REl - 0600525-11.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que, sem determinar o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, desaprovou as contas de JAQUES DANIEL AULER ao cargo de vereador nas eleições de 2020, no Município de Cerro Branco, em virtude da verificação de duas irregularidades, consoante excerto a seguir reproduzido:

A terceira falta apontada diz respeito à omissão de receitas, na medida em que localizados gastos com combustíveis, sem a prévia informação de locação ou cessão de veículo, tampouco contratação de publicidade por meio de carro de som, falta que não restou afastada, não obstante a informação de tratar-se de veículo de cônjuge.

(...)

Não há óbice na utilização de veículo de terceiro na campanha eleitoral (cônjuge ou parente), desde que o valor do bem seja estimado e registrado na prestação de contas sob a rubrica RECURSOS DE PESSOAS FÍSICAS – ESTIMÁVEL EM DINHEIRO. Conforme o art. 60, §4º, III, da Res. do TSE n. 23.607/2019, embora a utilização de veículo de propriedade de cônjuge ou parente seja dispensada de comprovação na prestação de contas, subsiste a obrigatoriedade de os valores serem registrados no extrato de movimentação: (...)

Então, a irregularidade apontada não se afasta, mesmo com os esclarecimentos e documentos apresentados.

A quarta falta apontada diz respeito a divergência entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos, uma vez que R$ 290,40, provenientes do FEFC, foram recebidos juntamente com outros recursos, em conta corrente não destinada exclusivamente ao recebimento de verbas públicas. Ainda que o valor tenha sido restituído, o parecer entendeu por não afastar a falta, quanto ao recebimento em conta indevida, haja vista que envolve recurso de origem pública.

(…)

O Parecer Conclusivo fez apontamentos plausíveis e fundamentados, mantendo como irregular o recebimento de verbas públicas e valores oriundos de doações particulares na mesma conta, o que demonstrando desatenção para com a Legislação Eleitoral. Então, levando-se em conta a conclusão do Parecer e a manifestação do Ministério Público Eleitoral, a desaprovação das consta prestadas é medida que se impõe.

 

Passa-se à análise individualizada dos apontamentos que ensejaram a rejeição das contas.

1. Das despesas com combustível sem que o valor correspondente à cessão tenha sido estimado e registrado na prestação de contas

Na instância de origem, a unidade técnica constatou que o candidato efetuou despesa com combustível na quantia de R$ 100,00, para abastecimento de veículo de seu cônjuge, sem que o valor correspondente à cessão tenha sido estimado e registrado na prestação de contas (ID 34751683).

Nessa toada, o ilustre magistrado a quo entendeu configurada a omissão de receita, porquanto não houve a necessária indicação prévia à Justiça Eleitoral do valor da cessão estimável em dinheiro.

A matéria concernente aos gastos com combustíveis e à manutenção de veículo empregado na campanha encontra-se disciplinada na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 35, §§ 6º e 11, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Nesse passo, consoante dispõe o § 6º acima transcrito, as despesas do candidato com combustível, reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha.

A norma ressalva, entretanto, que podem tais despesas ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, do aludido diploma normativo.

In casu, foi juntada aos autos a nota fiscal emitida contra o CNPJ da campanha, referente ao gasto de R$ 100,00, realizado no dia 11.11.2020, junto ao fornecedor ABASTECEDORA DE COMBUSTÍVEIS CERRO BRANCO LTDA – EPP, inclusive constando no documento fiscal a placa do veículo abastecido: IUX 6A57 (ID 34750183).

O candidato, visando esclarecer os apontamentos da unidade técnica, carreou ao feito certidão de casamento e Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo, os quais demonstram que o automóvel “FIAT Siena Essence 1.6, ano/modelo 2013/2014, placas IUX 6A57” encontra-se averbado em nome de sua esposa, Valéria Seckler Auler (ID 34751583).

Igualmente, foi acostado aos autos o Demonstrativo de Despesas com Combustíveis Semanal (ID 34749933), dando conta de que, na semana de 08.11.2020 a 14.11.2020, houve dispêndio no fornecedor ABASTECEDORA DE COMBUSTÍVEIS CERRO BRANCO LTDA – EPP, consubstanciado na aquisição de gasolina comum, no montante de R$ 100,00.

Contudo, apesar da documentação apresentada pelo candidato atinente aos dispêndios com combustível, observa-se que o veículo não foi declarado originariamente na prestação de contas.

