REl - 0600639-46.2020.6.21.0075 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2021 às 14:00

 VOTO

O recurso é tempestivo.

Os autos versam sobre o cometimento da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97:

art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...]

§ 10 No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Grifei.)

 

Como se percebe da dicção legal, é proibido à Administração Pública distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios em ano eleitoral, salvo em três hipóteses: a) calamidade pública; b) estado de emergência; c) programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

De outro vértice, a distribuição vedada independe de revestir-se de caráter promocional de candidatura. Ou seja, o legislador estabeleceu uma presunção objetiva de quebra da paridade entre os candidatos, fundamentalmente porque é regra da experiência comum que a retribuição do favor recebido – seja através de bem, valor ou benefício – é concretizada por meio do voto destinado a quem proporcionou a benesse ou para outrem por ele indicado. Conforme o TSE, a conduta vedada do art. 73, § 10, da LE resta configurada ainda que a distribuição de bens não tenha caráter eleitoreiro (Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 12.165 – Rel. Arnaldo Versiani – j. 19.08.2010). (in Rodrigo López Zilio, Direito Eleitoral, 7ª Edição, p. 749-750).

Com efeito, ao vedar a distribuição gratuita de bens e benefícios por parte da Administração no ano eleitoral, a lei tem a finalidade de impedir o implemento de políticas públicas benéficas aos eleitores em período próximo ao pleito, evitando que benefícios possam influenciar indevidamente os eleitores em favor dos candidatos que estão à frente da Administração Pública, em detrimento da igualdade de oportunidades na campanha.

A respeito do tema, oportuna a lição de José Jairo Gomes:

Claro está que a regra é a proibição de distribuição. Segundo se tem entendido, para a configuração da presente conduta vedada “não é preciso demonstrar caráter eleitoreiro ou promoção pessoal do agente público, bastando a prática do ato ilícito. [...]” (TSE – AgR-REspe nº 36026/BA – DJe, t. 84, 5-5-2011, p. 47). Note-se, porém, que o fato deve ser considerado à luz do princípio da proporcionalidade.

Em ano eleitoral, a Administração Pública só pode distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios se ocorrer alguma das hipóteses legais especificadas, a saber: calamidade pública, estado de emergência ou existência de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. Ainda assim, o artigo 73, IV, da Lei nº 9.504/97 veda o uso político-promocional dessa distribuição, que deve ocorrer da maneira normal e costumeira, sem que o ato seja desvirtuado de sua finalidade estritamente assistencial.

A última das hipóteses permissivas pressupõe a existência de política pública específica, prevista em lei e em execução desde o exercício anterior, ou seja, já antes do ano eleitoral. Quer-se evitar a manipulação dos eleitores pelo uso de programas oportunistas, que, apenas para atender circunstâncias políticas do momento, lançam mão do infortúnio alheio como tática deplorável para obtenção de sucesso nas urnas.

(Direito Eleitoral, 14ª ed, 2018, p. 683)

 

A natureza objetiva da conduta vedada é firme na jurisprudência do TSE, conforme julgado que peço vênia para colacionar, trazido no parecer da Procuradoria Eleitoral:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO. CONDUTA VEDADA A AGENTES PÚBLICOS, ART. 73, IV E §10, DA LEI N° 9504/97. ABUSO DO PODER POLÍTICO. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N° 64/90. AGRAVO DE CARLOS HENRIQUE EMERICK STORCK, AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N° 26/TSE. MANUTENÇÃO DOS FUNDAMENTOS. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O agravante não se desincumbiu de impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada, limitando-se a reproduzir, na íntegra, as alegações declinadas no recurso especial sem, contudo, apresentar elementos aptos a infirmar a decisão impugnada.

2. Inadmissibilidade de recurso cujas razões não impugnam os fundamentos da decisão combatida, nos termos da Súmula n° 26/TSE.

