REl - 0600448-70.2020.6.21.0149 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

ANTONIO CARLOS TEIXEIRA, candidato ao cargo de vereador do Município de Igrejinha nas eleições 2020, recorre da sentença que desaprovou as contas de campanha, em razão de (1) gastos não comprovados com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; (2) despesas pagas sem comprovação de trânsito em conta de campanha; e (3) extrapolação do limite de gastos nas despesas com alimentação.

A decisão aplicou multa no valor de R$ 45,00, prevista no art. 6º da Resolução TSE 23.607/19, e determinou o recolhimento da quantia de R$ 960,00 ao Tesouro Nacional.

Quanto à primeira irregularidade, com base no parecer conclusivo acolhido pela sentença hostilizada, verifico a ocorrência de despesa declarada no valor de R$ 960,00, paga pelo cheque n. 900001, nominal a Talita Gabriela Barbosa. No entanto, a cártula, adimplida com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, não foi cruzada.

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece os meios de quitação e de comprovação dos gastos eleitorais, conforme os arts. 38 e 60, que transcrevo:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

A parte recorrente alegou, para todas as irregularidades, que as falhas são de pequena monta, não comprometem a totalidade da prestação e que a origem e destinação dos recursos está comprovada.

Sem razão.

Como mencionado, não houve o cruzamento do cheque e não foi apresentada a contraparte declarada nas informações prestadas à Justiça Eleitoral. O recibo firmado por Talita Barbosa, pessoa à qual foi nominalmente endereçado o título, trata-se de documento de produção unilateral, sem força probante para confirmar que o recurso público foi efetivamente usado no pagamento ao fornecedor do serviço, pois o trânsito da movimentação financeira nas contas bancárias é a medida legalmente imposta para a comprovação do real destino dos valores.

Ressalto que a comprovação segura da aplicação das verbas usadas na campanha eleitoral se faz por meio dos documentos idôneos, corretamente preenchidos e movimentados conforme determinam as regras eleitorais, nos termos dos arts. 53, inc. II, al. "c", e 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, como bem esclarece o douto Procurador Regional Eleitoral:

Diga-se que os documentos previstos no art. 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE nº 23.607/2019 jamais se prestam, sozinhos, à comprovação dos gastos eleitorais, devendo, pois, serem entendidos como um reforço de comprovação em relação àqueles informados no art. 38 e seus incisos da mesma Resolução. Em outras palavras, os documentos fiscais idôneos, com o preenchimento de todos os dados necessários a que alude o art. 60, devem se somar aos meios de pagamento determinados no art. 38, jamais podendo ser apontados como alternativos ou exclusivos para efeito de comprovação da efetiva e regular utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

Tal caráter meramente complementar dos documentos do art. 60 se extrai de dois pilares principais.

Primeiro, tais documentos não possuem fé suficiente, uma vez que são de produção unilateral, ou, no máximo, bilateral, entre o candidato e uma pessoa qualquer informada como fornecedor de serviço ou de bem, o que claramente pode dar margem a burlas mediante a entabulação de relações simuladas, com o intuito de encobrir o real destino dos valores da campanha.

Depois, porque os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha.

Assim, se por um lado o pagamento pelos meios indicados pelo art. 38 da Resolução TSE nº 23.607/19 não é suficiente, por si só, para atestar a realidade do gasto de campanha informado, ou seja, de que o valor foi efetivamente empregado em um serviço ou produto para a campanha eleitoral, sendo, pois, necessário trazer uma confirmação, chancelada pelo terceiro com quem o candidato contratou, acerca dos elementos da relação existente; por outra via a tão só confirmação do terceiro por recibo, contrato ou nota fiscal também é insuficiente, pois não há registro rastreável de que foi ele quem efetivamente recebeu o referido valor.

É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FP ou FEFC.

Nesse norte, acertadamente, a sentença determinou o recolhimento dos valores, pois a receita utilizada para os pagamentos teve origem em verba pública.

No concernente à segunda irregularidade – despesas pagas com “outros recursos”, sem comprovação de trânsito em conta de campanha, pois ausentes os extratos bancários, – destacam-se os valores de R$ 55,00, R$ 82,00 e R$ 110,00, destinados, respectivamente, aos fornecedores Gutkopie Impressões Ltda., Ester de Souza Restaurante, e JZ Restaurante Ltda., a primeira e a segunda pagas em cheques não nominais e sem cruzamento, e a última com cheque nominal, sem cruzamento, acompanhado de recibo firmado pelo fornecedor.

Nenhum argumento recursal permite a reforma da decisão.

Embora aqui se trate de verbas advindas da doação à campanha, e não de recursos provenientes do FEFC ou Fundo Partidário, as exigências legais para comprovação de gastos para ambas as espécies de verbas são as mesmas, com diferenças apenas na parte alusiva ao sancionamento, pois não há obrigação de recolhimento quando a irregularidade não ocorrer em manejo de verbas públicas. Com efeito, aproveita-se a argumentação levada a cabo anteriormente para concluir que configurada está a falha no montante de R$ 247,00.

No que toca à terceira irregularidade, tenho que a contabilidade da campanha extrapolou  em R$ 45,90 o limite de gastos nas despesas com alimentação definido no art. 42 da citada Resolução:

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

I - alimentação do pessoal que presta serviços às candidaturas ou aos comitês de campanha: 10% (dez por cento);

 

O recorrente não esclareceu ou apresentou justificativa para o excesso, devendo permanecer a irregularidade e a multa imposta, nos termos do art. 6º da legislação de regência.

Por fim, observo que as irregularidades somadas alcançam o alto percentual de 82,6% da arrecadação e superam o parâmetro de R$ 1.064,10 estabelecido no art. 43, caput, e referido no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, utilizado por este Tribunal como autorizador da aplicação do postulado da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas, impondo-se a manutenção da sentença.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.