REl - 0600370-71.2020.6.21.0086 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

As contas foram aprovadas com ressalvas em virtude da aplicação de recursos próprios no total de R$ 3.392,26, na campanha dos candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito da cidade de Três Passos/RS.

Para o pleito do Município de Três Passos, foi fixado pelo TSE o valor de R$ 123.077,42 como limite de gastos para os cargos de prefeito e vice-prefeito, estabelecendo-se, para a chapa, a possibilidade de aplicação de 10% de recursos próprios na campanha, no total de R$ 12.307,74.

Os candidatos extrapolaram em R$ 3.392,26 o limite legal, considerada a soma dos recursos próprios doados, na proporção de R$ 10.000,00 pelo candidato a prefeito e de R$ 5.700,00 pelo candidato a vice-prefeito, totalizando R$ 15.700,00.

Pelo raciocínio exposto na peça recursal, os candidatos pensavam que o limite de aplicação de recursos próprios seria considerado isoladamente, ou seja, à razão de R$ 12.307,74 para o candidato a prefeito e, também, de R$ 12.307,74 para o candidato a vice-prefeito, raciocínio que culminaria com um patamar máximo de autofinanciamento de R$ 24.615,48.

Alegam que essa teria sido a orientação recebida pelo Cartório Eleitoral de Três Passos, conforme mensagens escritas e de áudio juntadas aos autos.

Na primeira mensagem (08.10.2020), recebida pelo aplicativo WhatsApp (ID 41245233), verifica-se que a pergunta efetuada foi se o cálculo de 10% era sobre o limite total de gasto permitido para o Município de Três Passos (R$ 123.077,42) ou sobre o total de gastos efetivamente realizados na campanha.

Em resposta, a servidora do Cartório Eleitoral reproduziu o texto do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, informando que entendia que se tratava de 10% do valor total estabelecido para o Município de Três Passos.

Na segunda mensagem, o questionamento é mais específico sobre o limite de 10% ser para cada candidato da chapa (prefeito e vice-prefeito) ou para ambos, conjuntamente. Na resposta, a servidora inicialmente informa que cada um poderia doar 10% da sua renda para campanha (ID 41245283) e em seguida, em uma mensagem de áudio, a servidora esclarece que a resposta sobre os 10% da renda é relativa a pessoas físicas e que os limites para os candidatos devem ser somados, não podendo ser ultrapassados (ID 41245333).

Conforme transcrição que a seguir reproduzo, a servidora deixou clara a interpretação a ser dada ao art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Só tem que observar assim, ó, né, Gessiana, são 10% da renda daquela pessoa física, só que pra campanha, por exemplo, o vice vai doar 10% da sua renda, até 10%, e o prefeito até 10%, mas, aí, eles têm que cuidar que isso soma, eles não podem doar pra outros candidatos, daí não, né, é dentro daquele, o limite pessoal de cada CPF.

Assim, entendo que a resposta dada pela servidora do Cartório está em conformidade com a legislação eleitoral. Restou devidamente esclarecido que as quantias doadas por candidatos aos cargos de prefeito e de vice-prefeito deveriam ser somadas para a análise da superação do limite.

Nesse mesmo sentido, a manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, nos seguintes termos:

[…]
Para aferição dos limites de gastos para contratação de pessoal para prestação de serviços referentes a atividades de militância e mobilização de rua são consideradas as contratações realizadas pelo titular e pelo vice (art. 41, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/2019).

Veja-se que, para aferição do limite global de gastos da candidatura majoritária não se discute que são somadas as receitas do titular e do vice, tanto que esse utiliza os recibos do titular. E assim é, pois, como é cediço, a chapa majoritária é una e indivisível (art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.609/2019).
[...]
Neste ponto, cumpre afastar a alegação dos recorrentes de que extrapolaram o limite de gastos, pois foram mal orientados pela Justiça Eleitoral. A questão foi esclarecida pela Unidade Técnica no parecer conclusivo, conforme se extrai do seguinte trecho:

“Considerando-se que os prestadores alegaram ter recebido orientações inadequadas do Cartório Eleitoral (ID 83962091, 83962092 e 83962093), junto aos autos os esclarecimentos prestados por mim, ao advogado dos candidatos a prefeito e vice-prefeito, Dr. Gilberto Rodrigues da Silva - GIBA,  no dia 13/10/2020, não restando dúvidas de que foram exaustivamente orientados quanto ao tema.

