PC-PP - 0600275-76.2018.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

Conforme se observa do exame dos autos, a falha inicialmente verificada nas contas se refere ao recebimento de contribuições efetuadas por uma coordenadora, lotada na Secretaria Estadual de Minas e Energia, e dois chefes de gabinete lotados na Assembleia Legislativa do RS, no total de R$ 2.885,15, considerados fontes vedadas diante da previsão contida no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38;

 

Ao regulamentar o dispositivo, o TSE estabeleceu, no § 1º do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, que se consideram como autoridades públicas “aqueles, filiados ou não a partidos políticos, que exerçam cargos de chefia ou direção na administração pública direta ou indireta”.

 Todavia, após a edição da Lei n. 13.488, de 6.10.2017, foi alterada a redação do inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95 e incluído o inc. V, ocasião em que a vedação passou a abranger qualquer detentor de cargo, emprego ou função pública, e não apenas os detentores de cargos de chefia e direção, ressalvados os filiados:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

II - entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações referidas no art. 38 desta Lei e as proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

(...)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

(Incluído pela Lei n. 13.488, de 2017)

 

Em razão da alteração legislativa, foi posteriormente constatado pelo órgão técnico também o recebimento de contribuições de cinco assessores considerados fontes vedadas por não estarem filiados ao partido, sendo um deles lotado na Secretaria Estadual do Planejamento, Orçamento e Gestão, e os demais na Assembleia Legislativa do RS, no total de R$ 1.857,84.

Inicialmente, deve ser analisada a possibilidade de aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95 ao feito, por ser uma questão prejudicial à análise do mérito devido ao pedido de verificação das filiações dos contribuintes partidários.

O art. 55-D da Lei n. 9.096/95 foi incluído na Lei dos Partidos Políticos pela Lei n. 13.831, de 17 de maio de 2019, verbis:

Art. 55-D. Ficam anistiadas as devoluções, as cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.831, de 2019)

 

Conforme refere a agremiação em sua peça defensiva, este Tribunal, na sessão de julgamento de 19.8.2019, acolheu arguição suscitada pela Procuradoria Regional Eleitoral e declarou a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, nos termos transcritos abaixo:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. DESAPROVAÇÃO. MATÉRIA PRELIMINAR ACOLHIDA. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA E DE FONTE VEDADA. PORCENTAGEM REPRESENTATIVA DAS IRREGULARIDADES DIANTE DA TOTALIDADE DOS RECURSOS ARRECADADOS NO PERÍODO. AFASTADA A APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE DESAPROVAÇÃO. REDUZIDO O PERÍODO DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. AFASTADA A CONDIÇÃO DE QUE A SANÇÃO SUBSISTA ATÉ QUE OS ESCLARECIMENTOS SEJAM ACEITOS PELA JUSTIÇA ELEITORAL. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Incidente de inconstitucionalidade suscitado pelo Procurador Regional Eleitoral. 1.1. O art. 55-D da Lei n. 9.096/95, norma legal objeto do aludido incidente, incluído pela Lei n. 13.831/19, assinala a anistia das devoluções, cobranças ou transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições efetuadas, em anos anteriores, por servidores públicos os quais exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político. Ausência de notícia de que tenha havido oferecimento dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro quando da tramitação da proposta legislativa prevendo a renúncia da receita. Omissão que afronta a exigência constitucional incluída pela EC n. 95/16 no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A legislação infraconstitucional igualmente exige seja comprovado o impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União, nos termos do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18. 1.2. A anistia das verbas consideradas como oriundas de fontes vedadas - benefício instituído em causa própria e sem qualquer finalidade pública subjacente - atenta ao princípio da moralidade administrativa e desvirtua a natureza jurídica do instituto. 1.3. Vício de inconstitucionalidade formal e material. Acolhimento da preliminar. Afastada, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

(...)

6. Parcial provimento.

(TRE-RS, RE n. 35-92, de minha relatoria, julgado em 19.8.2019, DEJERS 23.8.2019.)

 

O dispositivo atacado foi promulgado em 19 de junho de 2019, após derrubada de veto presidencial pelo Congresso Nacional que continha as seguintes razões:

A propositura legislativa ao estabelecer, por intermédio da inclusão do art. 55-D na Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, que ficam anistiadas as devoluções, cobranças ou as transferências ao Tesouro Nacional que tenham como causa as doações ou contribuições feitas em anos anteriores por servidores públicos que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a partido político, acaba por renunciar receitas para a União, sem a devida previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro, em infringência ao art. 113 do ADCT, art. 14 da LRF e arts. 114 e 116 da LDO de 2019.

