REl - 0600206-21.2020.6.21.0082 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, o Juízo da 82ª Zona Eleitoral desaprovou as contas de campanha de LUIZ OTAVIO PICADA GAZEN em razão do reconhecimento de duas irregularidades: (a) a extrapolação do limite legal de gastos com recursos próprios, determinando, quanto ao ponto, o recolhimento da quantia equivalente ao excesso ao Tesouro Nacional, e (b) divergências entre a movimentação financeira lançada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos em relação aos fornecedores favorecidos pelos pagamentos realizados por meio de cheques.

Passo à análise de cada um dos apontamentos.

 

1. Da extrapolação do limite legal de gastos com recursos próprios

A sentença recorrida considerou que o valor dos recursos próprios empregados pelo candidato supera em R$ 1.036,41 o limite previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Transcrevo o dispositivo pertinente à matéria:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).

§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).

§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.

§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º).

 

In casu, o limite de gastos para o cargo em tela no Município de São Sepé era de R$ 16.735,90, estando o candidato restrito ao uso de 10% deste valor em recursos próprios, ou seja, R$ 1.673,59. Entretanto, o prestador utilizou em campanha o montante de R$ 2.710,00 em verbas da espécie, configurando o excesso de R$ 1.036,41 em relação ao teto previsto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em suas razões recursais, o candidato afirma que a doação na quantia de R$ 1.400,00 é proveniente de sua filha, com a qual mantém conta conjunta, e que o valor foi equivocadamente registrado como originário de recursos próprios, tecendo a seguinte manifestação:

Cabe asseverar que o recorrente e sua filha são sócios de Picada Gazen Advogados Associados – OAB/RS 5180 - mantendo conta conjunta bancária para movimentação de contas do escritório, onde ainda aportam vencimentos mensais do recorrente, havidos por força de seu mandato junto a Câmara de Vereadores de São Sepé/RS.

A circunstância fática de que na referida doação de R$ 1.400,00 teria constado o CPF do candidato, e não de sua filha/sócia doadora, deve-se ao momento de sua escrituração, quando foi lançado o CPF do candidato e não o da doadora - o técnico que cuidava da contabilidade não atentou para este aspecto – o que se explica pelo entendimento de sua desnecessidade, face a condição da conta ser conjunta, em nome de ambos, porquanto sócios, como se infere do extrato bancário da conta conjunta acostado às fls. 12 (...).

 

Assim, pugna o recorrente pela exclusão da aludida quantia do total considerado na aferição do limite de gastos em seu autofinanciamento.

Contudo, conforme consta nas razões recursais, os valores em questão são provenientes de conta conjunta mantida com sua filha, utilizada tanto para o recebimento de honorários relativos à sociedade de advogados por eles estabelecida como para os subsídios referentes ao exercício de mandato de vereador pelo prestador, tornando impossível discriminar o patrimônio de um ou outro pela simples apresentação do extrato bancário comum, sem registro de origem ou natureza de cada crédito.

Os demais aspectos acerca da inidoneidade do documento para a prova pretendida foram bem sintetizados no parecer da Procuradoria Regional Eleitora, em trecho que adoto como razões de decidir:

Ademais, em relação à cópia de excerto de extrato bancário, alusivo a Luiz Otavio Picada Gazen e Luciana Picada Gazen, colacionada no corpo da peça recursal, mostram-se pertinentes algumas observações: primeiro, em relação ao aspecto formal, cuida-se de documento que não tem autenticação do órgão emissor, tampouco se faz acompanhar de informação emitida por gerente da respectiva instituição financeira; segundo, em relação a seu teor, dito documento, segundo se depreende das afirmações do recorrente, estaria se referindo à movimentação bancária de uma sociedade comercial, da qual seria sócio o candidato; ocorre, todavia, que o patrimônio da pessoa jurídica, em linha de princípio, não se confunde com o de seus sócios; e terceiro, o próprio recorrente, em seu arrazoado, ora sugere que a doação é sua (“o recorrente registrava remuneração mensal (…) o que tornaria totalmente contra indicado (…) que viesse a captar recursos para a campanha junto a terceiros), ora que veio da filha, ora que seria de ambos (“ valeu-se apenas do aporte de recurso próprio e de sua filha/sócia”), o que, por evidente, pouco contribui para sanar o apontamento do órgão técnico.

 

Outrossim, todos os documentos e demonstrativos contábeis que integram as contas são congruentes em apontar o candidato como doador da quantia em tela, destacando-se o respectivo recibo eleitoral, que foi por ele assinado na qualidade de doador, em 13.11.2020 (ID 28850833, fl. 02), tornado implausível a narrativa de equívoco do contador na contabilização da receita.

