REl - 0600381-92.2020.6.21.0024 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/09/2021 às 14:00

VOTO

A parte embargante assevera inicialmente que o acórdão embargado incorrera em contradição,  omissões e obscuridade.

Contudo, os embargos são obscuros sobre a alegada obscuridade, dela mais não tratando e se limitando a esmiuçar os vícios de : (1) contradição, pois o acórdão não teria se manifestado acerca do pedido de reconhecimento de ilícito feito pelo juízo de primeiro grau; (2) omissão, pois não teria sido indicada as "razões legais" do afastamento da legislação, o art. 41-A da Lei n. 9.504/97; (3) omissão, pois não teria sido fundamentada a não aplicação do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Portanto, por não ter restado clara a obscuridade na qual o acórdão teria incorrido, o tema não será tratado no presente voto.

Ainda, o item relativo à contradição se mostra confuso, pois há a referência de que "o presente arrazoado, como acima concatenado, visa prequestionar a matéria em questão" (sic), contradizendo, pois, o objetivo inicial apontado de saneamento de contradição e trazendo motivo que não dá azo à oposição de embargos de declaração; visasse ao prequestionamento, como referido, os embargos deveriam ser rejeitados sem análise de mérito, até mesmo porque o Código de Processo Civil vigente consagra o prequestionamento ficto, como adiante se verá.

De todo modo, antecipo que o tópico será considerado como de alegada contradição.

À análise.

Aduz a agremiação embargante que:

O Acórdão ora embargado aduz, quanto à captação ilícita de sufrágio de CLÓVIS CORREA em face de eleitora da cidade de Itaqui/RS, inexistir ilicitude no caso concreto, pois teria a votante externado, antecipadamente, o voto na chapa dos embargados. Em que pese a eloqüência e erudição do voto exarado, o mesmo deixa de observar, incorrendo em contradição, que o recurso não tratou de pedido de reconhecimento de ilícito, o que havia sido feito pelo juízo de primeiro grau, veja-se: “(...) Ao analisar detidamente os autos, não vislumbro outra conclusão que não seja a da ocorrência do ilícito. Analisando a prova produzida, o que se tem é a prova documental e oral demonstrando o diálogo do vice-prefeito eleito, então candidato, com uma eleitora – embora conhecida sua - com afirmação tendente a fazê-la acreditar na vantagem pessoal que teria mediante a vitória do pretendente ao cargo eletivo. (...)” Em prosseguimento, entretanto, assim reconheceu o juízo de primeiro grau: “(...) Ainda que a casuística dos autos possa indicar gravidade, não compreendo esta conduta isolada (vice-prefeito prometendo cargo público a uma única eleitora em troca de apoio político) como ofensiva ao bem jurídico tutelado pela AIME, que é a legitimidade da eleição. Não se mostra razoável ou proporcional acolher o pedido de impugnação do mandato eletivo obtido por intermédio do voto popular, diante da apuração de prática de captação ilícita do sufrágio de uma única eleitora do município. Essa circunstância mitiga a gravidade da conduta em si, assim como a sua capacidade para interferir na normalidade e na legitimidade do pleito, bens jurídicos tutelados pela ação de impugnação de mandato eletivo.(...)” Embora não se desconheça o efeito devolutivo do recurso manejado, por primeiro, deve-se observar que os embargados não pugnaram o afastamento quanto ao reconhecimento da ilicitude da conduta. Por segundo, cumpre rememorar que a agremiação, ora embargante, pugnou o afastamento da exegese atinente ao princípio da insignificância inegavelmente aplicado ao caso concreto pelo juízo de primeiro grau. O presente arrazoado, como acima concatenado, visa prequestionar a matéria em questão, uma vez que a ilicitude da conduta resultou afirmada pelo juízo de primeiro grau, cabendo, nesta instância, seja provocada a manifestação do Colegiado acerca da contradição ora apontada, dada a ausência de recurso da parte contrária acerca do afastamento da ilicitude reconhecida na origem. (sic)

 

Em suma, percebo que o embargante tomou a legítima atitude de recorrer do resultado da demanda no primeiro grau, mas, ao mesmo tempo, exige que esta Corte concorde com uma específica passagem da parte da fundamentação da sentença.

