REl - 0600555-46.2020.6.21.0010 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que, sem determinar o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, desaprovou as contas de FLAVIO ANTONIO FARDIN ao cargo de vereador nas eleições de 2020, no Município de Cerro Branco, em virtude da verificação de três irregularidades, consoante excerto a seguir reproduzido:

Houve apontamento de omissão de receitas, sendo efetuados gastos com combustíveis, sem a prévia informação de locação ou cessão de veículo, tampouco contratação de publicidade por meio de carro de som. Mesmo com a informação de utilização de veículo próprio, tal falha não restou sanada, haja vista que a autorização para utilização de veículo próprio pressupõe prévia informação à Justiça Eleitoral, mediante indicação de recurso estimável em dinheiro, o que não foi feito pelo candidato.
O segundo apontamento diz respeito a valores do Fundo Especial de Financiamento de Campanha recebidos em conta destinada a outros recursos, o que gerou confusão entre recursos de origem pública e privada. Mesmo que tenha ocorrido a devolução dos R$ 205,40 à conta do candidato a prefeito Edson Joel Lawal, verifica-se que não foi observado o procedimento correto, que seria a simples transferência bancária.
Outrossim, constatou-se a realização de saques eletrônicos para a movimentação de valores. Ocorre que as ordens de pagamento não foram apresentadas e as operações realizadas dessa forma não permitiram a identificação da contraparte nos extratos bancários e eletrônicos, para comprovar que o pagamento teve como destinatário o fornecedor da nota fiscal emitida ou do prestador de serviço declarado na prestação de contas, impossibilitando o rastreamento da conta de destino.
Desta forma, deve ser acolhido a Parecer Conclusivo, bem como a manifestação Ministerial pela desaprovação das contas prestadas.
Pelo exposto, JULGO DESAPROVADAS, nos termos dos artigos 73 e 74, inciso III, da Resolução TSE 23.607/2019, as contas prestadas por FLAVIO ANTONIO FARDIN quanto à arrecadação e à aplicação de recursos financeiros na eleição do ano de 2020.

Passa-se, a seguir, à análise individualizada dos apontamentos que ensejaram a rejeição das contas.

I – Da omissão de receita estimável em dinheiro

Na instância de origem, a unidade técnica constatou que o candidato efetuou duas despesas com combustível, cada qual no valor de R$ 150,00, para abastecimento de veículo próprio, sem que o valor correspondente à cessão tenha sido estimado e registrado na prestação de contas (ID 38084033).

Nessa toada, o ilustre magistrado a quo entendeu configurada a omissão de receita, porquanto não houve a necessária indicação prévia à Justiça Eleitoral do valor da cessão estimável em dinheiro.

Pois bem.

A matéria concernente aos gastos com combustíveis e manutenção de veículo empregado na campanha encontra-se disciplinada na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 35, §§ 6º e 11, litteris:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

(...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(…)

§ 11. Os gastos com combustível são considerados gastos eleitorais apenas na hipótese de apresentação de documento fiscal da despesa do qual conste o CNPJ da campanha, para abastecimento de:

I - veículos em eventos de carreata, até o limite de 10 (dez) litros por veículo, desde que feita, na prestação de contas, a indicação da quantidade de carros e de combustíveis utilizados por evento;

II - veículos utilizados a serviço da campanha, decorrentes da locação ou cessão temporária, desde que:

a) os veículos sejam declarados originariamente na prestação de contas; e

b) seja apresentado relatório do qual conste o volume e o valor dos combustíveis adquiridos semanalmente para este fim; e

III - geradores de energia, decorrentes da locação ou cessão temporária devidamente comprovada na prestação de contas, com a apresentação de relatório final do qual conste o volume e valor dos combustíveis adquiridos em na campanha para este fim.

 

Nesse passo, consoante dispõe o § 6º retrotranscrito, as despesas do candidato com combustível, reputadas como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha.

Podem tais despesas, entretanto, ser consideradas gastos eleitorais, contanto que preenchidos os requisitos elencados no art. 35, § 11, do aludido diploma normativo.

In casu, foram juntadas aos autos as notas fiscais emitidas contra o CNPJ da campanha, referentes a dois gastos de R$ 150,00, realizados nos dias 16.10.2020 e 03.11.2020, ambos junto ao fornecedor ABASTECEDORA DE COMBUSTÍVEIS CERRO BRANCO LTDA – EPP (ID 38082383 e 38082333).