 

Ao entender pela inconstitucionalidade, este Tribunal acolheu as seguintes alegações da Procuradoria Regional Eleitoral contra o art. 55-D da Lei n. 9.096/95: a) falta dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro da renúncia de receita em questão, em desrespeito ao art. 113 do ADCT; b) inobservância do devido processo legislativo e consequente violação ao art. 14 da LC n. 101/20 e aos arts. 69 e 163 da Constituição Federal, que exigem lei complementar para as alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incs. I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º, e cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança; c) descumprimento do princípio da anualidade ou anterioridade eleitoral insculpido no art. 16 da Constituição Federal.

Na hipótese dos autos, o referido artigo, invocado pelos prestadores em sua defesa, também deve ser declarado inconstitucional pelos mesmos fundamentos traçados no RE n. 35-92, razão pela qual reproduzo as razões por mim lançadas no precedente em questão:

Como muito bem apontado pelo suscitante, não se tem notícia de que tenha havido apresentação dos dados relativos à previsão de estimativa de impacto orçamentário e financeiro por ocasião da tramitação da proposição legislativa prevendo a renúncia da receita em questão.

A exigência da mencionada estimativa tem sede constitucional, incluída pela EC n. 95/16 no ADCT:

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.

Além disso, a legislação infraconstitucional igualmente exige a devida comprovação do impacto orçamentário e financeiro à concessão de benefício que gere a diminuição de receita da União (art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal e arts. 114 e 116 da Lei n. 13.707/18).

Assim, no ponto, o dispositivo legal em questão possui vício de inconstitucionalidade na origem.

O constituinte de 1988 foi contundente ao demonstrar a intenção de dedicar papel central aos partidos políticos no Estado Democrático de Direito, elegendo como fundamento da República Federativa do Brasil o pluralismo político.

As funções das agremiações partidárias, na dicção de Mario Justo López (Partidos Políticos: teoría general y régimen legal, p. 40-41), são: a) dar coerência à vontade popular; b) realizar a educação cívica dos cidadãos; c) servir de elo entre o governo e a opinião pública; d) selecionar aqueles que devem dirigir os destinos do Estado; e e) projetar a política de governo e controlar a sua execução.

Como eixo fundante da democracia representativa, os partidos devem respeitar a soberania popular, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e são obrigados a prestar contas à Justiça Eleitoral.

O instituto da prestação de contas tem como escopo emprestar transparência à atividade partidária, identificar a origem e a destinação dos recursos utilizados nas disputas eleitorais, tudo com o propósito de evitar o aporte de dividendos ilícitos no processo eleitoral e evitar o abuso do poder econômico.

Nessa medida, quando esses mesmos organismos que deveriam ser os protagonistas da democracia representativa, em uma verdadeira queda de braço com o Poder Executivo, instituem anistia de todas as verbas consideradas oriundas de fontes vedadas, forçoso reconhecer ofensa direta ao princípio da prestação de contas. Não só isso, sendo o benefício em causa própria e sem qualquer finalidade pública, para dizer o mínimo, há inequívoca violação ao princípio da moralidade administrativa (art. 37, caput, da CF).

A anistia igualmente coloca em situação não isonômica e em posição desfavorável aquelas agremiações partidárias que adimpliram suas obrigações com o recolhimento de importâncias glosadas pela Justiça Eleitoral quando do exame e fiscalização de suas contas.

Significa dizer, nas palavras do eminente Procurador Regional Eleitoral, depois do jogo jogado, mudam as regras e, de forma benevolente e casuísta, concede-se anistia aos que se encontram em mora.

Para além disso, subverte a natureza jurídica do instituto da Anistia, realizando uma aplicação retroativa da Lei n. 13.488/17, que autorizou as doações daqueles que exercem cargo ou função demissível ad nutum, desde que filiados.

Com efeito, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de não ser possível a aplicação retroativa das disposições da Lei n. 13.488/17:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO DE 2015. PRELIMINAR. MANUTENÇÃO DOS DIRIGENTES PARTIDÁRIOS NO POLO PASSIVO. ILEGITIMIDADE NÃO CONFIGURADA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE DOAÇÕES DE FONTES VEDADAS. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. PERMITIDA A CONTRIBUIÇÃO DE FILIADOS. INAPLICABILIDADE AO CASO CONCRETO. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO VIGENTE À ÉPOCA DOS FATOS. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MANUTENÇÃO DO JUÍZO DE IRREGULARIDADE DA DOAÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DAS QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A Lei n. 13.488/17, publicada em 06.10.17, alterou a redação do art. 31 da Lei n. 9.096/95 - Lei dos Partidos Políticos -, excluindo a vedação de doação de pessoa física que exerça função ou cargo público demissível ad nutum, desde que filiada ao partido beneficiário.

