REl - 0600159-45.2020.6.21.0018 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/09/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Conhecimento de Documentos Juntados na Fase Recursal

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura possa sanar irregularidades e não haja necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

 

Na hipótese, observo que, embora os documentos que instruem a petição recursal tenham sido apresentados durante a fase instrutória (ID 27439133), eles não foram analisados pelo órgão técnico de exame. Ao sentenciar o feito, o magistrado a quo não conheceu da documentação por considerar intempestiva a sua juntada aos autos, ocorrida após o transcurso do prazo de 03 (três) dias de que dispunha a candidata para se manifestar acerca do relatório preliminar de exame, conforme havia sido certificado pela serventia cartorária (ID 27438883 e 27439633).

Portanto, conheço dos documentos acostados com o recurso.

 

Mérito

ADRIANA DA FONTOURA SARAIVA, candidata ao cargo de vereador no Município de Dom Pedrito, interpôs recurso, objetivando a reforma da sentença que julgou desaprovadas as suas contas relativas ao pleito de 2020, condenando-a ao recolhimento da quantia de R$ 2.700,00 ao Tesouro Nacional, caracterizada como proveniente de origem não identificada, e à transferência do montante de R$ 2.020,00 ao órgão municipal do PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT), devido a irregularidades relativas à comprovação e ao pagamento de dispêndios eleitorais realizados com recursos privados movimentados na conta “Outros Recursos”, com fundamento nos arts. 74, inc. III, 32, § 6º, e 50, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Preliminarmente, anoto que, ao emitir o parecer conclusivo (ID 27438983), o órgão técnico acrescentou ao relatório de exame da prestação de contas (ID 27438683) duas novas irregularidades, atinentes às despesas eleitorais nos valores de R$ 720,00 e R$ 370,00 (ausência de apresentação de documentos comprobatórios e dos comprovantes de pagamento aos respectivos fornecedores).

Contudo, após a emissão do parecer conclusivo, a candidata não foi intimada para apresentar manifestação relativamente aos dois apontamentos supervenientes ao primeiro parecer técnico, como preceitua o art. 72 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 72. Emitido parecer técnico conclusivo pela existência de irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade específica de manifestação ao prestador de contas, a Justiça Eleitoral intimá-lo-á para, querendo, manifestar-se no prazo de 3 (três) dias contados da intimação, vedada a juntada de documentos que não se refiram especificamente à irregularidade e/ou impropriedade apontada, salvo aqueles que se amoldem ao parágrafo único do art. 435 do CPC.

 

Conquanto não esteja formalmente alocado entre os dispositivos que disciplinam o rito simplificado a que foi submetida a presente escrituração contábil (arts. 62 a 67 da Resolução TSE n. 23.607/19), o cumprimento da norma constante no art. 72 acima transcrito constitui desdobramento natural da efetivação do contraditório e da ampla defesa, sendo de observância obrigatória durante a instrução do processo.

A candidata, a seu turno, apresentou petição instruída com vários documentos no dia 25.01.2021 (ID 27439133), os quais não foram examinados pela unidade técnica, que, naquela mesma data, já havia juntado aos autos o parecer conclusivo, sendo que o juiz eleitoral de primeira instância não conheceu da documentação apresentada ao prolatar a sua decisão (ID 27439633).

Todavia, entendo não se estar diante de contexto processual que imponha a declaração, de ofício, da nulidade da sentença por violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Em primeiro lugar, porque toda a documentação apresentada pela candidata na fase instrutória foi novamente juntada com o recurso e está sendo integralmente conhecida por este Colegiado, com amparo no art. 266, caput, do Código Eleitoral.

Em segundo lugar, a ordem de recolhimento das quantias de R$ 720,00 e R$ 370,00 ao erário, constante no comando sentencial, será afastada pelas razões que adiante serão explicitadas, provendo-se o recurso interposto pela candidata quanto a esse ponto específico.