Inviável, por incidência do princípio devolutivo.

Trazidos os fatos ao Poder Judiciário, quer em oferecimento originário, quer em oferta recursal, a manifestação jurisdicional deve abordar todos os aspectos necessários ao deslinde do feito, tendo como limite, em caso de recurso, apenas a reforma para pior - situação não ocorrente nos presentes autos.

Nesse norte, a intenção de um recurso "condicional" não apenas contraria a boa técnica recursal como também desafia princípios como o da colaboração e o da boa-fé processual  (pois, em sede de irresignação do demandante, o demandado segue com seu direito fundamental de ampla defesa preservado) e ignora, propositalmente ou por descuido, que perante o Tribunal também há manifestação do Ministério Público, representado pela Procuradoria Regional Eleitoral, cujos integrantes possuem prerrogativa também constitucional de independência em suas manifestações. 

Lembro que o sistema brasileiro faz perene apenas a parte dispositiva das decisões judiciais – e somente após a ocorrência de coisa julgada –, mero exemplo que faz saltar aos olhos o caso dos autos, de sentença sobre a qual pendia recurso. Houve a substituição de decisões, inclusive no que toca à fundamentação.

Ou seja, o posicionamento é exótico por qualquer ângulo que se analise.

Ademais, houve fundamentação, no corpo do acórdão embargado, que logicamente afasta, mediante a aplicação de silogismos basilares, a ocorrência da prática dos delitos previstos no art. 41-A e no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97:

