REl - 0600192-43.2020.6.21.0080 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato a vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

As contas do recorrente foram desaprovadas com base em parecer conclusivo de exame técnico das contas (ID 23567683), no qual foram indicadas irregularidades que consistem em: a) doação por depósito em espécie de valor superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) e; b) despesas com aluguel de veículo superior a 20% sobre o valor total de despesas da campanha.

No curso da instrução, o prestador manifestou-se reconhecendo as inconsistências apuradas (ID 23567633), relatando desconhecimento da legislação eleitoral, bem como informando a ocorrência de equívoco.

Agora, na via recursal, o recorrente reafirmou seus argumentos (ID 23568283), complementando ainda, quanto ao gasto com locação de veículos, que o excesso somente se deu em razão da inesperada baixa na arrecadação de receitas para a campanha.

As circunstâncias dos autos não permitem, contudo, que as alegações possam surtir o efeito desejado pelo prestador – aprovação das contas com ressalvas.

Passo a explicar.

Da doação financeira recebida de pessoa física acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais, e dez centavos) sob a forma de depósito em espécie.

Inicialmente, a sentença de primeiro grau, com base em parecer técnico conclusivo, assinalou o recebimento de doação financeira de pessoa física, em valor superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), realizada de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal (ID 23567933).

O valor irregular corresponde a R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) recebido sob a forma de depósito bancário em espécie, em infringência ao disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, abaixo transcrito:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I – transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento. (Grifei.)

O recorrente não contesta a ocorrência da irregularidade, restringindo-se a afirmar que a doadora não agiu com má-fé e que apenas desconhecia a legislação de regência.

Entretanto, essa circunstância não torna lícita a doação.

O dispositivo citado é claro no sentido de que as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) devem ser realizadas por meio de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do candidato, ou cheque cruzado e nominal, com a identificação do número do CPF do doador, requisitos legais indispensáveis, ainda que o candidato esteja direcionando recursos próprios para a sua campanha.

A normativa posta na Resolução TSE n. 23.607/2019 visa a coibir manipulações e transações ilícitas de recursos destinados ao financiamento das campanhas eleitorais, envolvendo, por exemplo, a arrecadação de verbas provenientes de fontes vedadas pela legislação eleitoral, ou o desatendimento dos limites legais de doação, condutas que tendem a provocar desequilíbrio entre os concorrentes, afetando a legitimidade da disputa eleitoral.

In casu, a identificação do CPF e nome do depositante é insuficiente para elidir a irregularidade, visto que não se identifica a verdadeira origem do recurso, mas tão somente aquele que efetivou o depósito.

Nesse sentido é a jurisprudência:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. DOAÇÃO MEDIANTE DEPÓSITO BANCÁRIO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. FALHA QUE REPRESENTA 20,65% DA TOTALIDADE DOS VALORES AUFERIDOS NA CAMPANHA ELEITORAL. DESAPROVAÇÃO.

1. As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 só poderão ser efetivadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário, nos termos do disposto no art. 22, inc. I e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.553/17. Depósitos bancários sucessivos, realizados por um mesmo doador em uma mesma data, são somados e devem respeitar o limite regulamentar.

2. Ainda que os depósitos tenham sido individualizados no extrato bancário pelo CPF, a forma escolhida impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional, obstando a aferição da exata origem da receita, sendo o recurso considerado de origem não identificada. Recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional.

3. Falha que representa 20,65% da totalidade dos valores arrecadados na campanha, comprometendo a transparência e a confiabilidade das contas.

4. Desaprovação. (Grifei).

(TRE-RS, PC n. 0602126-53.2018.6.21.0000, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado na sessão de 03.10.2019) (Grifei).

Conforme se afere do extrato final da movimentação financeira da prestação de contas (ID 23567383), bem como do parecer técnico exarado pelo examinador à origem (ID 23567683), mesmo excedido o limite da doação por depósito em espécie, os recursos foram utilizados e, ainda que identificado o doador, os valores não foram a ele restituídos, infringindo o disposto no art. 21, §§ 3º e 4º, da resolução TSE n. 23.607/2019.

