RC - 0600127-75.2020.6.21.0071 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/09/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Juízo de Admissibilidade Recursal

Em contrarrazões, o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL arguiu, preliminarmente, a intempestividade do recurso.

Argumentou que, como o réu não manifestou a sua intenção de recorrer ao ser pessoalmente intimado da sentença, o prazo recursal deve ser contado a partir da data da intimação da sua defesa técnica, efetivada em 13.12.2019 (ID 29592733, fls. 12-13), escoando-se em 13.01.2020, em observância à suspensão operada por força do recesso forense (20.12.2019 a 06.01.2020), de sorte que o recurso interposto no dia 12.02.2020 é intempestivo (ID 29592733, fls. 17).

Todavia, ao contrário do que sustentou o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, a legislação processual penal não contém determinação de que o réu seja indagado se pretende insurgir-se contra a decisão condenatória ao ser dela pessoalmente intimado, inexistindo amparo legal para que o termo inicial da contagem do prazo para a interposição do recurso seja vinculado à manifestação do acusado nesse sentido (STJ, HC n. 513672/GO, decisão monocrática, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, DJe de 02.8.2019).

Observo que, no caso concreto, a defesa do acusado foi patrocinada por defensor dativo (ID 9838533, fl. 17), não incidindo a regra disposta no art. 392, inc. II, do CPP, que dispensa a intimação pessoal do réu da sentença quando se livrar solto e estiver assistido por procurador constituído e regularmente intimado, porquanto a figura do advogado constituído não pode ser equiparada à do defensor nomeado pelo juízo (RC n. 193, Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, DJE de 25.9.2020).

Em consonância com essa orientação, após a intimação do defensor dativo, o réu foi intimado da sentença de forma pessoal no dia 11.02.2020 (ID 29592783, fls. 3-4), devendo-se contar o prazo recursal deste último ato intimatório, com o que, consoante analisei no despacho ID 28218733, o recurso protocolizado no dia 12.02.2020 (ID 29592733, fl. 17) mostra-se tempestivo, pois foi respeitado o prazo recursal de 10 (dias) previsto no art. 362 do Código Eleitoral.

Por essas razões, rejeito a preliminar de intempestividade recursal.

Logo, em sendo regular, adequado e tempestivo, conheço do recurso.

Inexistindo outras questões prefaciais a serem analisadas, passo ao exame do mérito.

 

Mérito

Inicialmente, inexiste prescrição a ser reconhecida.

Com o trânsito em julgado da sentença condenatória para o órgão acusatório, a prescrição da pretensão executória passou a ser regulada pela pena concretamente aplicada na sentença (6 meses de detenção), verificando-se no prazo de 03 (três) anos, definido para penas inferiores ao patamar de 01 (ano), conforme dispõem os arts. 110, § 1º, c/c o art. 109, inc. VI, do CP.

Como o órgão ministerial foi intimado da sentença condenatória no dia 29.11.2019, sexta-feira (ID 29592733, fl. 7), o trânsito em julgado da sentença para a acusação ocorreu em 12.12.2019, não tendo transcorrido, entre este marco temporal (art. 112, inc. I, do CP) e a presente data, o lapso prescricional de 03 (três) anos.

Tampouco se verificou o transcurso do referido prazo prescricional entre a data do recebimento da denúncia (26.7.2017 – ID 9838283, fl. 16) e a data da publicação da sentença penal condenatória, verificada com o recebimento dos autos pela serventia cartorária (29.11.2019 – ID 29592733, fl. 1), restando afastado o reconhecimento da prescrição retroativa da pretensão punitiva estatal pela pena concretizada na sentença (art. 109, inc. VI, c/c o art. 110, § 1º, do Diploma Penal).

No mérito, propriamente dito, o fato delituoso foi descrito nos seguintes termos:

No dia 12 de março de 2017,  por volta das 11h45min, na Rua Borges de Medeiros, nº 435, em Gravataí, o denunciado GILBERTO RODRIGUES SILVEIRA, arregimentou eleitores e realizou propaganda de boca de urna.