E, finalmente, ainda que fosse disponibilizada nova oportunidade processual para que a candidata trouxesse aos autos a documentação fiscal comprobatória desses dois gastos eleitorais, permitindo-se a sua desqualificação como causas ensejadoras do juízo de desaprovação da contabilidade, não seria possível acolher a pretensão recursal ao efeito de as contas serem aprovadas ou aprovadas com ressalvas, por remanescerem as irregularidades atinentes às despesas eleitorais de R$ 500,00 e R$ 800,00, que não podem ser sanadas por intermédio da argumentação deduzida na petição recursal e dos documentos que a acompanham, como será analisado na sequência deste voto, e em relação às quais foi devidamente oportunizada defesa à candidata durante a instrução processual.

Somados, esses dispêndios eleitorais de R$ 500,00 e R$ 800,00 atingem 17,99% da totalidade dos recursos movimentados pela recorrente (R$ 7.225,00 — ID 27438483).

E, como consabido, falhas que comprometem patamares superiores a 10% do total das receitas eleitorais auferidas para o custeio da campanha inviabilizam a incidência dos primados da proporcionalidade e da razoabilidade para que as contas sejam aprovadas, ainda que com ressalvas, na esteira da orientação consolidada no âmbito da jurisprudência da Corte Eleitoral Superior e deste Regional.

Logo, analisando as particularidades do trâmite do processo e os efeitos do julgamento do presente recurso, considero que a anulação da sentença, com o retorno dos autos à primeira instância para manifestação da candidata, apenas retardaria a resolução da lide, em prejuízo à celeridade e à efetividade da prestação jurisdicional, sem reverter em benefício à sua situação jurídica no processo.

Por esses motivos, por não constatar prejuízo substancial à prerrogativa de defesa da prestadora com o julgamento do recurso, prossigo em sua análise.

Ainda, em sede preambular, a candidata referiu ter apresentado prestação de contas simplificada, entendendo, à época, não ser necessária a juntada de documentação complementar.

Porém, o processamento das contas pelo sistema simplificado, aplicável a movimentações financeiras equivalentes a, no máximo, R$ 20.000,00, não dispensa o registro da totalidade das receitas e despesas eleitorais, de maneira a assegurar efetividade à atividade fiscalizatória da Justiça Eleitoral, tampouco a apresentação de documentos complementares e esclarecimentos quanto a eventuais inconsistências detectadas pelo órgão técnico de exame (arts. 62, caput, e 64, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Com essas anotações iniciais, passo ao exame individualizado das irregularidades.

 

1. Aplicação de recursos financeiros próprios em patamar superior ao declarado no registro da candidatura

A unidade técnica apontou irregularidade quanto ao aporte de recursos próprios à campanha no montante de R$ 2.700,00, o qual não foi declarado por ocasião da entrega do requerimento de registro da sua candidatura à Justiça Eleitoral, circunstância que, segundo entendimento adotado pelo magistrado de primeira instância, seria indicativa do emprego de verbas de origem não identificada, que são de recolhimento obrigatório ao Tesouro Nacional, na dicção do art. 32, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ocorre que, em sede recursal, a candidata trouxe aos autos o comprovante de rendimentos recebidos do Governo deste Estado e a sua Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda, ambos referentes ao exercício financeiro 2020/ano-calendário 2019 (ID 27439983 e 27440083).

De acordo com essa documentação, a candidata auferiu rendimentos tributáveis no total de R$ 74.209,20 no ano anterior ao pleito, demonstrando possuir capacidade financeira para verter o montante de R$ 2.700,00 à sua campanha.