3. Agravo interno a que senega provimento. AGRAVO DE MARIA CONCEIÇÃO LEAL DE SOUSA. SEGUNDOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. REDISCUSSÃO DE MATÉRIA JÁ ANALISADA. RECONHECIMENTO. PECHA ROCRASTINATÓRIA. MÉRITO. REALIZAÇÃO DE CASAMENTO COMUNITÁRIO COM ISENÇÃO DE EMOLUMENTOS. UTILIZAÇÃO DE ESCOLA PÚBLICA E FUNCIONÁRIOS MUNICIPAIS. CONDUTA VEDADA. ILÍCITO DE NATUREZA OBJETIVA. VIÉS ELEITORAL. PRESCINDIBILIDADE. ILÍCITOS CONFIGURADOS. ABUSO DO PODER POLÍTICO. GRAVIDADE. REPERCUSSÃO DOS FATOS .COMPROMETIMENTO DA NORMALIDADE E DA LEGITIMIDADE DO PLEITO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Segundos embargos de declaração,que visam apenas rediscutir matéria já apreciada pelas decisões anteriores, caracterizam-se, como procrastinatórios, atraindo a penalidadede multa prevista no art. 275, § 60, do Código Eleitoral. 2. As condutas vedadas a agentes públicos previstas nos arts. 73 a 78 da Lei n° 9.504/97 visam a coibir o uso da máquina pública em favor de candidaturas, de modo que seja preservada a igualdade de oportunidades entre os participantes do pleito eleitoral. 3. O inciso IV do art. 73 da mencionada lei veda o uso promocional, em favor de candidatura, partido ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social que sejam custeados ou subvencionados pelo Poder Público, já o parágrafo 10 proscreve a distribuição gratuita de bens, valores e benefícios no ano das eleições, excepcionando-se apenas os casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já emexecução orçamentária no exercício anterior. 4. As condutas vedadas a agentes públicos possuem natureza objetiva que se aperfeiçoam com a subsunção dos fatos à descrição legal, bastando que a máquina pública seja utilizada em favor de determinada candidatura para violar o bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a igualdade de oportunidades entre os candidatos. 5. No caso, ficou configurada a prática de conduta vedada a agentes públicos e de abuso do poder político consubstanciados na distribuição de bens e serviços, aproximadamente 1 (um) mês antes das eleições, para a realização de 50 (cinquenta) casamentos no município de Irupi/ES, com isenção de emolumentos, realizados em escola pública e com utilização de funcionários públicos. 6. A conduta ilícita revestiu-se de gravidade suficiente para configurar abuso do poder político e atrair a cassação de diploma, a declaração de inelegibilidade e a multa eleitoral, notadamente, a partir da análise da repercussão dos fatos, que alcançou quantidade significativa de eleitores, apta a comprometer a normalidade e a lisura do pleito. 7. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 29411, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 25, Data 05.02.2020, Página 15-16.)

 

Traçadas essas considerações, passa-se ao caso sob análise.

O recorrido admite a ocorrência do fato de ter realizado a distribuição das sacolas térmicas em alusão ao dia do servidor público (28.10.2020), mas opõe o argumento de que os bens distribuídos não consistiriam presentes e, sim, em utensílios visando à melhoria das condições de trabalho dos servidores, pois as bolsas térmicas auxiliariam na conservação de alimentos daqueles funcionários que não podem retornar às suas casas para almoçar, constituindo questão social e de saúde pública. Menciona, ainda, que a distribuição desses utensílios faz parte de plano de governo em execução nos anos anteriores e com previsão na Lei Municipal n. 1.409/17 e no orçamento aprovado pelo Poder Legislativo. Dessa forma, aduz que a conduta é lícita.

Sem razão.

Em ano eleitoral, a Administração Pública só pode distribuir gratuitamente bens, valores ou benefícios se ocorrer alguma das hipóteses legais especificadas, a saber: calamidade pública, estado de emergência ou existência de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.

Apesar de o ano de 2020 ter sido marcado pela pandemia por conta da COVID-19, o fornecimento de bolsas térmicas não possui vinculação alguma com o combate ou enfrentamento da moléstia. De igual modo, a distribuição de bolsas térmicas não se coaduna com a ressalva de “programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”, pois não era destinado a conceder tratamento diferenciado e incluir a prestação de serviços assistenciais aos necessitados ou pessoas em situação de vulnerabilidade.

O fato de ter ocorrido a distribuição de outros brindes em anos anteriores e haver previsão legal e orçamentária não torna a conduta lícita, tampouco tem o condão de transmutar a natureza jurídica do ato em “programa social”.

Nesse sentido, transcrevo o que foi pontuado pelo ilustre Procurador Eleitoral:

No que se refere à eventual presença das exceções contidas no dispositivo, tem-se que, apesar de, no ano de 2020, ser pública e notória a calamidade pública advinda da pandemia de COVID-19, tem-se que o fornecimento de brindes a servidores municipais em nada se vincula ao combate a tal moléstia. O mesmo se verifica no que se refere à previsão de “programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior”, pois, conforme visto acima, o fornecimento de bolsas térmicas a servidores públicos municipais não se enquadra no conceito de programa social exigido pela norma, já que não tem em vista a inclusão social nem se dirige apessoas socialmente vulneráveis. Ora, não constituindo programa social, totalmente irrelevante a análise acerca da sua previsão legal e execução orçamentária no exercício anterior. Ademais, não se pode confundir tal distribuição de bens com equipamentos de proteção individual ou outros instrumentos de trabalho cedidos (e não doados) pelos entes públicos a seus servidores, seja porque tais não ingressam no patrimônio das pessoas físicas a quem dirigidos, seja porque a sua cedência se dá para o trabalho (necessárias para o exercício profissional e com uso condicionado a tal), e não pelo trabalho (como bonificação ou incremento salarial).