Verifico, outrossim, por meio de pesquisa no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86088/210000855183/bens), que o candidato declarou em sua prestação de contas a propriedade de um automóvel “Chevrolet Onix 1.0 JOY ano 2018, placas IYS 6667”, fato também comprovado nos autos pelo documento sob ID 38083883, fl. 3.

Anoto que foi carreado ao feito o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo atinente ao referido automóvel (ID 38083833), que demonstra estar averbado em nome de FLAVIO ANTONIO FARDIN.

Igualmente, foi acostado aos autos o Demonstrativo de Despesas com Combustíveis Semanal (ID 38082183), dando conta de que, nas semanas de 11.10.2020 a 17.10.2020 e 01.112020 a 07.11.2020, houve dispêndios no fornecedor ABASTECEDORA DE COMBUSTIVEIS CERRO BRANCO LTDA – EPP, consubstanciados na aquisição de gasolina comum, em montantes individuais de R$ 150,00 em cada uma das semanas, resultando na soma de R$ 300,00.

Contudo, apesar da documentação apresentada pelo candidato atinente aos dispêndios com combustível, observa-se que, efetivamente, consoante bem detectado na instância de origem, não houve registro na prestação de contas dos valores atribuídos à cessão temporária do veículo, em violação ao que prescreve a Resolução TSE n. 23.607/19, sobretudo em seus arts. 57, § 2º, 58, caput, e 60, §§ 4º, inc. I, e 5º, verbis:

Art. 57. A comprovação dos recursos financeiros arrecadados deve ser feita mediante:

(...)

§ 2º A ausência de movimentação financeira não isenta o prestador de contas de efetuar o registro das doações estimáveis em dinheiro.

(...)

Art. 58. As doações de bens ou serviços estimáveis em dinheiro, observado o disposto no art. 38, § 2º, da Lei nº 9.504/1997, ou as cessões temporárias devem ser avaliadas com base nos preços praticados no mercado no momento de sua realização e comprovadas por:

(...)

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

(...)

§ 4º Ficam dispensadas de comprovação na prestação de contas:

(...)

III - a cessão de automóvel de propriedade do candidato, do cônjuge e de seus parentes até o terceiro grau para seu uso pessoal durante a campanha.

§ 5º A dispensa de comprovação prevista no § 4º não afasta a obrigatoriedade de serem registrados na prestação de contas os valores das operações constantes dos incisos I a III do referido parágrafo.

 

Ademais, resta claro que os abastecimentos em questão serviram ao uso pessoal do candidato, razão pela qual não poderiam ser pagos com recursos de campanha, nos termos do art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nítida, assim, a configuração da irregularidade, razão pela qual a sentença não merece reforma quanto ao ponto.

 

II – Da movimentação de recursos do FEFC na conta Outros Recursos

Foi identificado recebimento e devolução de recursos do FEFC, no valor de R$ 205,40, sem trânsito pela conta bancária específica, os quais teriam sido doados, por equívoco, pelo candidato a Prefeito Edson Joel Lawal, e posteriormente devolvidos, conforme comprovante do ID 38083933, razão pela qual não foi determinado o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

O parecer conclusivo delineou, de forma específica, os contornos da irregularidade em questão (ID 38084033):

A quantia recebida de R$ 205,40, proveniente da conta FEFC aberta pelo candidato a Prefeito Edson Joel Lawall, deveria ter sido devolvida diretamente por transferência bancária da conta do candidato (recebedor do importe) para a conta FEFC do candidato (doador da quantia); procedimento que daria mais transparência à devolução empreendida pelo candidato cuja prestação de contas ora se analisa.

Assim, tendo em vista que a devolução da quantia se deu pela realização de saque eletrônico dos valores (R$ 122,00 + R$ 83,40) e posterior depósito na conta de campanha FEFC do candidato doador, a irregularidade nas contas se configura e não se afasta pelos esclarecimentos trazidos.

Analisando os extratos eletrônicos, pertinentes à conta do candidato a Prefeito Edson Joel Lawall, é possível verificar movimentação (depósitos dos valores de: R$ 122,00 em 30/10/2020 e R$ 83,40 em 06/11/2020), o primeiro com identificação do CPF do candidato FLAVIO ANTONIO FARDIN (192.404.570-20) e o segundo com identificação de seu CNPJ (38.760.253/0001-36), aberto para campanha eleitoral.