Ressalto ainda que, não é incumbência do Cartório Eleitoral prestar assessoramento jurídico aos partidos e candidatos, e que, se por vezes, acabamos prestando informações é devido às incessantes solicitações recebidas, mas, que, sempre referimos que o jurídico do Partido deve ser consultado, fazendo inclusive referência à busca de orientações junto ao Diretório Estadual.”

De fato, analisando a conversa através do WhatsApp acostada no ID 41245633, fica claro que a orientação passada pela Justiça Eleitoral ao advogado dos candidatos não deixa dúvida de que haveria necessidade de somar as doações dos candidatos da chapa majoritária para aferir o cumprimento do limite para o autofinanciamento.
[...]

Portanto, em nenhum momento os recorrentes foram induzidos a pensar que a aferição do limite de autofinanciamento seria de forma isolada entre os cargos de prefeito e de vice-prefeito.

Na verdade, em matéria de financiamento de campanha, a sistemática geral é de que as regras sobre limites de gastos devem ser observadas pela chapa e pelo partido ou coligação por qual concorrem os candidatos.

Não há limites individualizados, em razão do princípio da unicidade ou indivisibilidade da chapa majoritária, previsto no art. 91 do Código Eleitoral, § 1º do art. 3º da Lei n. 9.504/97 e arts. 77, § 1º, e 28 da Constituição Federal, o qual restringe candidaturas isoladas para os cargos concebidos para ter natureza dúplice.

A lição doutrinária bem explica que o cargo de vice não pode ser considerado isolado do cargo de prefeito, o que corrobora a conclusão pelo acerto da sentença recorrida ao somar os recursos aplicados na campanha para fins de limite de autofinanciamento:

Em regra, o Vice tem recebido – doutrinária e jurisprudencialmente – tratamento similar ao do Chefe do Poder Executivo respectivo, porquanto é sua atribuição básica e fundamental o exercício das atribuições do titular quando configurada a situação de ausência – seja eventual ou definitiva. Corrobora tal assertiva, aliás, a adoção do princípio da unicidade de chapa, pelo qual o registro dos candidatos ao Executivo “far-se-á sempre em chapa única e indivisível” (art. 91 do CE). No entanto, não se pode olvidar uma elementar distinção: ao contrário do titular do mandato, o Vice não possui inato poder de mando – já que somente exerce as atribuições de governo constitucional e legalmente previstas quando em efetivo exercício no cargo do titular. 

Com a edição da EC nº 16/97 (que instituiu a reeleição para os cargos do Poder Executivo) e em face da similitude de tratamento entre o titular ao cargo de Chefe do Poder Executivo e seu respectivo Vice, resta superado o entendimento sumular do enunciado nº 8 do TSE, que dispunha que o Vice-Prefeito é inelegível para o mesmo cargo. Consoante NERI DA SILVEIRA (p. 63), “o TSE adotou jurisprudência no sentido da íntima convicção entre os titulares do Poder Executivo e o respectivo Vice”. Com efeito, é princípio basilar do Direito Eleitoral que o candidato a Vice possui uma relação de dependência com o pretendente ao cargo máximo do Executivo respectivo. Esta regra é excepcionada em situações específicas e pontuais. Assim, v.g., a declaração de inelegibilidade do candidato ao cargo de Chefe do Poder Executivo, se fundada em motivo de cunho pessoal, não atinge a do respectivo Vice (art. 18 da LC nº 64/90). A correta compreensão da relação do Chefe do Poder Executivo e seu Vice pode ser assim delineada: existe relação de dependência no que pertine a submissão a vontade popular, já que o voto é exarado sempre na chapa; inexiste a relação de dependência quando a declaração de inelegibilidade é calcada em motivos pessoais (não, contudo, quando a inelegibilidade decorre de ato de abuso de poder, apurado em regular processo eleitoral, havendo a contaminação da respectiva chapa).

(Zilio, Rodrigo López; Direito Eleitoral. Porto Alegre: Verbo Jurídico. 3.ed, p. 241.)

Por conta da máxima da indivisibilidade da chapa, a Resolução n. 23.607/19, ao dispor sobre a arrecadação, os gastos, e a prestação de contas nas eleições, prevê que o candidato ao cargo de vice deve observar as limitações estabelecidas para o titular em diversas hipóteses: a) no caso de arrecadação realizada pelo vice ou pelo suplente, devem ser utilizados os recibos eleitorais do titular (§ 8º do art. 7o); b) os candidatos a vice e suplente não são obrigados a abrir conta bancária (§ 3º do art. 8o); c) o candidato a vice ou a suplente não pode constituir Fundo de Caixa (parágrafo único do art. 39); d) para a aferição dos limites de gastos com atividades de militância, serão consideradas e somadas as contratações realizadas pelo titular e as efetuadas pelo vice ou suplente (art. 41, § 5º); e) a prestação de contas do titular abrangerá o vice ou o suplente (art. 45, § 3º); f) a decisão que julgar as contas abrangerá o vice ou o suplente (art. 77).