A comprovação da procedência lícita e da disponibilidade da renda pela candidata atende à exigência do art. 61, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.607/19, obstando a sua caracterização como proveniente de fonte vedada ou de origem não identificada, segundo tem sido decidido por este Colegiado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. UTILIZAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS SEM A CORRESPONDENTE DECLARAÇÃO DE BENS NO REGISTRO DE CANDIDATURA. COMPROVADA A CAPACIDADE ECONÔMICA. DEPÓSITO EM ESPÉCIE DIRETAMENTE NA CONTA DE CAMPANHA. VALOR ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. NECESSIDADE DE TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. DEMONSTRADA A ORIGEM DA DOAÇÃO. INFORMAÇÕES PRESTADAS. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. Apresentação de novos documentos com o recurso. Possibilidade. Providência que contribui para o esclarecimento da movimentação financeira sem prejudicar o procedimento. Utilização de recursos próprios sem declaração de bens no registro de candidatura. Suspeita de ausência de capacidade. Irregularidade suprida pela apresentação da declaração de imposto de renda. Doação acima de R$ 1.064,10 mediante depósito em espécie, sem transferência eletrônica. Documentos comprovando saque de valor idêntico à doação um minuto antes do depósito. Prova que afasta a irregularidade. A divergência na identificação de doador, limitada à falta de preenchimento de seu nome completo, constitui mera inconsistência formal, incapaz de prejudicar a regularidade das contas. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, RE n. 17411, Relator Des. El. MIGUEL ANTÔNIO SILVEIRA RAMOS, Data de Julgamento: 29.6.2018, DEJERS: 03.7.2018, Página 6.) (Grifei.)

 

Importa referir que a situação patrimonial da candidata, declarada no momento do registro da candidatura, não se confunde com a sua situação financeira ou capacidade econômica, associando-se, mais diretamente, ao percebimento de renda, e não à titularidade de bens e direitos, consoante orientação firmada pela Corte Eleitoral Superior (RESPE n. 73230, Acórdão, Relator Min. LUÍS ROBERTO BARROSO, DJE Tomo 027, Data: 07.2.2020, Página 31/32).

Outrossim, o recibo da operação bancária realizada no dia 10.11.2020 (ID 27439933) comprova que o valor de R$ 2.700,00 foi transferido da conta-corrente pessoal da candidata para a conta específica da campanha (ambas abertas junto à agência local do Banrisul), confirmando se tratar de recursos próprios da recorrente.

Dessa forma, na linha do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, a documentação colacionada aos autos permite considerar saneada a irregularidade quanto à arrecadação das receitas eleitorais, afastando-se a presunção de recebimento de recursos sem identificação de origem e, por consequência, a ordem de recolhimento da quantia de R$ 2.700,00 ao Tesouro Nacional.

 

2. Ausência de Comprovação de Despesas Eleitorais Realizadas com “Outros Recursos”

Concluída a análise das contas, foram identificadas falhas relacionadas a quatro despesas eleitorais, no montante total de R$ 2.020,00, envolvendo recursos de natureza privada que foram movimentados na conta bancária destinada a “Outros Recursos”, devido ao desatendimento da normativa contida nos arts. 38, inc. I, e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2.1. Despesas Eleitorais de R$ 500,00 e R$ 800,00

No demonstrativo ID 27437633, os gastos eleitorais de R$ 500,00 e R$ 800,00 foram declarados, respectivamente, em nome dos fornecedores Jeziel Gomes de Morais (Morais Assessoria Contábil - CPF n. 712.450.810/04) e Márcio Arlênio Pinheiro da Fonseca (Estúdio MDF - CNPJ n. 24.089.325/0001-50) (ID 27437633), relativamente aos quais foram apresentados o Recibo n. 414 e a Nota Fiscal de Prestação de Serviço n. 008 (ID 27440133 e 27440183), em atenção ao disposto no art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

No entanto, os pagamentos foram efetuados por meio dos cheques ns. 1 e 2, emitidos de forma nominal sem cruzamento aos referidos fornecedores, como demonstram as cópias das cártulas juntadas aos autos (ID 27440133 e 27439883), restando, assim, inequívoco o descumprimento da norma inserta no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal, que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência referente ao cruzamento — após o qual o pagamento da cártula somente poderá ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na prestação de contas.

A respeito, cito o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. El. LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021.) (Grifei.)

 

Além disso, no extrato bancário da conta-corrente específica da campanha, disponibilizado pelo Sistema de Registro de Candidaturas e Contas Eleitorais na página do Tribunal Superior Eleitoral na internet, as transações bancárias de desconto dos cheques ns. 1 e 2 foram registradas nos dias 27 e 28.10.2020, sob a denominação “Cheque Terceiros por Caixa” e sem identificação das contrapartes beneficiárias dos créditos.