Como visto, a sentença reconheceu de forma parcial a ocorrência do ilícito, afastando, contudo, a sua capacidade de interferir na normalidade e legitimidade do pleito. Vou além. Considero que não há, nos autos, provas suficientes para considerar configurada a promessa de emprego em troca de votos. O contexto probatório é nitidamente frágil e permeado por interesses de outros participantes da competição eleitoral. Há contradições e confusões evidentes nos relatos daquela que seria a principal testemunha, a suposta eleitora cooptada. Explico. Inicio pelo confronto entre o que a eleitora afirmou na troca de mensagens com o candidato a vice-prefeito e aquilo que testemunhou perante a autoridade policial. Saliento que considero verídico o teor do diálogo, pois os recorridos alegaram que teria ocorrido manipulação da conversa escrita sem se desincumbirem do ônus de comprovar a afirmação.  Noto que Lucineire afirmou por duas vezes e de forma clara que votaria na chapa majoritária composta por LEONARDO e CLÓVIS. Mais: antes mesmo de CLÓVIS indicar que ocupando o cargo de vice-prefeito teria condições de empregar pessoas, a eleitora declara voto favorável, pois o candidato noticia que passará na casa da eleitora para entregar um "santinho", ao que recebe a resposta "pode passar tô sempre em casa de manhã mas vou votar em vocês". Repito, somente após a afirmação de que "(...) vou votar em vocês" é que CLÓVIS afirma que "(...) como vereador não tem como empregar as pessoas mas como vice a coisa muda". Ora, tal circunstância é fundamental para afastar a ocorrência de captação ilícita de sufrágio. A redação do art. 41-A da Lei n. 9.504/97, como já esmiuçado, exige o preenchimento de todos os pressupostos constantes na norma, em tipificação estrita e completa, até mesmo porque se trata de dispositivo que impõe penas, sanções. Na hipótese, não houve oferta de benesse em troca de voto, pois não havia voto a ser conquistado. A interpretação da norma há de ser feita de forma técnica. Aqui, apenas por didática, seria possível a (genérica) analogia de impropriedade absoluta do objeto do ilícito, a clássica lição doutrinária da esfera penal sobre a tentativa de homicídio contra pessoa já falecida. Ainda que se admita que CLÓVIS tenha intentado prometer benefício em troca de voto (situação em si mesma discutível, da leitura das mensagens, pois a afirmação de CLÓVIS é dúbia), não há como ignorar que Lucineire antecipou a intenção de voto em favor do interlocutor, que ofereceu "santinho" a quem já iria votar em sua candidatura. Nesse sentido, a jurisprudência:  ”[...] Prefeito. Vice-prefeito. Vereador. Abuso do poder econômico. Captação ilícita de sufrágio [...]. Nos termos da jurisprudência cristalina desta Corte, a caracterização do ilícito do art. 41-A da Lei nº 9.504/97 demanda a existência de prova contundente de que a doação, a oferta, a promessa ou a entrega da vantagem tenha sido feita em troca de votos.  [...]” (Ac. de 28.3.2019 no AgR-AI nº 80154, rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto.) Igualmente, enfraquece a acusação a série de contradições de Lucineire, inclusive em relação a situações pessoais, como ter afirmado a CLÓVIS ser solteira e perante a autoridade policial ter indicado ser casada, ou se estava desempregada ou laborava como babá. Há trecho emblemático do termo de declaração realizado na Delegacia de Polícia, que traz distorcida versão do diálogo privado constante nos autos, na qual a motivação da oferta de emprego sequer seria o voto da eleitora, mas sim situação íntima: Comparece nesta delegacia a vítima, para relatar que sofreu assédio por parte do acusado, CLÓVIS ANTONIO RAVAROTTO CORREA (...) uma vez que este aproveitou da fragilidade da vítima em estar separada do marido e desempregada, para oferecer cargo público a mesma em troca de sexo (…) aproveitando que a vítima revelou estar sem emprego, ele teria insinuado que como vereador não poderia empregá-la mas que como prefeito o negócio seria diferente, fazendo convite para que a vítima fosse com ele ao motel, deixando claro que o emprego seria seu caso aceitasse a proposta de sexo. Ou seja, há um emaranhado de informações que não podem levar a um juízo condenatório – ao menos não na esfera eleitoral, pois após se contradizer com relação ao motivo e ao momento da oferta de emprego, Lucineire afirma no depoimento que, “pra ser bem sincera, eu não me lembro muito. Só sei que ele me ofereceu emprego. Única coisa que eu posso lhe dizer é assim: o emprego foi oferecido. Se o senhor quiser tirar uma base, aí o senhor vê. O emprego o Clóvis me ofereceu e eu aceitei (…)”. Destaco, igualmente, a cautela com que deve ser considerado o comportamento de Regis da Silveira De Leon, preterido na convenção partidária e procurado pela eleitora antes do vazamento das mensagens, pois em áudio Regis indaga a um interlocutor “o que tu me diz disso irmão, ela vai me passar os print, da conversa, como nós podia fazer para explorar isso aí?”, em evidente demonstração de interesse de prejudicar a candidatura de LEONARDO e CLÓVIS. Nesse norte, tenho que não há prova de prática de captação ilícita de sufrágio, situação que redunda, logicamente, no afastamento das alegações do recorrente também acerca de prática de abuso de poder econômico. Isso porque a parte autora traz apenas uma série de conjecturas, ilações sobre quantos outros eleitores teriam sido alvo do mesmo tipo de comportamento por parte dos recorridos, sem que tenha sequer carreado indícios de que algo tenha, de fato, ocorrido.

Ora, da mera leitura do corpo do acórdão se percebe o afastamento das razões de recurso – com menção ao entendimento do juízo de primeiro grau, que vai acima grifado, rogando facilidade, desta feita, à visualização.

Houve, ainda, a análise e a conclusão pela fragilidade da prova.

Por clareza, portanto: o afastamento da ilicitude reconhecida na origem vai na parte em que o acórdão conclui, por todas as razões expostas, que não houve captação ilícita de sufrágio. O acórdão assentou a ausência de elemento fundamental para a caracterização da figura da captação ilícita de sufrágio, e aqui peço leitura detida, ao referir que, "na hipótese, não houve oferta de benesse em troca de voto, pois não havia voto a ser conquistado. A interpretação da norma há de ser feita de forma técnica". 

