REl - 0600128-95.2020.6.21.0124 - Voto Relator(a) - Sessão: 29/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo magistrado a quo, devido à constatação do descumprimento dos requisitos encartados no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Consta, no parecer conclusivo, que diversos pagamentos foram realizados em desacordo com a norma, sendo impossível determinar que o valor total de R$ 3.398,00 teria sido direcionado aos destinatários declarados na prestação de contas.

Constou na sentença (ID 39012833):

Quanto ao item “2” do Relatório de Exame de Contas, referente à comprovação das despesas com Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC , o artigo 38 da Resolução TSE n. 23.607/2019 assim dispõe:

 

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

Em que pese a juntada das declarações dos recebedores dos valores advindos do fundo especial [IDs 76871274, 76871270, 76871277 e 76871278], e a juntada “ (...) das cópias dos cheques nominais correspondentes às respectivas notas fiscais e também juntando agora declarações dos fornecedores, identificando os CPF/CNPJ, e confirmando os serviços prestados e os pagamentos feitos através de tais cheques nominais, conforme os recibos/notas fiscais já constantes da prestação de contas em exame (...)”, cabe à candidata zelar pela regularidade de suas doações e gastos, com respeito às normas eleitorais, das quais lhe cabe estar ciente, inclusive quanto ao procedimento a adotar no caso de irregularidades. .

O objetivo central da norma é tornar mais rígida a fiscalização do destino dos valores dos recursos cuja natureza é pública, visando assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como feito pela requerente, gerando a obrigação de ressarcir ao Tesouro Nacional o montante de R$ 3.398,00, conforme disposto no art. 79, §1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Em análise à documentação apresentada pela candidata, todavia, tenho que não evidenciada a má-fé na utilização dos recursos. Isso porque as declarações apresentadas demonstraram o destino dos valores. Desta forma, a falha em questão se refere apenas ao meio de pagamento, pois divergente do previsto pela Legislação Eleitoral. Por tal razão, embora devida a desaprovação das contas, não se mostra razoável, no caso específico do processo em exame, a determinação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

 

A matéria em exame, foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.)

(Grifo nosso)

 

Por ocasião do julgamento acima, a Corte deliberou que as declarações de fornecedores, como as juntadas aos autos, não seriam suficientes à comprovação das despesas, pois configuram documentos unilaterais, não se revestindo da idoneidade exigida pelo art. 60 da Res. TSE n. 23.607/19.

Entretanto, como não houve determinação de recolhimento do valor ao erário na sentença, inexistindo recurso ministerial quanto ao ponto, por força do princípio da não reforma em prejuízo, deve ser mantida a decisão do magistrado a quo.

Quanto ao juízo de aprovação das contas postulado no recurso, não merece acolhimento.

As irregularidades possuem valor absoluto expressivo (R$ 3.398,00), o qual é, inclusive, superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Além disso, o valor da falha representa 13,03% das receitas auferidas para o custeio da campanha, as quais somaram R$ 26.070,81.

Nesse contexto, a jurisprudência deste Tribunal, em consonância com as diretrizes firmadas pela Corte Eleitoral Superior, não admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação da contabilidade, como ilustra a ementa do seguinte julgado:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÃO 2016. DESAPROVAÇÃO. MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA SEM TRÂNSITO PELA CONTA BANCÁRIA ESPECÍFICA. NÃO COMPROVADA A QUITAÇÃO DE DESPESA. RECURSO CONSIDERADO COMO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. VALOR REPRESENTATIVO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO. Movimentação de recurso sem prévio trânsito pela conta bancária específica. Não comprovada a quitação de despesa vinculada a cheque devolvido por insuficiência de fundos. Irregularidade que supera 10% do movimentado pela campanha, não se revelando razoável a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantidas a desaprovação das contas e a determinação do recolhimento do valor oriundo de origem não identificada ao Tesouro Nacional. Desprovimento.

(TRE-RS - RE: 26887 SANTA MARIA - RS, Relator: DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Data de Julgamento: 09.03.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 40, Data 12.03.2018, Página 7.)

(Grifo nosso)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por GIOVANA DOS SANTOS THIAGO, mantendo a sentença que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.