REl - 0600485-67.2020.6.21.0062 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

 

Mérito

No mérito, a prestação de contas da recorrente foi desaprovada devido à (a) utilização de recursos de origem não identificada (RONI), no valor de R$ 658,09, referentes à compra de combustível, cujas notas foram emitidas para o CNPJ da candidata mas não constaram na prestação de contas; (b) existência de conta bancária sem o correspondente registro na prestação de contas; e (c) equívoco no procedimento de transferência das sobras de campanha.

Passo ao exame individualizado das irregularidades.

1. Recursos de origem não identificada

A sentença entendeu irregular e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 658,09, correspondente a seis notas fiscais emitidas pelo Comércio de Combustíveis Zilio para o CNPJ de campanha da candidata. Transcrevo excerto da decisão:

O valor omitido e cuja origem não foi demonstrada totaliza R$ 658,09 (seiscentos e cinquenta e oito reais e nove centavos), correspondendo a 27,82% do total de receita (financeira e estimável) declarada pelo prestador. Os valores correspondem a seis notas fiscais não registradas na prestação de contas: a) uma emitida em 27/10/2020, nº 52460, no valor de R$ 100,00; b) uma, emitida em 31/10/2020, nº 52843, no valor de R$ 50,00; c) uma emitida em 01/11/2021, nº 52954, no valor de R$ 60,00; d) uma emitida em 04/11/2020, nº 53169, no valor de R$ 200,00; e) uma emitida em 10/11/2020, nº 53600, no valor de R$ 158,09; f) ainda, uma emitida em 13/11/2020, nº 53914, no valor de R$ 90,00 todas emitidas pelo CNPJ 94.961.828/0001-50, da empresa COMERCIO DE COMBUSTIVEIS ZILIO LTDA.

 

Em sua defesa, a recorrente alega que os gastos com combustíveis tidos por irregulares são relativos ao abastecimento do veículo utilizado pela pessoa física da candidata e seus familiares em suas atividades particulares, e não especificamente para a realização de sua campanha, tendo o Comércio de Combustíveis Zilio Ltda. emitido as notas fiscais de forma equivocada no CNPJ da campanha, quando o correto seria no seu CPF. Juntou declaração do referido estabelecimento comercial a fim de corroborar seu entendimento.

Contudo, não obstante os argumentos trazidos pela recorrente, este Tribunal não tem aceitado documentos unilaterais (tal como a declaração do posto de combustíveis) como aptos a sanear irregularidades nas contas de campanha.

Registro que o procedimento correto para regularizar a situação seria a candidata buscar o cancelamento das notas junto ao estabelecimento comercial, tal como dispõem os arts. 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ademais, a candidata poderá buscar junto ao referido prestador de serviços o ressarcimento de eventuais prejuízos financeiros por este a ela causados.

Portanto, ausente, na prestação de contas da recorrente, o registro dos gastos relativos às notas fiscais emitidas para o CNPJ de campanha, tem-se por não comprovada a origem dos recursos utilizados para o pagamento das respectivas despesas.

E uma vez caracterizado o emprego de recursos de origem não identificada, correta a  magistrada de primeiro grau ao determinar o recolhimento dos respectivos valores ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

2. Conta bancária de campanha sem o respectivo registro na prestação de contas

Em relação à conta bancária não registrada na prestação de contas, a recorrente informa que, sim, foi aberta junto ao Banrisul, mas não foi utilizada, como demonstram os extratos sem qualquer movimentação.

De fato, tal como reconhecido na sentença, a referida conta não foi movimentada, razão pela qual considero que esta impropriedade não possui gravidade para ensejar o juízo de desaprovação da contabilidade.

 

3. Inconformidade no procedimento de transferência de sobras de campanha

Por fim, quanto ao equívoco na transferência das sobras de campanha, no valor de R$ 13,50, a recorrente informa que precisou realizar o saque da quantia, pois a tarifa bancária de transferência seria em quantia maior que o saldo remanescente. Contudo, alega que, no momento de efetuar o depósito na conta do partido, constou equivocadamente o seu CPF, em vez do CNPJ de campanha.

Trata-se de falha envolvendo valor de pequena monta, irrisório, não constituindo, de igual modo, fato causador do grave juízo de desaprovação das contas.

Por fim, embora o montante das irregularidades (R$ 658,09) represente 27,82% das receitas arrecadadas para o financiamento da campanha (R$ 2.365,00), em termos absolutos afigura-se irrisório, sendo, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e a dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

Nessa linha, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e deste Tribunal admite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar o severo juízo de desaprovação das contas quando, a despeito da elevada equivalência relativa da falha frente ao conjunto das contas, o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10, como colho das seguintes ementas:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Res. TSE 23.463/2016".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.09.2017.) (Grifei.)

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS, PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (Grifei.)

 

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento parcial do recurso, para aprovar com ressalvas as contas da recorrente relativas ao pleito de 2020, com fundamento no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, mantendo a determinação de recolhimento do valor de R$ 658,09 ao Tesouro Nacional.

É como voto, Senhor Presidente.