Em vista da utilização do montante doado, não mais se mostra possível, como requer o recorrente, a devolução dos recursos à origem, porquanto não mais disponíveis.

Dessa sorte, em razão da natureza da irregularidade constatada, assim como pelo fato de ter sido efetivamente utilizado na campanha do candidato o valor correspondente, a obrigação de recolhimento da quantia movimentada ao Tesouro Nacional é medida que se impõe.

Da extrapolação de limite de gastos de despesas com aluguel de veículos automotores:

A sentença reconheceu, ainda, que as despesas com aluguel de veículos automotores extrapolaram o limite de 20% do total dos gastos de campanha, infringindo o disposto no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/2019, que assim dispõe, in verbis:

Art. 42. São estabelecidos os seguintes limites em relação ao total dos gastos de campanha contratados (Lei nº 9.504/1997, art. 26, § 1º):

(...)

II – aluguel de veículos automotores: 20% (vinte por cento).

No caso dos autos, o candidato realizou despesas com aluguel de veículos na quantia total de R$ 3.696,35 (três mil, seiscentos e noventa e seis reais e trinta e cinco centavos). Porém, considerando o total de gastos contratados em sua campanha (R$ 10.241,07), o limite para despesas dessa natureza era de aproximadamente R$ 2.048,21 (dois mil e quarenta e oito reais e vinte e um centavos). Assim, o prestador ultrapassou o limite em R$ 1.648,14 (mil seiscentos e quarenta e oito reais e quatorze centavos), o que representa uma extrapolação superior a 80% do valor máximo que poderia ser gasto com locação de veículos.

No ponto, o recorrente alega equívoco e argumenta que teve uma arrecadação de receitas muito inferior ao efetivamente esperado na campanha eleitoral, razão pela qual o valor dos gastou acabou também reduzido.

Entendo que as alegações trazidas pelo recorrente não o socorrem, uma vez que está caracterizado o ilícito quando o limite legal, objetivamente previsto, foi ultrapassado.

Por oportuno, trago à colação o precedente deste Regional sobre o tema:

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Limite de gastos. Art. 26 da Lei n. 9.504/97. Eleições 2016. Preliminar afastada. Somente é admissível a concessão de efeito suspensivo ao recurso quando a decisão atacada resultar na cassação de registro, no afastamento do titular ou na perda de mandato eletivo, consoante art. 257 do Código Eleitoral. Efeitos não vislumbrados na presente demanda, que julga contas eleitorais.

O teto percentual específico, determinado pela lei eleitoral, para aluguel de veículos automotores é de 20% em relação ao total de gastos da campanha. Limite extrapolado em acentuada porcentagem pelo prestador. Infringência que compromete a regularidade das contas. Desaprovação.

Provimento negado.

(TRE-RS – RE 247-61 – Rel. Dr. Luciano André Losekann – P. Sessão do dia 9.5.2017.) (Grifei.)

Ainda, a observação do limite de gastos configura condição para a equiparação de oportunidades e para o tratamento isonômico entre os candidatos, impondo-se ao pretendente de mandato eletivo elaborar seus planos e estratégias de campanha de acordo com os ditames legais.

Assim, em decorrência do descumprimento da norma inserida no inc. II, do art. 42 da Resolução TSE n. 23.607/2019, que incide de forma objetiva, independentemente de boa-fé, desconhecimento do texto legal, ou mero equívoco, o excesso cometido é irregularidade grave, capaz de gerar desaprovação da contabilidade, tendo em vista o comprometimento da regularidade das contas do candidato.

Cumpre referir que, nos termos do art. 6º da Resolução TSE n. 23607/19, verificado o gasto de recursos de campanha acima do limite previsto, aplicável multa equivalente a 100% da quantia que exceder o limite estabelecido.

Contudo, tendo em vista a inexistência de condenação por parte do juízo a quo e de recurso pleiteando a aplicação da sanção, incabível a imposição de ofício por esta Corte, em observância aos princípios do tantum devolutum quantum appellatum e da non reformatio in pejus.