Desse modo, a modalidade de pagamento prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não foi observada pela candidata, não sendo possível afirmar, com segurança, que os fornecedores informados nos registros contábeis, emitentes do recibo e da nota fiscal de serviços apresentados pela recorrente, efetivamente foram os beneficiários dos recursos eleitorais.

Na sentença, o magistrado eleitoral entendeu que a quantia envolvida (R$ 1.300,00) deveria ser transferida ao PDT de Dom Pedrito, na forma de sobra de campanha, com base no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE 23.607/19, porque, em se tratando de recursos privados, a falta de prova dos pagamentos impediria a homologação dos gastos, gerando o dever de recomposição do saldo.

Entretanto, de acordo com entendimento deste Colegiado, o pagamento de despesas eleitorais contratadas com recursos de caráter privado, sem a identificação do fornecedor do bem ou prestador do serviço nos extratos bancários, por falta da emissão de cheques nominais e cruzados, não representa sobra, mas dívida de campanha, como colho da ementa do seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. COMPROVADA CAPACIDADE FINANCEIRA PARA APLICAR RECURSOS PRÓPRIOS NA CAMPANHA. EXERCÍCIO DA VEREANÇA. PROFISSÃO DE ADVOGADO. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PAGAMENTO IRREGULAR DE DESPESAS. AUSÊNCIA DE CHEQUE NOMINAL E CRUZADO. FALTA DE DADOS DO BENEFICIÁRIO DO VALOR. FALHA GRAVE. EXPRESSIVIDADE DA QUANTIA IRREGULARMENTE DESPENDIDA. AFASTADA A DETERMINAÇÃO DE DEPÓSITO NA CONTA BANCÁRIA DO PARTIDO A TÍTULO DE SOBRA DE CAMPANHA. CARACTERIZADA COMO DÍVIDA DE CAMPANHA. RETIFICAÇÃO DA SENTENÇA. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que aprovou com ressalvas as contas referentes às eleições municipais de 2020, diante da declaração de ausência de bens no requerimento de registro de candidatura e posterior aplicação de recursos próprios na campanha e da emissão de cheques pagos por caixa, não cruzados nem preenchidos de forma nominal. Determinado recolhimento de valores ao Tesouro Nacional e transferência para o órgão partidário.

2. Evidenciado, por meio de comprovantes de renda juntados aos autos, que o prestador concorreu à reeleição ao cargo de vereador, possuindo capacidade financeira para aplicar recursos próprios na campanha. Além disso, no requerimento de registro de candidatura, o candidato declarou exercer também a profissão de advogado, afigurando-se comprovada a existência de patrimônio financeiro, em atendimento ao art. 61, caput e parágrafo único, da Resolução TSE 23.607/19, restando sanada a falha e devendo ser afastada a determinação de recolhimento do valor ao erário.

3. Constatada irregularidade pela falta de cópia do cheque nominal cruzado (arts. 35, 38, 53 e 60 da Resolução TSE 23.607/19) utilizado para recebimento na "boca do caixa", sem dados do beneficiário do valor. Apesar da alegação de que os pagamentos estariam comprovados por meio de contratos firmados com fornecedores de bens e serviço, não foi possível identificar, no extrato bancário eletrônico, o atendimento à exigência do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha grave, pois impede que a Justiça Eleitoral efetue o rastreamento do valor para confirmar se o fornecedor de campanha é a mesma pessoa que recebeu o pagamento por meio do cheque. Expressiva quantia irregularmente despendida, equivalente a 58,63% da receita de campanha, impedindo a aprovação das contas sem qualquer ressalva.

4. Impossibilidade de classificação das despesas não comprovadas como sobras de campanha, sendo equivocada a determinação do recolhimento do valor gasto ao partido pelo qual concorreu o recorrente, por aplicação do disposto no art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE 23.607/19. Os pagamentos debitados e não devolvidos aos candidatos não têm a natureza de sobra, pois o art. 50, inc. I, da referida Resolução é expresso ao estabelecer que as sobras são a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, são a receita que remanesce como crédito para o candidato, não sendo este o caso dos autos.