Na ocasião, o denunciado foi flagrado nas proximidades da Escola Tuiuti, efetuando propaganda de boca de urna e atos de arregimentação de eleitores. Orientado por agentes públicos a sair do local, o denunciado lá permaneceu, continuando a praticar os mesmos atos.

Assim agindo, o denunciado GILBERTO RODRIGUES SILVEIRA incorreu nas sanções do artigo 39, § 5º, inciso II, da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições).

 

O magistrado a quo, ao sentenciar o feito, condenou GILBERTO RODRIGUES SILVEIRA pela prática do crime de propaganda de “boca de urna”, previsto no art. 39, § 5º, inc. II, in fine, da Lei n. 9.504/97, verbis:

Art. 39. (...)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna;

(...).

 

O delito de “boca de urna” exige a distribuição de material de propaganda a eleitores ou a manifestação eleitoral que não seja realizada de forma individual e silenciosa, comportamento ressalvado no caput do art. 39-A da Lei das Eleições.

A norma penalizadora constante do dispositivo acima transcrito veda a propaganda de “boca de urna” não somente nas proximidades das seções eleitorais, mas em qualquer lugar, com o intuito de preservar o eleitor no dia em que exerce o sufrágio, resguardando-o de pressões ou constrangimentos que interfiram na formação da sua vontade (José Jairo Gomes, Crimes e Processo Penal Eleitorais, São Paulo: Editora Atlas, 2015, p. 225).

Consoante entendimento firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, a propaganda de “boca de urna” é crime de mera conduta, consumando-se com a simples distribuição de material de propaganda política, de modo que a sua configuração dispensa a efetiva influência na formação da vontade do eleitor, a qual tem caráter potencial, devendo ser inferida a partir das circunstâncias concretas (HC n. 669, Acórdão, Relatora Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJE de 19.5.2010, p. 27).

Outrossim, a elementar propaganda de “boca de urna” confere ao art. 39, § 5º, inc. II, da Lei n. 9.504/97 “feições abertas que devem ser completadas com dados do contexto fático, de modo a possibilitar a aferição, em cada caso, da relevância penal das condutas praticadas” (RHC n. 060035853, Acórdão, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, DJE de 20.11.2020).

O tipo subjetivo consiste no dolo genérico, decorrente da consciência e vontade de realizar a conduta típica, não se exigindo um especial fim de agir por parte do agente (RC n 1614, Relator Des. El. ARMINIO JOSÉ ABREU LIMA DA ROSA, DJE de 06.11.2020).

Em sua defesa, o réu afirmou que o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL não se desincumbiu do ônus de provar o fato delituoso, bem como de individualizar a conduta que lhe foi atribuída, postulando a reforma da sentença, ao efeito de ser absolvido com esteio no art. 386, incs. V e VII, do CPP.

Contudo, essa não é a conclusão que se extrai do acervo probatório.

Conforme o Boletim de Ocorrência n. 2749058 (ID 9838233, fls. 13-14), juntado ao TCO n. 2749058/2017 (ID 9838233, fl. 7 e seguintes), no dia 12.3.2017, quando realizado o pleito majoritário suplementar no Município de Gravataí, GILBERTO RODRIGUES SILVEIRA foi conduzido ao Fórum da Comarca pela Brigada Militar, a pedido de Evelin Sofia de Oliveira, servidora pública da Promotoria Eleitoral que flagrou o acusado praticando o crime de “boca de urna” na Escola Estadual Tuiuti, situada na Rua Borges de Medeiros, n. 435, no Bairro Bonsucesso.

Ouvido pela autoridade policial ao ser preso em flagrante delito, o réu afirmou que se dirigiu à Escola Estadual Tuiuti para votar e, ao avistar seus amigos do outro lado da rua, foi ao encontro deles para cumprimentá-los, lá permanecendo para conversar, quando todos foram abordados pela Promotora Eleitoral, que os advertiu para saírem do local. Referiu que todos obedeceram à ordem e se deslocaram até a Avenida Dorival, mas, posteriormente, foram conduzidos pela Brigada Militar até o fórum, a pedido da agente ministerial (ID 9838233, fl. 4).

