REl - 0600403-19.2020.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é regular e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas em virtude de ter destinado recursos próprios ao financiamento da sua campanha, no montante de R$ 2.345,50, consistentes em uma doação em moeda corrente na quantia de R$ 1.085,50 e cessão de veículo próprio, em valor estimado de R$ 1.260,00, extrapolando em R$ 639,02 o limite de autofinanciamento para o cargo em disputa, o qual, no referido município, era de R$ 1.706,48 (10% de R$ 17.064,77, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, com base nas eleições municipais de 2016).

Por consequência, à prestadora foi imposta multa de 30% da quantia em excesso, de acordo com a previsão do art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual reproduz a normativa contida no art. 23, §§ 2º-A e 3º, da Lei n. 9.504/97.

Irresignada, a recorrente alega que a extrapolação do limite de autofinanciamento ocorreu porque declarou a cessão de veículo próprio à campanha em valor estimável de R$ 1.260,00. Sustenta que o procedimento de cessão está de acordo com o previsto no § 3º do art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19. Requer a aprovação das contas, ainda que com ressalvas.

Sem razão.

A matéria objeto de análise encontra-se disciplinada pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu 27, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei n. 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

Veja-se que o art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19 trata do autofinanciamento de campanha, estabelecendo que o candidato somente poderá empregar recursos próprios no valor máximo de 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer, não havendo exceção a tal preceito.

Infere-se, pois, que o limite para custeio da campanha com recursos próprios é objetivo, aferido a partir de simples equação matemática em relação ao teto legal de gastos relacionados ao cargo em disputa.

Como bem pontuado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, independe se os recursos próprios são em espécie ou estimáveis em dinheiro (ID 44367633):

Outrossim, a exceção prevista no art. 27, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, que exclui as doações estimáveis do limite legal, faz remissão ao caput do aludido dispositivo, que estabelece limite para doações de pessoas físicas, não sendo específico para o candidato. É dizer, a ressalva do § 3º não se aplica ao limite de gastos com recursos do próprio candidato estabelecido no §1º do mesmo dispositivo. Ademais, o art. 5º, inc. III, da Resolução TSE nº 23.607/2019 dispõe expressamente que doações estimáveis em dinheiro devem ser contabilizadas para efeito de cálculo de limite de gastos realizados pelo candidato.

(…)

E a razão de ser da inclusão, no limite do autofinanciamento com recursos próprios, das doações estimáveis em dinheiro é assegurar o princípio da isonomia entre os candidatos. Caso assim não fosse, por exemplo, um candidato que não possuísse veículo automotor teria incluído, para o cômputo dos seus limites de gastos, as despesas realizadas com recursos próprios com aluguel de carro, enquanto o candidato que possuísse veículo não teria qualquer gasto incluído para aferição do mesmo limite legal, para a realização de idêntica atividade de campanha.

 

Assim, tendo a candidata ultrapassado o limite permitido de R$ 1.706,48 para utilização de recursos próprios, não merece reparo a decisão de primeiro grau, no ponto em que considerou irregular o excesso de arrecadação na ordem de R$ 639,02, aplicando à prestadora multa de R$ 191,70, equivalente a 30% do valor excedido, medida adequada, razoável e proporcional às circunstâncias do caso em comento.

Desse modo, deve ser mantido o comando do juízo a quo, determinando-se o pagamento de R$ 191,70, o qual, corrigindo erro material da sentença, deve ser recolhido ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), como previsto no art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Por outro lado, o valor da falha (R$ 639,02) possui diminuta expressividade econômica, sendo, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, dispensando o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Sob essa perspectiva, nada obstante atinja 27,24% do total destinado ao financiamento da campanha (R$ 2.345,50), a irrelevância do valor nominal da falha atrai a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade invocados na fundamentação recursal para que a escrituração contábil seja aprovada com ressalvas, adotando-se, como referência, o patamar de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas da recorrente, mantendo a condenação à penalidade de multa no valor de R$ 191,70, o qual, corrigindo erro material da sentença, deve ser destinado ao Fundo Partidário.

É como voto, Senhor Presidente.