5. A ausência de informação do beneficiário do pagamento ou do retorno dos valores gastos caracteriza a despesa como dívida de campanha não quitada, cujo procedimento está disciplinado no art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, segundo o qual o débito deveria ter sido assumido pelo partido. Retificada, de ofício, a determinação de transferência ao órgão partidário do valor total de pagamentos não comprovados, enquadrando esses recursos como dívida de campanha.

6. Parcial provimento.

(TRE-RS, Rel. n. 0600201-94.2020.6.21.0018, Relator Des. El. GERSON FISCHMANN, julgado na sessão de 1º.9.2021.) (Grifei.)

 

Como asseverou o ilustre Des. Eleitoral GERSON FISCHMANN, a sobra de campanha constitui a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados, ou seja, é a receita que remanesce como crédito para o candidato, segundo dispõe o art. 50, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, não abrangendo os pagamentos debitados e não devolvidos à conta da campanha, como ocorreu relativamente aos gastos sob exame.

Dessa maneira, os valores atinentes aos pagamentos de cheques não nominais e sem cruzamento, efetuados com receitas que transitaram na conta bancária "Outros Recursos", não podem ser considerados como sobras de campanha a serem devolvidas ao órgão partidário municipal, tampouco como recursos de origem não identificada, que são de recolhimento obrigatório ao Tesouro Nacional.

Contrariamente, tais valores devem ser enquadrados como dívida de campanha, nos termos do art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19, devido à ausência de prova da efetiva quitação das despesas eleitorais contraídas junto aos prestadores de serviços informados na prestação de contas.

Ademais, a constatação de débitos de campanha não assumidos pelo partido político pode acarretar a desaprovação da contabilidade, segundo a regra expressa do art. 34 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 34. A existência de débitos de campanha não assumidos pelo partido, na forma prevista no § 3º do art. 33 desta Resolução, será aferida na oportunidade do julgamento da prestação de contas do candidato e poderá ser considerada motivo para sua rejeição.

 

Por essas razões, uma vez caracterizado o montante de R$ 1.300,00 como dívida de campanha, deve ser afastada a ordem de repasse da quantia de R$ 1.300,00 ao PDT de Dom Pedrito.

Em desfecho à análise dessas duas despesas eleitorais, embora tenha sido indicado no parecer conclusivo que o fornecedor Márcio Arlênio Pinheiro da Fonseca (Estúdio MDF - CNPJ n. 24.089.325/0001-50) se encontrava inscrito no Auxílio Emergencial do Governo Federal (ID 27438983), tal apontamento não embasou a glosa do gasto pelo juiz eleitoral de primeira instância, não subsistindo interesse na apreciação da alegação recursal de que a candidata desconhecia esse fato ou da sua declaração pessoal nesse sentido (ID 27440033).

 

2.2. Despesas Eleitorais de R$ 370,00 e R$ 720,00

As despesas eleitorais de R$ 370,00 e R$ 720,00 foram declaradas em nome do Jornal Ponche Verde Ltda. (CNPJ n. 87.715.496/0001-68) e de FML Sociedade Jornalística LTDA. (“Jornal Folha da Cidade” — CNPJ n. 02.770.757/0001-90), em virtude de contratações de serviços de publicidade (ID 27437633).

A respectiva documentação fiscal comprobatória desses dois dispêndios eleitorais não foi apresentada pela candidata, tampouco se encontra disponibilizada no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, persistindo a irregularidade por violação à normativa do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19.

As cópias ou microfilmagens dos cheques ns. 3 e 4, utilizados para fins de pagamento, também não foram juntadas aos autos em primeiro ou segundo graus de jurisdição.