Ademais, afirma o embargante que:

O conteúdo da legislação incidente à espécie afirma, e isto precisa ser dito em alto e bom som, que está dentro do escopo legal a promessa ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, de emprego ou função pública. No caso concreto, como destacado no recurso, a obtenção do voto é mero exaurimento da conduta. A propósito, como o Relator bem sabe, Itaqui é uma cidade pequena, onde todos se conhecem, sendo comum que a mesma pessoa, para se “proteger”, declare a todos os candidatos que a procurarem o seu voto neles, pois logo adiante pode “precisar” até mesmo de um atendimento atencioso de um destes futuros agentes políticos. Ora, com a devida vênia, malfere o conteúdo legal do art. 41-A do Código Eleitoral o ato decisório quando não considera a fundamentação trazida no recurso, mormente quando não arreda o que está claro na moldura do tipo eleitoral. Eis o que, data vênia, deve ser objeto de pronunciamento: a fundamentação, possivelmente legal, que excepciona – excludente de ilicitude – o esquadro legal vertido no art. 41-A do C

Ou seja, segue o embargante desejando fazer prevalecer o entendimento de que a obtenção do voto seria "mero exaurimento da conduta", acompanhado de uma série de apontamentos casuísticos (tamanho da cidade) e conjecturas metajurídicas, consequencialistas (relações entre eleitores e candidatos eleitos), para sustentar a tese do "exaurimento às avessas", pois é incontroverso que, antes que o candidato tivesse se manifestado, a eleitora já havia esclarecido sua intenção de voto.

Na curiosa tese do embargante o exaurimento foi o primeiro fato a ocorrer na linha temporal; surgiu antes da proposta. O efeito, antes da causa. 

Como se vê, a argumentação não se sustenta e apenas denota a tentativa de rediscussão do mérito. Os fatos incontroversos arredaram a "moldura do tipo eleitoral".

Ainda, outra omissão vem indicada nos embargos, nos termos que seguem:

Cumpre, aqui, rememorar que a decisão ora embargada afirmou que: “(...) Em síntese, o fato é a disponibilização, pelo então vereador CLÓVIS, de servidor integrante de seu gabinete para auxiliar, por um período de 30 dias, o cadastramento da população no programa de auxílio emergencial do Governo Federal no Município de Itaqui, ferindo, conforme o entendimento do recorrente, o art. 73 da Lei n. 9.504/97. Com efeito, é inadmissível o uso de bem ou serviço custeado por verbas públicas em benefício de campanhas políticas. Contudo, no caso dos autos, a alegação de que o fato é ilícito não se sustenta. Destaco que o Município de Itaqui, por meio do Decreto Municipal n. 7851/2020, de 19.3.2020, declarou estado de calamidade pública em razão da pandemia Covid-19, situação que se estendeu ao longo do período eleitoral. Nesse contexto, a colaboração do assessor à população carente em momento de extrema necessidade não destoa do esperado da atuação da vereança.(...)” Ocorre, entretanto, que a fundamentação expendida é omissa Explica-se. O Decreto Municipal n. 7581/2020 não representa, obviamente, um elixir capaz de franquear o descumprimento da legislação eleitoral e ou atinente à Lei de Improbidade Administrativa. A propósito, o art. 37 da Constituição Federal, bem por isso, submete, inclusive, o mencionado decreto, aos auspícios do princípio da legalidade e da moralidade.  Nesse diapasão, a decisão ora vergastada não aduz, nem de passagem, como resulta excepcionado o princípio da legalidade baseado em um mero decreto de calamidade, que seria o álibi para emprego de servidor público, remunerado pelos cofres públicos municipais, em funções totalmente estranhas tanto da assessoria parlamentar quanto da vereança. A propósito, eis a dicção da Lei 9.504/97, art. 73, § 10: § 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.(Incluído pela Lei nº 11.300 de 2006)

E, para além dos vícios apontados, os embargos atribuem ao acórdão ferimento ao princípio da legalidade:

A decisão ora embargada, portanto, além de malferir o princípio da legalidade, não tendo apontado a base legal em que ancora suas conclusões, ainda é omissa ao não revelar, de acordo com a Lei específica, em qual das atividades descritas na realçada norma municipal (inteiro teor nos autos) estaria enquadrado o permissivo (e promíscuo) uso de servidor remunerado, em período vedado pela legislação eleitoral, para utilização de seus préstimos em ambiente que não guardava relação alguma com a atividade parlamentar.