Quanto ao ponto, colho excerto da sentença que examina com acuidade da questão:

O candidato alega tratar-se de doação de sua filha, Luciana Gazen, para a campanha. Ocorre que em todos os documentos juntados ao processo consta como doação pessoa física de Luiz Otavio Picada Gazen. Isso em diversos documentos do processo como: na conciliação bancária de fl. 69; também no formulário receitas e despesas de fl. 72 dos autos onde todas as transferências para a conta de campanha consta feitas em nome de Luiz Otávio Picada Gazen e em seu CPF.

De igual forma nos extratos bancários juntados aos autos constam a transferência no CPF do candidato o que corrobora que foi este quem efetuou a transferência e doou para sua campanha, ultrapassando o limite legal.

Mais ainda, o candidato assina os recibos de que doou quantia para sua campanha. Recibos em seu nome e seu CPF, assinados todos pelo candidato.

 

Desse modo, não havendo prova suficiente de que a doação em destaque advém de fonte diversa, está caracterizada a irregularidade no uso de recursos próprios acima do parâmetro legalmente estabelecido, infringindo o art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Impositiva, assim, a aplicação da sanção pecuniária fixada pelo juízo a quo em R$ 1.036,41, equivalentes a 100% da quantia em excesso, montante que se mostra razoável, adequado e proporcional à gravidade do fato e às particularidades do caso em comento.

Todavia, a multa imposta tem sua base legal no art. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97, razão pela qual deverá ser recolhida ao Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário), nos exatos termos do art. 38, inc. I, da Lei 9.096/95, e não ao Tesouro Nacional como especificado no comando sentencial.

Assim, deve ser retificado o erro material constante da sentença, de modo que o valor da penalidade seja corretamente direcionado ao Fundo Partidário.

 

2. Das divergências entre a movimentação financeira lançada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos

A unidade técnica constatou que os beneficiários dos cheques emitidos nos valores de R$ 105,00 e de R$ 756,00, registrados nos extratos bancários eletrônicos, divergem dos fornecedores declarados pelo candidato no SPCE.

Conforme consta nos extratos bancários eletrônicos, o cheque n. 2, de R$ 105,00, foi descontado por Felipe Alves da Silva, em 12.11.2020, porém a despesa está registrada em favor de Vera Stangerlin.

Do mesmo modo, o cheque n. 3, na monta de R$ 756,00, foi sacado por Bruno Walmarath Marques, em 17.11.2020, tendo sido escriturado o gasto como realizado ao fornecedor Luis Carlos Medeiros Machado.

De seu turno, o recorrente sustenta que os cheques foram entregues aos prestadores de serviços contratados e que estão acostadas aos autos as notas fiscais respectivas, referindo ainda que:

Como é cediço, cheques são títulos ao portador, pois, mesmo quando nominados, podem ser transferidos por endosso, de modo que o fato de “alegadamente” (não há documentos nos autos que provem o nome das pessoas que teriam efetuado os saques ou depósitos) os títulos terem sido descontados por pessoa diversa dos titulares das pessoas jurídicas indicadas nas NFs EM ABSOLUTAMENTE NADA PROVAM QUE OS CHEQUES N°S 02 E 03 NÃO FORAM DADOS EM PAGAMENTO DAS DESPESAS COMO INDICADO NA PRESTAÇÃO, como absurda, imotivada, injustificada, maledicente e sem qualquer fundamento fático-probatório, conclui equivocadamente a sentença.

 

Entretanto, a alegação de que os cheques foram endossados a terceiros após entregues aos fornecedores, independentemente de qualquer conduta do candidato, somente poderia ser acolhido mediante a comprovação de que as cártulas foram emitidas na forma reclamada pela legislação, ou seja, cruzados e nominais aos contratados, consoante prescreve o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Dessa forma, não tendo sido acostadas aos autos as cópias dos cheques, ou outro meio de prova nesse sentido, não pode ser relevada a irregularidade pelo descumprimento do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, pois os pagamentos deveriam ter sido realizados com cheques nominais e cruzados e os fornecedores declarados deveriam estar registrados na movimentação bancária.

Desse modo, não há transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, dificultando a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha.

Nesse sentido, o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TRE-RS - REl - 0600274-39.2020.6.21.0027; Relator: Des. Federal Luís Alberto D`Azevedo Aurvalle; julgado em 07.07.2021.)

 

Portanto, merece ser mantida a bem-lançada sentença que concluiu pela configuração de irregularidade na comprovação dos aludidos gastos de campanha, em razão da divergência entre os fornecedores declarados e os beneficiários dos pagamentos verificados nos extratos bancários.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de LUIZ OTAVIO PICADA GAZEN, relativas às eleições de 2020, condenando-o à multa no valor de R$ 1.036,41, a qual, retificando-se erro material da sentença, deve ser destinada ao Fundo Partidário, nos termos do arts. 23, § 3º, da Lei n. 9.504/97 e 38, inc. I, da Lei 9.096/95.