4. Inaplicabilidade ao caso concreto. Incidência da legislação vigente à época dos fatos. Prevalência do princípio da segurança jurídica e da paridade de armas no processo eleitoral, em detrimento da aplicação pontual da retroatividade in bonam partem. Manutenção do juízo de irregularidade das contribuições advindas de cargos demissíveis ad nutum, ainda que os contribuintes sejam filiados à agremiação.

(...)

6. Provimento parcial.

(TRE-RS; Recurso Eleitoral n. 14-97, Relator: Dr. Luciano André Losekann, julgado em 04.12.2017, por unanimidade)

Ressalto que esse entendimento é adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral: a legislação que regula a prestação de contas é aquela que vigorava na data em que apresentada a contabilidade, por força do princípio da anualidade eleitoral, da isonomia, do tempus regit actum, e das regras que disciplinam o conflito de leis no tempo (ED-ED-PC 96183/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE de 18.3.2016).

Portanto, como reação à interpretação dada pelos Tribunais, o legislador, por meio de expediente nada republicano, moral e ético, aprova regramento anistiando todas doações advindas de servidores demissíveis ad nutum filiados, atribuindo eficácia imediata nos processos de prestação de contas e de criação dos órgãos partidários em andamento, a partir de sua publicação, ainda que julgados (art. 3º da Lei n. 13.831/19).

De outra banda, a palavra anistia é derivada do grego amnestía, que significa esquecimento. Na atualidade, anistiar significa um esquecimento das infrações cometidas, isto é, como se as condutas ilícitas nunca tivessem sido praticadas.

Desde a Grécia, vem sendo implementada a anistia como medida geral de clemência, benevolência, posteriormente a acontecimentos ocorridos por lutas, conflitos, provocados por motivos e circunstâncias de caráter político.

Tem por fundamento razões de ordem pública e não pode ser utilizada como favorecimento egoístico ou em causa própria, pressupõe a ocorrência de fatos que foram punidos mas, por motivos de conveniência, são esquecidos, com o objetivo do restabelecimento da tranquilidade do Estado.

Rui Barbosa ensina que vem sendo aplicada desde Solon, 594 anos antes da era cristã, sendo instituto de ampla incidência ao longo da história, sempre em caráter geral e imbuída de finalidade pública.

Como adverte João Barbalho, a anistia não se inspira só nos sentimentos de humanidade e clemência, mas não menos ou principalmente no bem do Estado, em ponderosas razões de ordem pública.

Na espécie, quando o legislador refere que a anistia deve incidir inclusive em relação aos processos em andamento, ou seja, antes da condenação, e se dirige apenas aos partidos políticos (individual), sem qualquer finalidade pública subjacente, evidente o desvio da própria natureza jurídica do tão importante instrumento de pacificação social.

Não é demais lembrar que o poder concedido ao legislador não é ilimitado e está sujeito a controle.

Lênio Streck, na sua obra Hermenêutica Jurídica em Crise, adverte para o que se pode chamar de integridade legislativa, significa dizer, o legislador igualmente há de fazer leis de modo coerente, observando uma sequência lógica e histórica.

Desse tema também se ocupou Ronald Dworkin, na sua obra O Império do Direito, no sentido de que a integridade legislativa deve ser concebida como limite de possibilidades de criação do direito pelos legisladores. Daí a assertiva de que as normas devem ser concebidas de forma a constituir um sistema único e coerente de justiça e equidade.

Nessa quadra cabe lembrar que também deve ser imposto aos legisladores a construção da história legislativa como na metáfora de Dworkin do romance em cadeia, no sentido de que cada lei criada deve representar o capítulo seguinte da mesma obra.

Por derradeiro, acrescento que há outros dispositivos nessa mesma Lei n. 13.831/19 de constitucionalidade e integridade duvidosa, como é o caso daqueles que retiram a possibilidade de a Justiça Eleitoral rejeitar contas ou aplicar penalidade às agremiações partidárias que deixaram de aplicar o percentual mínimo de recursos para o financiamento das candidaturas femininas. Entretanto, deixo de avançar no tema, pois não é objeto do presente incidente.

Em resumo, o art. 55-D, inserido na Lei dos Partidos Políticos pela Lei n. 13.831/19, padece de vício de inconstitucionalidade formal e material, na medida em que deixou de ser apresentada estimativa de impacto orçamentário, violou os princípios da prestação de contas, da moralidade administrativa e da integridade legislativa.

