancária.

 

Irresignado, o recorrente alega que, no caso dos autos, apesar de não ter havido o cruzamento dos cheques, a destinação do valor de R$ 822,00 pode ser identificada pelas imagens das cártulas entregues aos fornecedores como forma de adimplemento dos gastos eleitorais declarados. Quanto à quantia de R$ 160,19, diz que houve equívoco do estabelecimento comercial (posto de gasolina) ao lançar, equivocadamente, a nota fiscal relativa às despesas, salientando que não houve má-fé nem omissão deliberada de gastos eleitorais.

Acerca do ponto, a douta Procuradoria Regional Eleitoral, em parecer, assim se manifestou:

Quanto à primeira irregularidade, a Unidade Técnica atestou que o prestador não observou a forma de pagamento prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/2019, ou seja, pagamento com cheque nominal e cruzado relativo a despesas contraídas com os diversos fornecedores listados no parecer conclusivo, cujo montante é de R$ 822,00.

Ora, ao(à) prestador(a) cabe a responsabilidade exclusiva de observar os meios de forma de pagamento de despesas eleitorais contraídas durante sua campanha eleitoral, e não terceiros. Assim, não foi observado o art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/2019, o qual impõe que “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem se efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária”.

Outrossim, as irregularidades em tela não podem ser consideradas de caráter meramente formal ou de pouca gravidade, pois os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha. É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes.

Quanto à segunda irregularidade, verifica-se que houve omissão de gastos eleitorais relativos às Notas Fiscais 74136 (R$ 60,10) 74237 (R$ 50,05) e 74490 (R$ 50,04), totalizando o valor de R$ 160,19, infringindo o disposto no art. 53, inciso I, da Resolução TSE nº 23.607/2019, sendo que o referido montante não transitou na conta bancária da campanha, conforme apontado pela Unidade Técnica ao examinar o extrato bancário juntado à prestação de contas. Desse modo, caracterizado o recurso de origem não identificada, correta a sentença ao determinar o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 32, § 1º, inciso VI, da citada Resolução.

 

Segundo o parecer conclusivo (ID 28467433), o prestador das contas realizou pagamentos que, somados, alcançam o total de R$ 822,00. Esses pagamentos foram efetuados por meio de cheque não cruzado, o que contraria o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 e impossibilita a conferência da real destinação do recurso. Como essa irregularidade não foi sanada pelo recorrente, não há como prover o recurso no ponto.

Contudo, como não houve determinação de recolhimento da importância ao erário, não há que se falar em reforma da sentença, na medida em que inexistente recurso ministerial e diante da vedação da reforma em prejuízo.

De outro vértice, quanto às Notas Fiscais 74136 (R$ 60,10), 74237 (R$ 50,05) e 74490 (R$ 50,04), que totalizam R$ 160,19, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, sem o trânsito dos respectivos valores pela conta bancária da campanha, deve ser mantida a determinação de recolhimento da importância ao Tesouro Nacional (R$ 160,19), pois caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada.

Quanto ao juízo de desaprovação das contas, tenho que o apelo merece parcial provimento para que sejam aprovadas com ressalvas.

Com efeito, embora o percentual da infração seja de 64,07% (R$ 982,19) em relação ao total de receitas declaradas (R$ 1.533,00), tenho que, em termos absolutos, o valor é inexpressivo, pois inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessas hipóteses, cabível a incidência dos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, na esteira do que constou na decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência tem afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10.

A ilustrar, destaco o seguinte julgado, no qual o somatório das irregularidades alcançou a pequena cifra de R$ 694,90:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020.) (Grifo nosso)

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29/09/2017.) (Grifo nosso)

 

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Tal conclusão, cabe ressaltar, não afasta o dever de recolhimento ao erário da quantia de R$ 160,19.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para aprovar a prestação de contas com ressalvas, mantendo o dever de recolhimento do valor de R$ 160,19 ao Tesouro Nacional.