Por esses fundamentos, comungo do entendimento de que o § 1º do art. 27 Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta o art. 23, § 2º-A, da Lei n. 9.504/97, não estabeleceu um limite de autofinanciamento individualizado para os cargos de prefeito.

Embora o tema seja recente, uma vez que a regra foi criada em 2019, localizei recente acórdão do TRE da Paraíba com o mesmo entendimento, a saber:

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO. RECURSOS PRÓPRIOS APLICADOS NA CAMPANHA EM VALOR ACIMA DOS 10% DO LIMITE DE GASTOS FIXADO PARA A CANDIDATURA. VALOR EXPRESSIVO. FALHA GRAVE QUE COMPROMETE A REGULARIDADE DAS CONTAS. DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO DE MULTA. IRRESIGNAÇÃO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ZONAL. DESPROVIMENTO.
1. A extrapolação do limite de gastos realizados com recursos próprios, previsto no art. 27, § 1º, da Res. TSE nº 23.607/2019, quando se tratar de montante relevante, é falha de natureza grave que conduz à desaprovação das contas, fazendo incidir a multa prevista no § 4º do referido dispositivo legal.
2. Desprovimento do recurso.
(TRE-PB, REl n. 060026075, ACÓRDÃO, Relator ARTHUR MONTEIRO LINS FIALHO, DJE 05.5.2021.)

Sobre a soma dos recursos próprios aplicados por candidatos titular e vice para fins de aferição do limite de autofinanciamento de campanha, reproduzo o seguinte excerto da decisão supra:

Como se sabe, a campanha e inclusive o julgamento das contas do prefeito é realizado de forma conjunta com a do vice-prefeito (art. 77 da RES. TSE 23.607/2019). O teto de gastos definidos para a campanha eleitoral de chapa majoritária é definido considerando as duas candidaturas e sob esse olhar deve ser interpretado seu parágrafo primeiro, quando aponta que o limite para arrecadação de receitas a título de recursos próprios deve se limitar a 10% do teto de gastos, o que não foi observado no caso dos autos considerando a campanha da chapa majoritária.

Trata-se de inconsistência grave quando se verifica que as receitas obtidas além do limite acima foram revertidas em sua totalidade na campanha dos prestadores, a qual findou sem sobras financeiras.

De fato, tratando-se de chapa à eleição majoritária, portanto una e indivisível, não há como considerá-la isoladamente, devendo a análise do limite de autofinanciamento ser promovida em conjunto.

Nessas circunstâncias, impõe-se o desprovimento do recurso e a confirmação da sentença que aprovou as contas com ressalvas, observando-se que a irregularidade, no valor de R$ 3.392,26 em excesso de recursos próprios, representa 3,76% das receitas declaradas (R$ 90.180,00).

Outrossim, não se discute dolo ou a má-fé dos candidatos, e sim a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência, a confiabilidade e a lisura da prestação de contas.

Por fim, os recorrentes pediram a redução do valor da multa de R$ 3.392,26, aplicada em 100%, mas, considerando a gravidade da falha e a expressividade da quantia envolvida, entendo que o patamar estabelecido se afigura razoável e proporcional.

Ademais, o requerimento não veio acompanhado de documento comprobatório de que os candidatos não possuem capital para arcar com o pagamento da sanção imposta.

Ressalto, nesse ponto, que a campanha movimentou a expressiva quantia de R$ 90.180,00, e que os recursos próprios de R$ 15.700,00 evidenciam a existência de capacidade financeira para o custeio da condenação, a qual encontra previsão no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, e se afigura adequada à falha verificada.

Contudo, deve ser corrigido, de ofício, o erro material da sentença ao destinar o valor da multa ao Tesouro Nacional, pois a sanção por excesso do limite de autofinanciamento deve ser recolhida ao Fundo Partidário, na forma do art. 38, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a sentença de aprovação das contas com ressalvas e a condenação dos recorrentes ao pagamento da multa de R$ 3.392,26, retificando sua destinação, a fim de que seja recolhida ao Fundo Partidário, nos termos da fundamentação.