Com essas considerações, entendo que merece acolhimento o incidente de inconstitucionalidade suscitado, afastando, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

 

Não socorre aos prestadores a tese de que a norma não pode ser considerada inconstitucional com base em argumentos afetos à legislação tributária e ao art. 113 do ADCT, pois o sistema do controle difuso de constitucionalidade, também denominado controle concreto ou incidental de constitucionalidade, permite aos juízes e tribunais eleitorais analisarem, no caso concreto, a compatibilidade de uma lei ou ato normativo perante a Constituição Federal (Barroso, Luis Roberto. Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, 2ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2006).

Descabe empreender a discussão pretendida pela agremiação e pelos dirigentes em sua defesa, no sentido de que os valores indevidamente recebidos pelo partido não se enquadram, pela Lei n. 4.320/64, como despesa, receita ou renda tributária, por ausência de fato gerador, e devem ser desconsiderados porque o feito não alcançou a fase executiva.

Ora, o controle difuso de constitucionalidade, por seu caráter repressivo, sequer pode sofrer restrições legislativas ou do próprio Poder Judiciário e, ao contrário do raciocínio trazido na defesa, a conclusão pela inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95 não impede que o tema seja discutido pela superior instância recursal, pois cediço que a condenação pecuniária fixada em processo de prestação de contas somente se apresenta exequível após seu trânsito em julgado.

Ademais, o princípio da anualidade eleitoral insculpido no art. 16 da Constituição Federal deve ser invocado, no caso concreto, em virtude da exigência constitucional de que a formalização de candidaturas se dê por intermédio da filiação de candidatos a partidos políticos (art. 14, § 3º, inc. V, da CF), evidenciado-se a necessidade de amplo controle judicial da arrecadação financeira por estes realizada, assim como a preservação da isonomia no tratamento jurídico a ser conferido a todas as legendas partidárias, indistintamente.

Ressalte-se que a vedação estabelecida no inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95 não se refere a todas as contribuições realizadas por pessoas físicas indiscriminadamente, mas tão somente àquelas efetuadas por ocupantes de cargos demissíveis ad nutum.

As demais alegações defensivas são incapazes de infirmar a presente conclusão.

Com essas considerações, declaro a inconstitucionalidade e afasto, no caso concreto, a aplicação do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19.

No mérito, embora o PSDB tenha impugnado a lista de contribuintes que exercem cargo, emprego ou função demissível ad nutum junto à administração pública, sugerindo a ausência de veracidade desse apontamento, a irregularidade foi efetivamente verificada pelo órgão técnico de exame, a partir de um banco de informações gerado pelas respostas dos ofícios remetidos a este Tribunal por órgãos públicos (Processo Administrativo Eletrônico PAE n. 267/2018).

O parecer conclusivo informa que o Tribunal requereu “listas de pessoas físicas que exerceram cargos de chefia e direção na administração pública, entre o período de 01-01-2017 a 31-12-2017”, e que verificou, nas receitas identificadas nos extratos bancários “a ocorrência de doação/contribuição oriunda de fonte vedada no exercício de 2017, para a agremiação em exame, no valor de R$ 2.885,15":

O parecer complementar verificou, posteriormente, o recebimento de outras contribuições:

 

A legenda e seus responsáveis contestaram a validade da lista de autoridades sem, contudo, trazer aos autos documentos que comprovem que esses contribuintes não se enquadram na vedação prevista no inc. IV do art. 12 da Resolução TSE n. 23.464/15, no inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, ou que não exerciam o cargo público indicado.

Além disso, o partido insurgiu-se contra a violação ao art. 12, inc. IV, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15 apontada pelo órgão técnico mas, antes do julgamento, apresentou o comprovante do recolhimento da quantia inicialmente apurada ao Tesouro Nacional (R$ 2.885,15), atualizada para o montante de R$ 3.298,99, em atendimento ao disposto no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

Contudo, embora o adimplemento do débito deva ser considerado para a eventual cobrança e abatimento do valor devido, tal antecipação, por si só, não afasta a ocorrência da irregularidade no curso do exercício financeiro objeto do exame, devendo a falha ser considerada pela Justiça Eleitoral para o juízo de valor sobre a aprovação das contas, ainda que com ressalvas, ou desaprovação.