De início, em atenção ao argumento esposado pela Procuradoria Regional Eleitoral (ID 40222583, fl. 5) de que GILBERTO RODRIGUES SILVEIRA não estava em frente ao seu local de votação, esclareço que, segundo certidão ID 9838233, fl. 18, ao tempo do fato criminoso, o réu se encontrava inscrito junto à Zona n. 173, Seção n. 46, instalada na Escola Estadual Tuiuti.

A Seção n. 46, alocada na Escola Estadual Professora Maria Josefina Becker, situada na Rua Jacilma Tedesco Jaeger, n. 97, bairro Centro, no Município de Gravataí, era pertencente à Zona n. 71, como se constata a partir do documento referido no parecer ministerial e disponibilizado para consulta no link http://seguinte.inf.br/noticias/tudao/2639_Saiba-onde-ficam-as-secoes-eleitorais (ID 40222583, fl. 5).

Por esse motivo, entendo que o apontamento do nobre Procurador Regional Eleitoral, no sentido de que o réu estaria a cerca de 5 km de distância do seu local de votação, circunstância fática indicativa da ausência de veracidade das declarações prestadas em sede policial, não constitui embasamento válido à formação do juízo condenatório.

Por outro lado, embora o réu tenha comparecido às audiências designadas pelo magistrado de primeiro grau para o oferecimento da proposta de transação penal (ID 9838283, fl. 4) e, posteriormente, de suspensão condicional do processo (ID 9838333, fl. 4), recusando ambos os benefícios, não se fez presente em juízo para ser interrogado, o que ensejou a decretação da sua revelia (ID 9838683, fl. 16).

Em sua defesa, o acusado não arrolou, como testemunhas ou informantes, os amigos com os quais se encontrou no dia das eleições, não tendo sido confirmada em juízo a versão dos fatos apresentada na fase inquisitorial, limitando-se a defender, como anteriormente dito, a inexistência de lastro probatório para que seja mantido o édito condenatório.

Por sua vez, a testemunha da acusação, Carolina Barth Loureiro Ingrácio, Promotora de Justiça compromissada, que efetuou a prisão em flagrante do acusado, foi inequívoca ao afirmar que, durante a votação na eleição suplementar no município, ao proceder à fiscalização nos arredores da Escola Tuiuti, acompanhada de sua assessora, Evelin Sofia de Oliveira, e de integrantes da Brigada Militar, a despeito de chover torrencialmente naquele dia, avistou vários grupos de pessoas fazendo propaganda de “boca de urna”, porque os ânimos estavam muito acirrados. As pessoas encontradas foram orientadas a se retirar do local, sendo que aquelas que persistiram na prática ilícita foram identificadas e receberam voz de prisão, tendo sido conduzidas ao fórum para registro da ocorrência policial. Disse que não recordava do réu pelo nome, mencionando que ele estava na companhia de outro indivíduo, não sabendo precisar qual deles estava com o material de campanha. Questionada pela defesa a respeito dos atos de “boca de urna” cometidos pelo réu, a testemunha esclareceu que algumas pessoas tinham “santinhos”, enquanto outras falavam com os eleitores, reafirmando que, “se o réu foi conduzido, ele estava fazendo boca de urna” (ID 29593233).

Évelin Sofia de Oliveira, servidora pública compromissada, confirmou integralmente a narrativa de Carolina Barth Loureiro Ingrácio, declarando que, na data do fato, a equipe de vistoria adotou idêntico procedimento em todos os locais de votação, advertindo as pessoas de que poderiam estar incorrendo no crime de “boca de urna”, sendo que aquelas que permaneciam no local eram detidas em flagrante delito. A testemunha também confirmou que o réu estava praticando o crime de “boca de urna”, pois, em nenhum dos casos verificados no dia das eleições, foi lavrada ocorrência policial simplesmente pelo fato de as pessoas estarem no local de votação (ID 29593283).