Percentual das Irregularidades Constatadas

Por fim, somadas as irregularidades de recebimento de doação em espécie, via depósito bancário, acima do limite legal (R$ 1.800,00) e extrapolação do limite de gastos com locação de veículos (R$ 1.648,14), perfazem um total de R$ 3.448,14 (três mil, quatrocentos e quarenta e oito reais e quatorze centavos), e representam, em termos percentuais, 33,66% do total de recursos arrecadados pelo recorrente, motivo pelo qual não há que se falar em proporcionalidade ou razoabilidade, e deve ser mantida a sentença de desaprovação de contas.

No mesmo sentido cito precedentes das Cortes Regionais:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA DE 2018. CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL. DOAÇÃO EM ESPÉCIE ACIMA DE R$ 1.064,10. AFRONTA AO ARTIGO 22, §§ 1º E 3º, DA RESOLUÇÃO TSE Nº 23.553/2017. IRREGULARIDADE NO IMPORTE DE R$ 3.500,00 (52,99% DO TOTAL). IRREGULARIDADE QUE COMPROMETE A HIGIDEZ DAS CONTAS. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE, RAZOABILIDADE E INSIGNIFICÂNCIA. DESAPROVAÇÃO, COM DETERMINAÇÃO.

(TRE/SP, PC nº 060037556, Acórdão, Relator(a) Des. Nelton Agnaldo Moraes dos Santos, Publicação: DJE, Tomo 21, Data 01/02/2021) (Grifei.)

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DOAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS. GASTOS COM ALUGUEL DE VEÍCULOS ACIMA DO LIMITE. CONTAS DESAPROVADAS. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.

1 – A sentença registra existência de recebimento de recursos de origem não identificada no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), provenientes de aplicação de recursos próprios que superam o patrimônio declarado no registro de candidatura e, após ser intimado, o candidato limitou-se a afirmar que possuía vínculo empregatício e renda fixa, sem, porém, apresentar qualquer documento que comprovasse suas alegações. Assim, não há, nos autos, qualquer elemento capaz de corroborar o alegado, sendo certo que o candidato não declarou qualquer patrimônio em seu registro de candidatura, tampouco valores monetários de sua propriedade.

2 – Logo, não restou evidenciado que o candidato possuía condições de realizar a doação realizada no valor de R$ 1.500,00, razão pela qual referida irregularidade deve ser analisada em conjunto com as demais inconsistências apuradas na prestação de contas.

3 – Verifica-se, ainda, que o candidato realizou despesas com aluguel de veículos na quantia total de R$ 1.300,00 (mil e trezentos reais); porém, considerando o total de gastos contratados em sua campanha (R$ 3.655,00) o limite para despesas dessa natureza era de aproximadamente R$ 730,00 (setecentos e trinta reais).Assim, o candidato ultrapassou o limite em R$ 569,00 (quinhentos e sessenta e nove reais), o que representa uma extrapolação de aproximadamente 77% do valor máximo que poderia ser gasto com aluguel de veículos automotores. Embora se trate de quantia nominalmente baixa (R$ 569,00), entendo que referida irregularidade tem que ser analisada em conjunto com aquela relatada no item 2 (doação de quantia incompatível com o patrimônio do candidato, no valor de R$ 1.500,00).

3 – Assim, somadas as duas irregularidades, tem-se o valor total de R$ 2.069,00 (dois mil e sessenta e nove reais), o que, além não consistir em quantia nominalmente baixa, representa 24% do montante de despesas da prestação de contas, impossibilitando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto.

4 – Recurso conhecido e desprovido.

(TRE/ES, RE n 29359, ACÓRDÃO n 147 de 14/06/2017, Relatora CRISTIANE CONDE CHMATALIK, Publicação: DJE – ES, Data 29/06/2017, Página 6/7) (Grifei.)

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença que desaprovou as contas de Luís Clairton Behling Weber, relativas ao pleito de 2020, e manter o recolhimento do valor de R$ 1.800,00 (mil e oitocentos reais) ao Tesouro Nacional.