REl - 0600677-86.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, na forma em que determina o art. 85 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

Todavia, necessário analisar a inadmissibilidade parcial do recurso apontada pela Procuradoria Regional Eleitoral (ID 20449483).

In casu, observa-se que o recorrente, em suas razões, manifesta inconformismo quanto à sentença de primeiro grau que, dentre outro motivo, desaprovou suas contas eleitorais por irregularidades identificadas em contratos com despesas de pessoal, pagas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Efetivamente a falha foi assinalada no relatório de exame técnico (ID 18771233), que concluiu pela desaprovação das contas e recolhimento da quantia devida ao Tesouro Nacional.

A sentença de piso, entretanto, pelo exame do conjunto probatório, desconsiderou as insuficiências relatadas no parecer conclusivo, não reconhecendo as irregularidades ou violações à legislação no ponto (ID 18771433).

Como bem destacado pelo ilustre Procurador Regional, as irregularidades mencionadas foram consideradas sanadas pelo magistrado a quo razão pela qual “não há interesse recursal no tocante à questão alusiva à comprovação dos gastos através dos contratos de prestação com os fornecedores ROGÉRIO COSTA DA SILVA e KIMERSON CONCEIÇÃO DOS SANTOS”.

Por essas razões, entendo que a análise do recurso deve seguir tão somente em relação ao recebimento de doação estimável em dinheiro de fonte vedada.

Preliminarmente

Documentos apresentados com o Recurso

Ainda em sede preliminar, cumpre registrar a viabilidade dos documentos apresentados com o recurso.

Embora o egrégio Tribunal Superior Eleitoral possua entendimento no sentido de que julgadas as contas, com oportunidade prévia para saneamento das irregularidades, não se admite, em regra, a juntada de novos documentos (TSE, AgReg no RESPE n. 239956, Relatora Min. Rosa Weber. DJE: 31.10.2016), este Tribunal Regional, sempre em juízo de exceção, tem se pautado pela potencialização do direito de defesa no âmbito dos processos de prestação de contas, especialmente quando se trata de documento simples que dispense a necessidade de nova análise técnica ou de diligências complementares, não apresentando prejuízo à tramitação processual.

O posicionamento encontra fundamento no art. 266 do Código Eleitoral e está amparado pela reiterada jurisprudência desta Corte Regional, conforme ilustram as ementas das seguintes decisões:

Recurso Eleitoral. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Preliminar afastada. É faculdade do juiz eleitoral a conversão das contas simplificadas para o rito ordinário, a fim de que sejam apresentadas contas retificadoras. Art. 62 da Resolução TSE n. 23.463/15. A falta de conversão, frente à possibilidade de prolação da sentença com os elementos constantes nos autos, não acarreta cerceamento de defesa. Oportunizada a manifestação do candidato acerca do parecer do órgão técnico, ocasião em que juntados documentos.

Conhecimento dos documentos apresentados em grau recursal, nos termos do art. 266 do Código Eleitoral.

A ausência de registro de doação ou cessão de veículo automotor é irregularidade sanável. Apresentação de retificação das contas, de modo a suprir a omissão e possibilitar a aprovação da contabilidade.

Provimento.

(TRE-RS – RE 522-39/RS, Relator: DES. FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, Data de Julgamento: 14.3.2017) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. APRESENTAÇÃO INTEMPESTIVA DE DOCUMENTOS. CONHECIDOS, EXCEPCIONALMENTE, POR NÃO DEMANDAREM ANÁLISE TÉCNICA OU DILIGÊNCIAS ADICIONAIS. FALHA SANADA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Conhecidos, excepcionalmente, os documentos apresentados de forma extemporânea, por permitirem através de simples leitura, a aferição do saneamento ou não das falhas, independentemente de diligências adicionais, conforme a jurisprudência deste Tribunal para as eleições de 2018. Ressalvada a posição de que, respeitada eventual mudança normativa, este entendimento não deve ser mantido em relação às contas das eleições vindouras, caso em que as circunstâncias ora consideradas não serão relevadas, aplicando-se o instituto da preclusão.

2. Irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Partidário. Tendo a parte juntado a microfilmagem dos cheques faltantes, possibilitando a aferição de que foram emitidos de forma nominal a fornecedor, tal como informado na prestação de contas, resta suprida a falha apontada pelo parecer técnico mediante a juntada de provas que não demandaram diligências complementares.

3. Aprovação com ressalvas.

(Prestação de Contas n 060240891, ACÓRDÃO de 02/12/2019, Relator: GERSON FISCHMANN, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão) (Grifei.)

Prossigo, passando ao exame da questão de fundo.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato a vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

As contas do recorrente foram desaprovadas com base em item do parecer técnico conclusivo das contas (ID 24325083), no qual foi indicada irregularidade que consiste no recebimento de doação de recurso estimável em dinheiro de fonte vedada (pessoa jurídica).

Conforme decisão do juízo (ID 18771433), a irregularidade apurada reside na evidência de financiamento de fonte vedada, referente a alegada doação realizada por ÂNGELA CRISTINA DE SOUZA OETINGER de cento e cinquenta (150) unidades de material impresso estimados em R$ 10,00 o que totalizou R$ 1.500,00.

Como relatou o magistrado, o objeto da doação não constitui produto do serviço ou da atividade econômica da doadora, que adquiriu o material da empresa individual OSWALDO MARCHIORO JÚNIOR, o que foi comprovado por nota anexada aos autos pelo prestador (ID 18770583), caracterizando operação de doação indireta de pessoa jurídica, que é vedada pela legislação eleitoral.

No curso da instrução (ID 18770283), e agora na via recursal (ID 18771683), a prestadora manifestou-se sobre o apontamento, afirmando que, conforme nota fiscal de compra, os impressos foram adquiridos regularmente pela doadora Ângela, e à época da doação os bens integralizavam o seu patrimônio, conforme autoriza o art. 25 da Resolução TSE n. 23.607/2019.

As circunstâncias dos autos permitem concluir, contudo, que em parte, assiste razão ao recorrente, que deve ter suas contas aprovadas com ressalvas.

Passo a explicar.

Ao candidato é vedado o recebimento de qualquer espécie de doação proveniente de pessoas jurídicas, conforme disposto no art. 31 da Resolução 23.607/2019, in verbis:

Art. 31. É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I – pessoas jurídicas;

(…)

§ 3º O recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser imediatamente devolvido ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira.

§ 4º Na impossibilidade de devolução dos recursos ao doador, o prestador de contas deve providenciar imediatamente a transferência dos recursos recebidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

No caso dos autos, ainda que se reconheça que a doação objeto da discussão, tenha ocorrido de forma indireta pelo fornecedor do material gráfico, ela não pode ser concebida como oriunda de fonte vedada por pessoa jurídica. Isso porque, OSWALDO MARCHIORO JÚNIOR é empresário individual, cujo patrimônio, conforme já assentado pela jurisprudência, confunde-se com o pessoal, de modo que corresponde a um só conjunto de bens, cujo domínio pertence à pessoa física.

A atividade de empresário individual exercida pelo doador indireto não é causa de aquisição de personalidade jurídica distinta da pessoa física.

Elucidativas as palavras de RUBENS REQUIÃO ao discorrer sobre o tema em comento:

(…) o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda (Curso de Direito Comercial, 1º vol., 14ª ed., pág. 64).

Também nesse sentido, colaciono precedente:

Recurso Eleitoral. Eleições 2014. Doação estimável em dinheiro. Firma individual. Limite de doação a campanha eleitoral. Art. 23, § 1º, inciso I, e § 7º, da Lei 9.504/97. Regularidade. Recurso provido.

I – Nos termos dos precedentes do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, a firma individual ou empresa individual, não tem personalidade jurídica própria, de modo que nada mais é do que a própria pessoa natural a exercer atividades de empresa. Portanto, trata-se da mesma pessoa. Assim, as doações efetuadas por firmas individuais submetem-se aos limites estabelecidos às pessoas físicas, consoante disposições do art. 23, § 1º, inciso I, e § 7º, da Lei n. 9.504/97.

II – Recurso conhecido e provido.

(TRE-RO – RECURSO ELEITORAL n 060027867, ACÓRDÃO n 13/2020 de 13/02/2020, Relator CLÊNIO AMORIM CORRÊA, Publicação: DJE) (Grifei.)