Outrossim, consoante bem detectado na instância de origem, não houve registro na prestação de contas dos valores atribuídos à cessão temporária do veículo, em violação ao que prescreve a Resolução TSE n. 23.607/19, sobretudo em seus arts. 57, § 2º, 58, caput, e 60, §§ 4º, inc. I, e 5º, verbis:

Art. 57. A comprovação dos recursos financeiros arrecadados deve ser feita mediante:

(...)

§ 2º A ausência de movimentação financeira não isenta o prestador de contas de efetuar o registro das doações estimáveis em dinheiro.

(...)

Art. 58. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro, observado o disposto no art. 38, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, ou as cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

(...)

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(...)

§ 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

(...)

III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

§ 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

 

Ademais, resta claro que os abastecimentos em questão serviram ao uso pessoal do candidato, razão pela qual não poderiam ser pagos com recursos de campanha, nos termos do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nítida, assim, a configuração da irregularidade, razão pela qual a sentença não merece reforma quanto ao ponto.

 

2. Da movimentação de recursos do FEFC na conta “Outros Recursos”

Foi identificado o recebimento e a devolução de recursos do FEFC, no valor de R$ 290,40, sem trânsito pela conta bancária específica, os quais teriam sido doados, por equívoco, pelo candidato a vice-prefeito Ivancur Seckler, e posteriormente devolvidos, conforme comprovante do ID 34751533, razão pela qual não foi determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

O parecer conclusivo delineou, de forma precisa, os contornos da irregularidade em questão (ID 34751683):

A quantia recebida de R$ 290,40, proveniente da conta FEFC aberta pelo candidato a Vice-Prefeito, deveria ter sido devolvida diretamente por transferência bancária da conta do candidato (recebedor do importe) para a conta FEFC do candidato (doador da quantia); procedimento que daria mais transparência à devolução empreendida pelo candidato cuja prestação de contas ora se analisa.

Assim, tendo em vista que a devolução da quantia se deu pela realização de depósito na conta de campanha FEFC do candidato doador, a irregularidade nas contas se configura e não se afasta pelos esclarecimentos trazidos.

Analisando os extratos eletrônicos, pertinentes à conta do candidato a Vice-Prefeito, é possível verificar movimentação (depósito do valor de: R$ 290,40 em 03/11/2020) com identificação do CNPJ do candidato Jaques Daniel Auler 38.767.902/0001-20.

Embora haja indícios que indiquem que o valor recebido (R$ 290,40) foi efetivamente objeto de equívoco, e, posteriormente, devolvido à conta do candidato, entendo pela manutenção da falha nas contas, pelos seguintes motivos, que ora resumo:

1. trata-se de falha envolvendo recurso de origem pública, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, por si só, implicaria maior cautela e zelo quanto à sua utilização;

2. o valor foi recebido em conta de ‘outros recursos’, misturando recursos de ordem privada e pública;

3. ao candidato recebedor da quantia restava a possibilidade de transferi-la diretamente para a conta do doador, por meio de transferência bancária entre contas (tornando a devolução mais transparente e condizente as normas eleitorais de arrecadação e gastos).

Assim, por todos os motivos acima alinhavados, a irregularidade se mantém, o que representa 74,38% da movimentação financeira do candidato irregular.

Quanto à devolução da quantia, entendo pelo seu afastamento, pois, smj, indícios há para concluir que houve a devolução do importe ao candidato doador.

 

Com efeito, embora a restituição dos valores ao doador não tenha sido efetuada por transferência bancária, mas ocorrido mediante depósito em dinheiro em sua conta destinada à movimentação de recursos do FEFC, é certo que houve a identificação do CNPJ do candidato Jaques Daniel Auler na operação bancária e a verba não foi utilizada pelo presente prestador de contas.

Dessa forma, os recursos foram efetivamente devolvidos à conta específica para trânsito de valores do FEFC do candidato doador.

No aspecto, a douta Procuradoria Regional Eleitoral, examinando o tema, concluiu que foi sanada a irregularidade, pois o ora prestador não utilizou os recursos do FEFC que foram depositados na conta “Outros Recursos” e devolveu-os para a conta FEFC do candidato doador.

Nessa mesma linha, tenho que a falha é meramente formal, não tendo acarretado prejuízo à transparência e à confiabilidade das contas, de sorte que deve ser afastada.

Assim, a irregularidade identificada nas contas, relativa às despesas realizadas com combustíveis sem o correspondente registro de locação ou cessão de veículos, alcança o somatório de R$ 100,00, cifra que, conquanto represente 25,61% das receitas declaradas (R$ 390,40), mostra-se em termos absolutos reduzida e, inclusive, bastante inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módica, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Quanto ao tema, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 20.05.2021).

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de JAQUES DANIEL AULER relativas ao pleito de 2020.