Embora haja indícios que indiquem que o valor recebido (R$ 205,40) foi efetivamente objeto de equívoco, e, posteriormente, devolvido à conta do candidato, entendo pela manutenção da falha nas contas, pelos seguintes motivos, que ora resumo:

1. trata-se de falha envolvendo recurso de origem pública, oriundo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o que, por si só, implicaria maior cautela e zelo quanto à sua utilização;

2. o valor foi recebido em conta de ‘outros recursos’, misturando recursos de ordem privada e pública;

3. ao candidato recebedor da quantia restava a possibilidade de transferi-la diretamente para a conta do doador, por meio de transferência bancária entre contas (tornando a devolução mais transparente e condizente as normas eleitorais de arrecadação e gastos);

4. o recurso foi pretensamente devolvido à conta FEFC do candidato doador por meio de depósito, um com identificação do CPF do candidato e outro com identificação do CNPJ do candidato.

Assim, por todos os motivos acima alinhavados, a irregularidade se mantém, o que representa 40,64% da movimentação financeira do candidato irregular.

Quanto à devolução da quantia, entendo pelo seu afastamento, pois, smj, indícios há para concluir que houve devolução do importe ao candidato doador.

 

Com efeito, embora a restituição dos valores tenha ocorrido em parcelas, por duas operações distintas, uma registrando CPF do candidato e outra o CNPJ de campanha, é certo que a verba não foi utilizada pelo presente prestador de contas e restou efetivamente restituída à conta destinada ao FEFC do candidato doador.

No aspecto, a douta Procuradoria Regional Eleitoral, examinado o tema, concluiu que, “como restou comprovada a devolução ao doador dos recursos do FEFC indevidamente recebidos na conta ‘Outros Recursos’, entendemos que a conduta em questão não impediria a aprovação das contas”.

Nessa mesma linha, tenho que a falha é meramente formal, não tendo acarretado prejuízo à transparência e à confiabilidade das contas, de sorte que deve ser afastada.

 

III – Da realização de gastos sem observância da forma prescrita no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19

A unidade técnica, analisando a movimentação bancária do candidato, constatou que foram realizadas duas operações de saque eletrônico, nos dias 30.10.2020 e 04.11.2020, nos valores de R$ 120,00 e R$ 150,00, respectivamente, mediante procedimento que não permitiu a identificação da contraparte, pois no histórico consta a anotação de “cheque terceiros por caixa”.

No apelo, o recorrente assevera que, por equívoco, os gastos foram quitados por cheques emitidos sem cruzamento.

A forma de pagamento dos dispêndios eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

No caso vertente, é incontroverso que as ordens de pagamento foram emitidas sem o necessário cruzamento.

Ora, a exigência de cruzamento do título visa impor que o seu pagamento ocorra mediante crédito em conta bancária, de modo a permitir a rastreabilidade das movimentações financeiras de campanha, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração, em especial, que os prestadores de serviço informados na demonstração contábil foram efetivamente os beneficiários dos créditos.

Demais disso, como apontado na sentença, não houve sequer a juntada de imagem das cártulas, onde se poderia verificar o beneficiário do pagamento.

Por conseguinte, indene de dúvida que os referidos gastos se deram à margem dos preceitos enunciados no dispositivo antes transcrito, que exigem que o cheque seja cruzado e nominal ao fornecedor, restando configurada a irregularidade, que compromete a perfeita fiscalização contábil.

Assim, as irregularidades identificadas nas contas alcançam o somatório de R$ 570,00 (R$ 300,00 + R$ 270,00), cifra que, conquanto represente 112,78% das receitas declaradas (R$ 505,40), mostra-se, em termos absolutos, reduzida e, inclusive, inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módica, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente, não sujeito à contabilização, e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19), possibilitando a aprovação das contas com ressalvas.

Quanto ao tema, destaco excertos da decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (TRE-RS: PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.07.2020, e REl n. 0600399-70.2020.6.21.0103, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 20.05.2021).

 

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha de FLAVIO ANTONIO FARDIN, relativas à disputa ao cargo de vereador no Município de Cerro Branco nas eleições de 2020.