REl - 0600696-57.2020.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/09/2021 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

FRANCISCO FANG, candidato ao cargo de vereador do Município de São Miguel das Missões nas eleições 2020, recorre da sentença que desaprovou suas contas de campanha, em razão de divergência entre os fornecedores indicados no Sistema de Prestação de Contas Eleitorais - SPCE e os beneficiários dos cheques emitidos para pagamentos das respectivas despesas, quitadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, no valor de R$ 525,60.

A decisão deixou de determinar o recolhimento da quantia, ao entendimento de que “restaram comprovadas as despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, mediante a apresentação das notas fiscais emitidas (ID 68413086 e ID 68413088), afastando-se assim a obrigação de recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, nos termos da jurisprudência”, mas, a despeito de ter considerado a despesa comprovada, o mesmo não ocorreu com o respectivo pagamento, falha que ensejou a desaprovação.

No campo normativo, a Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece os meios de quitação e de comprovação dos gastos eleitorais, conforme os arts. 38 e 60, que transcrevo:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

 

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço

 

Na prestação de contas, houve o registro de duas despesas com a fornecedora Gráfica Missioneira Hall Ltda, nos valores de R$ 210,00 e R$ 315,60, mediante os cheques 004 e 005. Contudo, nos extratos eletrônicos, há o apontamento de beneficiário diverso, Tedi Martins.

A parte recorrente admite que os cheques emitidos não foram cruzados, possibilitando o endosso do credor, e alega, em contrapartida, que as cártulas se destinaram a cobrir despesas devidamente declaradas. No entanto, deixou de trazer aos autos prova que ampare a argumentação, restringindo-se a afirmar que a divergência entre o beneficiário nominal do cheque e a contraparte não constituiria irregularidade perante a legislação civil, pois desacompanhada de indicativo de prática ilegal ou imoral, e cita jurisprudência desta Corte, relativa às eleições de 2016.

Aqui, importa frisar que a legislação em vigência para as eleições 2016 não previa a obrigatoriedade de pagamento de gastos eleitorais com cheques cruzados nominais, determinação que foi inaugurada pela Resolução TSE n. 23.607/19.

E a inovação não é sem causa.

Transcrevo a manifestação do douto Procurador Regional Eleitoral, que bem elucidou a importância da sujeição às formas de pagamento de despesas de campanha:

Outrossim, a irregularidade em tela não pode ser considerada de caráter meramente formal ou de pouca gravidade, pois os meios de pagamento previstos no art. 38 são os únicos que permitem identificar exatamente a pessoa, física ou jurídica, que recebeu o valor depositado na conta de campanha, constituindo, assim, um mínimo necessário para efeito de comprovação do real destinatário dos recursos de campanha, e, por consequência, da veracidade do correspondente gasto.

Com efeito, tais dados fecham o círculo da análise das despesas, mediante a utilização de informações disponibilizadas por terceiro alheio à relação entre credor e devedor e, portanto, dotado da necessária isenção e confiabilidade para atestar os exatos origem e destino dos valores. Isso porque somente o registro correto e fidedigno das informações pela instituição financeira permite o posterior rastreamento dos valores, apontando-se, por posterior análise de sistema a sistema, eventuais inconformidades.

Por outro lado, se os valores não transitam pelo sistema financeiro nacional, é muito fácil que sejam, na realidade, destinados a pessoas que não compuseram a relação indicada como origem do gasto de campanha. É somente tal triangularização entre prestador de contas, instituição financeira e terceiro contratado, com dados provenientes de diversas fontes distintas, que permite, nos termos da Resolução, o efetivo controle dos gastos de campanha a partir do confronto dos dados pertinentes. Saliente-se, ademais, que tal necessidade de controle avulta em importância quando, como no caso, se tratam de recursos públicos, como são as verbas recebidas via FP ou FEFC.

Nesse norte, não se sustenta a tese oferecida, no sentido de ser suficiente a declaração para evidenciar o pagamento ao real fornecedor, pois a ausência de comprovação do destino das verbas públicas usadas para pagamento das despesas eleitorais é falha de natureza grave.

De outro lado, ainda que a sentença merecesse reparo no relativo ao afastamento do recolhimento do valor irregular, pois nos termos do art. 79, § 1º, “a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional” no caso de manejo irregular de verbas publicas, entendo que deve haver a manutenção da decisão, pois inexiste recurso quanto ao ponto.

Por fim, reconheço que o valor absoluto da irregularidade, R$ 956,60, é inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 estabelecido no art. 43, caput, e referido no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, utilizado por este Tribunal como autorizador da aplicação do postulado da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO para dar parcial provimento do recurso e aprovar as contas com ressalvas.