Por outro lado, conforme operações bancárias identificadas nos extratos da conta-corrente “Outros Recursos”, consultados no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, os prestadores de serviços informados na prestação de contas são exatamente aqueles em benefício dos quais as cártulas foram compensadas nos dias 04 e 06.11.2020, com o que foi atendido o escopo da norma do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse contexto, em se tratando de pagamentos efetuados com recursos de natureza privada cuja destinação restou esclarecida, inexiste obrigatoriedade de ressarcimento dos valores ao Tesouro Nacional, devido à ausência de previsão normativa nesse sentido, a qual é precipuamente reservada às irregularidades pertinentes ao gerenciamento das verbas públicas do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), ou ao emprego de receitas de fonte vedada ou de origem não identificada, não verificados com relação aos gastos em comento.

Ao contrário da sentença, entendo que a falta de documentação fiscal idônea ou a ela equiparada não importa o reconhecimento da existência de sobra de campanha, passível de repasse ao órgão partidário municipal (art. 50, inc. I e § 1º, da Resolução TSE 23.607/19), na medida em que não houve devolução dos valores à conta bancária “Outros Recursos”, com recomposição do saldo em favor da candidata.

Do mesmo modo, não resta configurada hipótese de dívida de campanha, que deve ser assumida pela agremiação partidária local (art. 33 da Resolução TSE n. 23.607/19), porquanto os prestadores de serviços declarados na demonstração contábil receberam os pagamentos que lhes eram devidos, não incidindo a conclusão adotada no julgamento do Rel. n. 0600201-94.2020.6.21.0018, à qual me reportei no item anterior.

Consequentemente, também merece ser afastada a determinação de recolhimento da quantia de R$ 1.090,00 (R$ 370,00 + R$ 720,00) ao Diretório Municipal do PDT de Dom Pedrito.

3. Juízo de Desaprovação das Contas

O juízo de desaprovação da escrituração contábil merece ser mantido.

Sob esse viés, as irregularidades relativas às despesas eleitorais quitadas com recursos privados (“Outros Recursos”) integralizam o valor de R$ 2.020,00, o qual é superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de maneira a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Acrescento que o valor das falhas representa 27,96% das receitas auferidas pela candidata, as quais somaram R$ 7.225,00 (ID 27438483), impedindo a incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ao efeito de a contabilidade ser aprovada, ainda que com ressalvas, por comprometer substancialmente a sua confiabilidade e transparência, segundo orientação da Corte Eleitoral Superior, ilustrada, a contrario sensu, na ementa abaixo colacionada:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. AGRAVO INTERNO TEMPESTIVO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM APENAS 0,4% DO TOTAL ARRECADADO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PERCENTUAL INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O prazo recursal do Ministério Público inicia–se com a intimação pessoal e não com a publicação da decisão combatida. Precedentes. 2. Na espécie, o TRE/SP, em sede de aclaratórios, reconheceu a prestação de contas retificadora, apresentada de forma intempestiva pelo candidato, apenas para afastar algumas irregularidades e diminuir o valor de outras, mantendo a desaprovação das contas.3. A inexistência de recurso especial eleitoral contra a aceitação de documentos que acompanharam os embargos de declaração e que modificaram a sanção decorrente do julgamento impede que, em sede de agravo interno, essa moldura fática deixe de ser observada. 4. O valor total das irregularidades presentes na prestação de contas do candidato corresponde ao valor total que deve ser recolhido ao erário e à agremiação partidária. 5. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que contenham percentual abaixo de 10% do total da arrecadação, ainda que o valor absoluto seja elevado. Precedentes. 6. Adota–se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de "tarifação do princípio da insignificância" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não supera 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo–se, então, a aprovação das contas com ressalvas. 7. No caso dos autos, o diminuto percentual das falhas detectadas (0,40%) – em relação ao valor absoluto arrecadado em campanha – não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas. 8. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 060698914, Acórdão, Relator(a) Min. EDSON FACHIN, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 161, Data 13.8.2020.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso interposto por ADRIANA DA FONTOURA SARAIVA para, mantendo o juízo de desaprovação das suas contas relativas às eleições de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, afastar a ordem de recolhimento da quantia de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) ao Tesouro Nacional e de transferência do valor de R$ 2.020,00 (dois mil e vinte reais) ao PDT de Dom Pedrito.

É como voto, Senhor Presidente.