Quanto aos argumentos defensivos, este Tribunal tem sólida jurisprudência no sentido de que as funções de coordenador e de chefe de gabinete desempenhadas por detentores de cargos demissíveis ad nutum, referidos no parecer do ID 5543683, enquadram-se como fontes vedadas de arrecadação por ostentarem função de autoridade, sendo irrelevante a filiação partidária dos contribuintes, devido à impossibilidade de retroação das alterações legislativas introduzidas pela Lei n. 13.488/17:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO NA APLICAÇÃO E NO GASTO DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO PARA DIRETÓRIO MUNICIPAL NA VIGÊNCIA DE SANÇÃO DE SUSPENSÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE FONTES VEDADAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. DESAPROVAÇÃO. 1. Ausência de comprovação na aplicação e no gasto de verbas oriundas do Fundo Partidário. Transferência de recursos do Fundo Partidário para o diretório municipal na época em que o recebimento de novas quotas encontrava-se suspenso por força de decisão proferida por este Tribunal. Irregularidade no procedimento para a utilização de recursos do Fundo Partidário, em afronta ao art. 4º, caput, e ao art. 10 da Resolução TSE n. 21.841/04. Recebimento de doações de fontes vedadas advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, vinculados à Assembleia Legislativa do Estado e à Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde, todos inseridos no conceito de autoridade pública, desempenhando funções de direção ou chefia: Coordenador-Geral de Bancada, Chefe de Gabinete, Chefe de Gabinete de Líder e Chefe de Seção/Núcleo. 2. Análise das contas com base na legislação vigente à época dos fatos, em prevalência dos princípios da isonomia e da segurança jurídica. Irretroatividade das alterações legislativas introduzidas pelas Leis ns. 13.165/15 e 13.488/17. 3. Falhas que comprometem a regularidade da contabilidade anual do partido, tanto no que se refere aos recursos provenientes do Fundo Partidário quanto aos de natureza diversa, atraindo o juízo de desaprovação das contas. 4. Recolhimento ao Tesouro Nacional dos valores irregularmente movimentados do Fundo Partidário e dos originários de fontes vedadas. Suspensão com perda do repasse de novas quotas do Fundo Partidário pelo período de seis meses. 5. Desaprovação.

(TRE-RS - PC: 9262 PORTO ALEGRE - RS, Relator: JORGE LUÍS DALL'AGNOL, Data de Julgamento: 02.04.2018, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 54, Data 04.04.2018, Página 5.) – Grifei.

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2014. PRELIMINAR. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DIRIGENTES PARTIDÁRIOS. AFASTADA. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. FONTE VEDADA. AUTORIDADE. ART. 31, INC. II, DA LEI N. 9.096/95. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. SUSPENSÃO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. 1. Preliminar afastada. Legitimidade dos dirigentes partidários para integrarem o polo passivo. Orientação jurisprudencial do Tribunal Superior Eleitoral. As normas que determinam a citação dos dirigentes partidários possuem natureza processual e incidem imediatamente aos processos não julgados, conforme dispõe o art. 65, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15. 2. Configuram recursos de fontes vedadas as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. A previsão de fonte vedadas tem por finalidade impedir a influência econômica daqueles que tenham alguma vinculação com órgãos públicos, assim como evitar a manipulação da máquina pública em benefício eleitoreiro. Reconhecidas como fontes vedadas as contribuições provenientes de chefe de gabinete, coordenador e diretor. 3. Desaprovação. Recolhimento da quantia recebida indevidamente ao Tesouro Nacional. Suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de quatro meses.

(TRE-RS - PC: 8303 PORTO ALEGRE - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 09.08.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 143, Data 14.08.2017, Página 3.) – Grifei.

 

Conforme os precedentes, a função de chefe de gabinete, assim como a função de coordenador, revestem-se do caráter de comando e, portanto, no conceito de autoridade previsto no art. 12, inc. IV, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, dispositivo que regulamentava o art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 com a redação vigente ao tempo do repasse da contribuição. O Tribunal Superior Eleitoral possui idêntico entendimento: AgR-REspe n. 83-03/RS, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 9.10.2018; AgR-REspe n. 78-78, rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 31.5.2019.

A teleologia da norma mostra ser incabível a tese de que a vedação alcança tão somente os ocupantes de cargo de direção e chefia, excluindo-se as funções de chefe de gabinete e coordenador.

Além disso, conforme já referido, a Lei n. 13.488/17 promoveu a alteração no dispositivo para admitir as doações advindas de ocupantes de cargos demissíveis ad nutum filiados a partido político, verificando-se, no parecer complementar do ID 8811633, que o valor total recebido de fontes vedadas no exercício foi de R$ 4.742,99, pois houve aporte também de contribuições procedentes de cinco assessores considerados fontes vedadas por não estarem filiados ao partido.

Destarte, apesar dos respeitáveis argumentos apresentados pelo PSDB, tenho que a orientação que assegura igualdade e é consentânea com os princípios processuais constitucionais e com o ato jurídico perfeito é aquela que aplica a nova disposição prevista no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, levada a efeito pela Lei n. 13.488/17, às doações realizadas apenas a partir da vigência do normativo, ou seja, 06.10.2017.