Por último, em que pese, como já ressaltado, não ser necessária para a incidência da conduta vedada a demonstração do potencial lesivo ao bem jurídico tutelado e, muito menos, ao resultado do pleito, tem-se que, no caso, Jorge Pivotto foi eleito em2016 pelo PT (http://capa.tre-rs.jus.br/eleicoes/2016/1turno/RS84794.html), partido que, em 2020, coligou-se com o PP nas referidas eleições majoritárias (https://resultados.tse.jus.br/oficial/#/eleicao;e=e426;uf=rs;mu=84794/resultados), razão pela qual a referida distribuição de bens pode, em certa medida, ter objetivado trazer benefício eleitoral ao candidato, nas eleições majoritárias, Marciano Ramos, visto que a sua chapa era integrada pelo PT.

 

Objetivamente caracterizada a conduta vedada, devem incidir as penas estipuladas no art. 73, §§ 4º e 5º, da Lei n. 9.504/97, ou seja, suspensão da conduta, multa de cinco a cem mil UFIR e cassação do registro ou diploma.

No que diz respeito à aplicação da pena de cassação do registro ou diploma, a orientação firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que sua incidência depende da análise da gravidade do ilícito:

Investigação judicial. Abuso de poder. Uso indevido dos meios de comunicação social. Condutas vedadas.

1. A infração ao art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/97 aperfeiçoa-se com a veiculação da publicidade institucional, não sendo exigível que haja prova de expressa autorização da divulgação no período vedado, sob pena de tornar inócua a restrição imposta na norma atinente à conduta de impacto significativo na campanha eleitoral.

2. Os agentes públicos devem zelar pelo conteúdo a ser divulgado em sítio institucional, ainda que tenham proibido a veiculação de publicidade por meio de ofícios a outros responsáveis, e tomar todas as providências para que não haja descumprimento da proibição legal.

3. Comprovadas as práticas de condutas vedadas no âmbito da municipalidade, é de se reconhecer o evidente benefício à campanha dos candidatos de chapa majoritária, com a imposição da reprimenda prevista no § 8º do art. 73 da Lei das Eleições.

4. Mesmo que a distribuição de bens não tenha caráter eleitoreiro, incide o § 10 do art. 73 da Lei das Eleições, visto que ficou provada a distribuição gratuita de bens sem que se pudesse enquadrar tal entrega de benesses na exceção prevista no dispositivo legal.

5. Se a Corte de origem, examinando os fatos narrados na investigação judicial, não indicou no acórdão regional circunstâncias que permitissem inferir a gravidade/potencialidade das infrações cometidas pelos investigados, não há como se impor a pena de cassação, recomendando-se, apenas, a aplicação das sanções pecuniárias cabíveis, observado o princípio da proporcionalidade.

Agravos regimentais desprovidos.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 35590, Acórdão de 29.04.2010, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 24/05/2010, Página 57/58.) (Grifei.)

 

Conduta vedada. Distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios.

1. À falta de previsão em lei específica e de execução orçamentária no ano anterior, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, em ano eleitoral, consistente em programa de empréstimo de animais, para fins de utilização e reprodução, caracteriza a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei nº 9.504/97.

2. A pena de cassação de registro ou diploma só deve ser imposta em caso de gravidade da conduta.

Recurso ordinário provido, em parte, para aplicar a pena de multa ao responsável e aos beneficiários.

(TSE, Recurso Ordinário n. 149655, Acórdão de 13.12.2011, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 37, Data 24.02.2012, Página 42/43.) (Grifei.)

 

No caso, contudo, o recorrido não foi candidato e, mesmo se tivesse sido, a aplicação dessa medida se revelaria desproporcional ao ilícito praticado.

Entretanto, o recorrido deve se sujeitar à multa pecuniária, que fixo em seu patamar mínimo, 5 mil UFIR, equivalente a R$ 5.320,50, por não verificar motivos para a sua aplicação além do piso legal.

 

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral, a fim de julgar procedente a representação, com fulcro no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, condenando JORGE PIVOTTO à multa no valor de R$ 5.320,50 (cinco mil, trezentos e vinte reais com cinquenta centavos, equivalente a 5 mil UFIR).