Por conseguinte, pela natureza da doação, mesmo que a movimentação tenha ocorrido reconhecidamente de forma indireta, não há que se falar em recebimento de recursos de fonte vedada por pessoa jurídica.

De outra banda, imperioso reconhecer que a doação registrada na contabilidade descumpriu a regra do art. 25 da Resolução TSE n. 23.607/2019, que estabelece:

Art. 25. Os bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro doados por pessoas físicas devem constituir produto de seu próprio serviço, de suas atividades econômicas e, no caso dos bens, devem integrar seu patrimônio.

Conforme a legislação de regência, as doações estimáveis em dinheiro devem constituir produto do serviço ou da atividade econômica do doador, ou, no caso de se tratar de bem, integrar o patrimônio do doador, o que claramente não é o caso dos autos.

Como bem destacou o parecer técnico conclusivo, verifica-se que o recurso doado é, em verdade, produto do serviço e das atividades econômicas de OSVALDO MARCHIORI JUNIOR, e não de ANGELA CRISTINA DE SOUZA OETINGER. Da mesma forma, não sendo a referida doação de um bem permanente, não poderia integrar o patrimônio da doadora, conforme alega o prestador das contas, contrariando o que reza o Artigo 25 da Resolução TSE n. 23607/2019 (ID 18771233).

Assim, embora descaracterizada a natureza de fonte vedada da irregularidade, diante da configuração do pagamento de despesas eleitorais por terceiros pessoas físicas, mediante recursos financeiros que não transitaram pela conta bancária de campanha do candidato, a irregularidade passa a adquirir natureza de recurso de origem não identificada, nos termos do art. 14 c/c inc. IV do art. 32, ambos da Resolução TSE n. 23.607/2019, in verbis:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

(…)

VI – os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

Nesse sentido, por força do caput do art. 32 da citada Resolução, o valor irregular deve ser transferido ao Tesouro Nacional. Contudo, tendo em vista a inexistência de condenação por parte do juízo a quo e de recurso pleiteando a devolução ao Tesouro, incabível a imposição de ofício por esta Corte, em observância aos princípios do tantum devolutum quantum appellatum e da non reformatio in pejus.

Por fim, reconhecida a irregularidade, é plausível fazer uso dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade pois o valor doado é de pequena monta (R$ 1.500,00) e corresponde a apenas 3,51% da totalidade dos valores arrecadados no curso da campanha (R$ 42.690,48). Assim, apesar da falha, o valor diminuto não chega a prejudicar a confiabilidade das contas, conforme pacífica jurisprudência:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. ELEIÇÕES 2018. GASTOS COM VERBA DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO DOS FORNECEDORES. FALTA DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS FISCAIS. PAGAMENTO IRREGULAR DE DESPESAS RELATIVAS AO IMPULSIONAMENTO DIGITAL EM REDE SOCIAL COM RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. QUANTIA IRRISÓRIA. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Pagamento de despesas por meio de cheques, sem a identificação dos beneficiários nos extratos bancários e falta de apresentação dos respectivos documentos fiscais. Aplicação irregular das verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC. Contrariedade ao regramento previsto no art. 56, inc. II, al. “c”, e art. 63, ambos da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. A pessoa física do candidato contratou impulsionamento digital junto ao Facebook e utilizou recursos do Fundo Partidário para o pagamento, caracterizando contratação indireta de serviços. Desrespeito da regra disposta no art. 37, inc. XII, da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Tratando-se de gastos eleitorais realizados com verba de natureza pública, imprescindível a observância da normatização regente. Recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores irregularmente utilizados.

4. Falhas que alcançam apenas 1,91% dos valores arrecadados e despendidos na campanha eleitoral, possibilitando, na esteira do entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, para aprovar as contas com ressalvas.

(Prestação de Contas n 0602938-95, ACÓRDÃO de 14/05/2019, Relator MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data 17/05/2019 (Grifei.)

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo parcial provimento do recurso interposto, para aprovar com ressalvas as contas de Hamilton Sossmeier, relativas ao pleito de 2020, nos termos do art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/2019.