Ambas as testemunhas, portanto, descreveram os fatos de forma uníssona e coerente, fornecendo detalhes a respeito do modo da atuação fiscalizatória no dia do pleito suplementar, o que comprova ter sido o réu abordado e preso em flagrante exclusivamente porque, descumprindo a orientação dos agentes responsáveis para que se retirasse do local, sob advertência expressa de incidir no cometimento do crime de propaganda de “boca de urna”, persistiu na abordagem ilícita de eleitores, incorrendo, por consequência, na prática delitiva.

Além disso, o fato de as depoentes não se recordarem especificamente do acusado é justificável pelo transcurso de mais de 2 anos entre a data do ilícito e o dia da tomada dos seus depoimentos em juízo, dificuldade que foi agravada pela ausência de comparecimento do réu à audiência de instrução.

Porém, essa circunstância pontual no tocante à prova testemunhal não lhe retira a credibilidade ou força probatória, porquanto ambas as depoentes, ao longo de seus testemunhos, deixaram bastante claro que o réu, em conjunto com outra pessoa, estava exercendo interferência indevida sobre os eleitores no dia da votação, mediante distribuição de material de campanha no local em que foram flagrados praticando o crime de "boca de urna".

Em desfecho, ressalto que este Regional, em situação análoga, igualmente ocorrida nas imediações da Escola Estadual Tuiuti, durante as eleições suplementares no Município de Gravataí, adotou idêntica orientação, como colho da ementa a seguir colacionada:

RECURSO CRIMINAL. PRÁTICA DO DELITO DE BOCA DE URNA. ART. 39, § 5º, INC. II, DA LEI N. 9.504/97. DENÚNCIA PROCEDENTE. REJEITADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. MÉRITO. COMPROVADA REALIZAÇÃO DE CONDUTA PROIBIDA. ACUSADO PRESO EM FLAGRANTE DELITO. AUSENTE EXCLUDENTES DE TIPICIDADE, ANTIJURIDICIDADE OU CULPABILIDADE. MANTIDA SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESPROVIMENTO.

1. Rejeitada a preliminar de nulidade da sentença. Alegado prejuízo e violação aos direitos fundamentais do contraditório e da ampla defesa. O acusado, o único com conhecimento de haver eventuais testemunhas capazes de contribuir em seu benefício, não se manifestou sobre elas. Ademais, o advogado constituído, em sede de memoriais, também não vislumbrou qualquer prejuízo ao réu, restando, portanto, configurada a preclusão da questão, consoante art. 571, II, do PP. 

2. Mérito. O delito imputado ao réu exige a distribuição de material de propaganda a eleitores ou a manifestação eleitoral que não seja realizada de forma individual e silenciosa, comportamento descrito no caput art. 39-A da Lei das Eleições. Nesse sentido, a jurisprudência do TSE define o delito boca de urna como crime de mera conduta, razão pela qual é suficiente, para a sua caracterização, a simples distribuição de propaganda eleitoral durante o pleito, bem como se trata de crime comum, em que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. Na espécie, diante da prova dos autos, ficou demonstrado que o réu realizou a conduta proibida, fato corroborado pela prova testemunhal colhida e pelos panfletos apreendidos, sendo o acusado preso em flagrante delito. Ausente qualquer causa excludente de tipicidade, antijuridicidade ou de culpabilidade.

3. Desprovido o recurso. Mantida a condenação penal.

(Recurso Criminal n 12802, ACÓRDÃO de 05.11.2019, Relator Des El. GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 218, Data 22.11.2019, Página 3.)

 

Nesse cenário, considerando a ocorrência da prisão em flagrante do réu no dia do pleito suplementar e a consistência do conteúdo da prova testemunhal, corroborando os elementos colhidos na fase inquisitiva, a materialidade do delito e a sua autoria restaram suficientemente demonstradas, de modo que, ausentes causas excludentes de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, deve ser integralmente mantida a sentença condenatória ora impugnada, inclusive no pertinente às sanções impostas ao réu, com fundamento no art. 39, § 5º, inc. II, in fine, da Lei n. 9.504/97.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto por GILBERTO RODRIGUES SILVEIRA, nos termos da fundamentação.

É como voto, Senhor Presidente.