Ressalto que a alegação de inconstitucionalidade do termo “autoridade” contido no art. 31, inc. II, da Lei n. 9.096/95 também não prospera, pois, conforme o recorrente aponta em seu recurso, o STF, no julgamento da ADI 4650, da Relatoria do Min. Luiz Fux, por acórdão transitado em julgado em 1.3.2016 (DJE 24.02.2016), analisou o art. 31 da Lei n. 9.096/95 à luz da Constituição Federal e concluiu tão somente pela inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, da parte em que a norma autorizava a realização de doações por pessoas jurídicas.

O tema encontra-se igualmente superado no âmbito do TSE:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. INAPLICABILIDADE. REVISÃO DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INOVAÇÃO RECURSAL.SÍNTESE DO CASO

(...)

4. Não há inconstitucionalidade em relação ao termo 'autoridade', previsto no art. 31, II, da Lei 9.096/95, pois toda lei goza de presunção de constitucionalidade, e a única ação na qual foi questionada a constitucionalidade do termo, a ADI 5.494, foi extinta sem resolução do mérito, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil, em razão da alteração introduzida pela Lei 13.488/2017, que excluiu o referido termo do dispositivo citado.

5. "Em várias oportunidades, este Tribunal, ao analisar a mens legis do art. 31, II, da Lei 9.096/95, manifestou-se no sentido de vincular a vedação legal disposta no referido dispositivo aos critérios voltados ao interesse público, notadamente aos princípios constitucionais da Administração Pública atinentes à legalidade, moralidade e impessoalidade" (REspe 50-79, rel. Min. Admar Gonzaga, DJE de 19.12.2018).

6. A determinação de recolhimento dos valores considerados ilícitos ao Tesouro Nacional, prevista no art. 14, § 1º, da Res.-TSE 23.432, apenas conferiu efetividade ao art. 31 da Lei 9.096/95 - que veda o recebimento de recursos de determinadas fontes - e decorre da ilegalidade de utilização desses valores.

7. Em situação similar, a Res.-TSE 23.406, que dispõe sobre a arrecadação de gastos de recursos e prestação de contas nas Eleições de 2014, também estabeleceu em seu art. 29 que os recursos de origem não identificada "deverão ser transferidos ao Tesouro Nacional, por meio da Guia de Recolhimento da União". E, sobre o tema, este Tribunal já decidiu que: "O disposto no art. 29 da Res.-TSE nº 23.406/2014 não extrapola o poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, o qual apenas confere efetividade a medidas já previstas em lei" (REspe 1820-11, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 17.6.2016). No mesmo sentido: AgR-AI 1444-41, rel. Min. Herman Benjamin, DJE de 27.5.2016.

8. A regra do art. 12, IV e § 1º, da Res.-TSE 23.546, que permite as contribuições de pessoas filiadas a partidos políticos, não incide na espécie, pois a norma aplicável ao caso dos autos, que trata de prestação de contas de exercício financeiro, é norma de direito material e de natureza não penal, o que impõe a observância dos princípios da irretroatividade, do tempus regit actum e da segurança jurídica. Precedentes.

9. O enquadramento dos doadores no conceito de autoridade (direção e chefia) não foi presumido, pois ocorreu a partir da análise das atividades desempenhadas pelos contribuintes e pela definição existente nos Decretos 53.147/2016 e 51.912/2014, os quais, conforme consignado pela Corte de origem, atestam, de forma inequívoca, a distinção existente entre as funções de assessoramento, direção e chefia.

10. A Corte de origem concluiu que os cargos de coordenador e coordenador-geral de bancada se enquadram no conceito de autoridade e que a agremiação não logrou comprovar o desacerto do enquadramento realizado pelo órgão técnico. A revisão dessa conclusão demandaria o exame do contexto fático-probatório, providência vedada pelo verbete sumular 24 do TSE.

(...)

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento n. 7067, Acórdão, Relator Min. Sérgio Banhos, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 27, Data 07.02.2020, Página 39-40.)

 

Ainda, merece ser acolhida a conclusão do órgão técnico no sentido de que as contas devem ser aprovadas com ressalvas, devido aos recursos recebidos de fonte vedada, no valor de R$ 4.742,99, representarem tão somente 0,58% das receitas recebidas no exercício financeiro (R$ 815.952,75).

Ressalto que antes de ser promovida qualquer cobrança em sede de cumprimento de sentença deve ser confirmado o recolhimento antecipado de parte dessa quantia indevidamente recebida, pois os prestadores alegam que estaria demonstrado o recolhimento de parte do valor pelo comprovante de pagamento do ID 5699833, a fim de que não ocorra cobrança em duplicidade.

A possibilidade de aprovação das contas com ressalvas está prevista no § 12 do art. 37 da Lei n. 9.096/95 ao dispor que: “Erros formais ou materiais que no conjunto da prestação de contas não comprometam o conhecimento da origem das receitas e a destinação das despesas não acarretarão a desaprovação”.

Esse entendimento materializa a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que a irregularidade apontada não revela a magnitude necessária para atrair a desaprovação das contas, afastando-se também a condenação à suspensão de quotas do Fundo Partidário.

Nessa hipótese, o recolhimento do valor indevidamente recebido ao Tesouro Nacional é mera consequência jurídica relacionada à vedação do enriquecimento ilícito e não possui natureza de penalidade. Segundo o TSE: “A aprovação das contas com ressalvas em função das irregularidades apuradas impõe sempre a devolução dos respectivos valores ao erário” (PC n. 978-22/DF, redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 14.11.2014).

Na espécie, há de se considerar que, desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2015. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR AFASTADA. ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO. MÉRITO. AUSÊNCIA EMISSÃO DE RECIBO DE DOAÇÃO. OMISSÃO DESPESAS COM ADVOGADO. RECEBIMENTO RECURSOS DE FONTE VEDADA. AUSENTE AUTENTICAÇÃO LIVRO DIÁRIO. IRREGULARIDADE FORMAL. PROVIMENTO PARCIAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. 1. Preliminar. A Resolução TSE n. 23.464/15 regula o processamento das prestações de contas de exercício financeiro das agremiações e determina que a decisão que julga as contas deve ser cumprida apenas após o trânsito em julgado da sentença. Pedido não conhecido. 2. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. No caso, o partido recebeu contribuição do presidente da agremiação, detentor de mandato eletivo de Prefeito. Apesar da ausência do recibo eleitoral para a doação, ficou devidamente identificado o doador originário do recurso. Doação julgada regular. 3. Demais falhas consideradas formais, permitindo o juízo de aprovação das contas com ressalvas, afastando a suspensão do Fundo Partidário. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 1183 MATO CASTELHANO - RS, Relator: DR. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 18.12.2017, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 10, Data 24.01.2018, Página 11.) – Grifei.

 

RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA A PRELIMINAR DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. MÉRITO. RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES. IRREGULARIDADES QUE SOMAM O PERCENTUAL DE 9,86% DAS RECEITAS AUFERIDAS PELA GREI NO EXERCÍCIO FINANCEIRO EM ANÁLISE, POSSIBILITANDO O JUÍZO DE APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVAS. REDUÇÃO DO VALOR A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS AS PENALIDADES DE SUSPENSÃO DO REPASSE DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DE MULTA. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Recebimento de recursos oriundos de fontes vedadas. É vedado aos partidos políticos receber doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, quando ostentarem a condição de autoridades. 2. Inviável reconhecer a aduzida inconstitucionalidade do art. 65, inc. III, da Resolução TSE n. 23.546/17 por mostrar-se incompatível com o art. 60, § 4º, inc. III, da Constituição Federal. Embora o art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 13.488/17, considere regular as doações realizadas por autoridades públicas com vínculo partidário, essa regra alcança, tão somente, as doações efetuadas após a data da sua publicação, qual seja, 06.10.2017, não sendo aplicável a todo o exercício financeiro de 2017. Incidência da legislação vigente à época em que efetivadas as doações por autoridades públicas. 3. Irregularidades que somam o percentual de 9,86% da totalidade das receitas arrecadadas pela agremiação no exercício financeiro em análise, possibilitando o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na esteira da jurisprudência firmada pelo Tribunal Superior Eleitoral, igualmente adotada no âmbito deste Tribunal. 4. Redução do valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional e afastadas as penalidades de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário e de multa. 5. Provimento parcial. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1526 VIAMÃO - RS, Relator: MARILENE BONZANINI, Data de Julgamento: 14.05.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 88, Data 17.05.2019, Página 8.) – Grifei.

 

Esse raciocínio não foi afetado pelas alterações legislativas implementadas no caput do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, pois o afastamento da penalidade de suspensão de quotas decorre da conclusão de que a aprovação das contas com ressalvas é incompatível com a fixação de penalidade aos partidos políticos.

Seguindo essa mesma diretriz, o Tribunal Superior Eleitoral entende que o recebimento de contribuições por autoridades demissíveis ad nutum é irregularidade que enseja apenas em tese a desaprovação das contas:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2015. IRREGULARIDADE. CONTRIBUIÇÕES DE AUTORIDADES PÚBLICAS. CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM. FONTE VEDADA. DESAPROVAÇÃO. SUSPENSÃO DAS COTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INCIDÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REDUÇÃO DA SANÇÃO. PRECEDENTES. DESPROVIMENTO.1. Quando da fixação da suspensão das cotas do Fundo Partidário, compete ao julgador ponderar todas as circunstâncias averiguadas no caso concreto e aferir qual penalidade se afigura mais adequada (AgR-REspe nº 33-50/RS, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 18.10.2016).2. No momento da aplicação da referida sanção, devem ser observados: i) a gravidade das irregularidades; ii) a expressividade do valor; e iii) o percentual do montante irregular em relação aos recursos arrecadados e movimentados pela agremiação. 3. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal Superior, o recebimento de contribuições por autoridades demissíveis ad nutum é irregularidade que enseja, em tese, a desaprovação das contas. In casu, diante do valor apontado como irregular (R$ 22.440,00 - vinte e dois mil, quatrocentos e quarenta reais) e do percentual (36,52%), a suspensão das cotas pelo prazo de 2 (dois) meses se mostrou proporcional e adequada às peculiaridades do caso concreto.4. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 3757, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 02.08.2019.) – Grifei.

 

Portanto, a diretriz traçada por este Tribunal está alinhada ao entendimento do TSE, segundo o qual a aprovação das contas com ressalvas não acarreta a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário e que, em qualquer caso, os valores recebidos de fontes vedadas devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Nesse ponto, não é possível entender que o TSE excedeu seu poder regulamentar ao editar a Resolução n. 23.464/15, pois o art. 61 da Lei n. 9.096/95 estabelece que “O Tribunal Superior Eleitoral expedirá instruções para a fiel execução desta Lei”, não havendo excessos na Resolução editada, mas tão somente regulamentação das finanças partidárias.

Ora, o art. 31 da Lei dos Partidos Políticos veda o recebimento de recursos procedentes de fontes vedadas e, ao regulamentar a disposição, a Resolução disciplina que a devolução pode ocorrer mediante estorno do recurso ao doador ou recolhimento do valor indevidamente recebido ao erário.

Especificamente no tocante à devolução ao doador, ou ao recolhimento dos recursos de fontes vedadas ao Tesouro Nacional, o § 5º do art. 11 da Resolução TSE n. 23.464/15 prevê que: “Os partidos políticos podem recusar doação identificável que seja creditada em suas contas bancárias indevidamente, promovendo o estorno do valor para o doador identificado até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito, ressalvado o disposto no art. 13”.

Ao tratar das implicações decorrentes do recebimento ou uso de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada, o art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15 dispõe que o recebimento direto ou indireto de tais contribuições sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias, caso não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Como se vê, não se trata de enriquecimento ilícito do Tesouro Nacional, mas de direta consequência da omissão do partido em devolver os valores ao doador considerado como fonte vedada de arrecadação.

Ademais, o recolhimento de valores para a conta única do Tesouro Nacional atende justamente aos interesses partidários, pois o art. 38 da Lei n. 9.096/95 estabelece que o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) é constituído, dentre outras fontes, por dotações orçamentárias da União (inc. V), o mesmo ocorrendo quanto ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), nos termos do art. 16-C da Lei n. 9.504/97.

Não se identifica violação ao princípio federativo em razão de o recolhimento não ser realizado para Estados e Municípios, pois a previsão de devolução do valor recebido de fonte vedada ao Tesouro Nacional, enquanto central de contabilidade pública do país, visa uniformizar as operações desta natureza realizadas pelas agremiações que descumprem a legislação eleitoral.

Desse modo, a irregularidade permanece, devendo o valor de R$ 4.742,99 ser recolhido ao Tesouro Nacional, na forma do art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15, considerando-se, para fins de cobrança, a alegação de que parte da quantia foi restituída no curso da tramitação do feito.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela aprovação com ressalvas da prestação de contas do exercício financeiro de 2017 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA (PSDB), declaro a inconstitucionalidade do art. 55-D da Lei n. 9.096/95, incluído pela Lei n. 13.831/19, afastando a sua aplicação ao feito, e determino o recolhimento do valor de R$ 4.742,99 ao Tesouro Nacional, correspondente ao recebimento de recursos provenientes de fontes vedadas, devendo ser confirmado o prévio recolhimento de parte dessa quantia (comprovante de pagamento do ID 5699833) antes da promoção de eventual cobrança.

Para facilitar a admissibilidade de eventual recurso dirigido à superior instância, considero prequestionados todos os dispositivos legais e constitucionais invocados pelas partes.