Segue a fundamentação do acórdão, concernente ao ponto:

Em síntese, o fato é a disponibilização, pelo então vereador CLÓVIS, de servidor integrante de seu gabinete para auxiliar, por um período de 30 dias, o cadastramento da população no programa de auxílio emergencial do Governo Federal no Município de Itaqui, ferindo, conforme o entendimento do recorrente, o art. 73 da Lei n. 9.504/97. Com efeito, é inadmissível o uso de bem ou serviço custeado por verbas públicas em benefício de campanhas políticas. Contudo, no caso dos autos, a alegação de que o fato é ilícito não se sustenta. Destaco que o Município de Itaqui, por meio do Decreto Municipal n. 7851/2020, de 19.3.2020, declarou estado de calamidade pública em razão da pandemia Covid-19, situação que se estendeu ao longo do período eleitoral. Nesse contexto, a colaboração do assessor à população carente em momento de extrema necessidade não destoa do esperado da atuação da vereança. Lembro que o estado de calamidade é exceção expressamente prevista na Lei n. 9.504/97, conforme este Tribunal já manifestou: CONSULTA. PREFEITO. QUESTIONAMENTO ACERCA DE EDIÇÃO DE LEI, EM ANO ELEITORAL, PREVENDO BENEFÍCIOS GRATUITOS À POPULAÇÃO. ESTADO DE CALAMIDADE PÚBLICA. PANDEMIA. CORONAVÍRUS. COVID-19. POSSIBILIDADE. EXCEÇÃO À REGRA. CONSULTA CONHECIDA. RESPONDIDA NEGATIVAMENTE. 1. Indagação formulada por prefeito, referente à possibilidade de edição de lei prevendo benefícios gratuitos à população, em especial isenção de tarifa de água e esgoto e concessão de auxílios assistenciais, diante do contexto atual de calamidade pública declarado via Decreto Municipal e reconhecido nacionalmente. 2. Ainda que não preenchido o requisito da formulação em tese, nos termos do art. 30, inc. VIII, do Código Eleitoral, uma vez que a eventual resposta do questionamento não atenderia à abstração inerente à atividade consultiva da Justiça Eleitoral, a situação posta nos autos deve ser tratada de forma excepcional, devido ao momento pelo qual está passando o Brasil e o mundo diante da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). 3. A calamidade pública é exceção à regra que proíbe, em ano eleitoral, a distribuição de bens, valores ou serviços pela administração pública, mas não isenta o gestor da observância dos princípios constitucionais no trato da coisa pública e não dispensa a adoção de critérios objetivos para estabelecer beneficiários, prazo de duração e motivação estrita relacionada à causa da situação excepcional, bem como vedada a ocorrência de promoção pessoal de autoridades, servidores públicos, candidatos, partidos ou coligações, na publicidade ou distribuição do benefício.  (Consulta n. 0600098-44. Rel. Des. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz. Sessão de 14.5.2020, DEJERS de 14.5.2020, p. 2. Unânime.) Na doutrina, Flávio Cheim Jorge, Ludgero Liberato e Marcelo Abelha Rodrigues bem explicitam a questão da prova nas ações eleitorais que visam alterar o resultado obtido nas urnas (Curso de Direito Eleitoral, 3 ed. Juspodivm, 2020, p. 368): Com efeito, a presunção jurídica em favor do resultado das urnas está presente no direito processual eleitoral e se manifesta de forma nítida na questão atinente às provas, no sentido de que as ações que visem à cassação dos mandatos políticos conferidos nas urnas (AIME, RCED, AIJE) têm ínsita no seu sistema probatório a regra de que o resultado das urnas se presumem, devendo haver provas robustas que fulminem a referida presunção e autorizem a cassação do mandato político. Observa-se que o que está em jogo, ou seja, o que se pretende proteger não é, de forma alguma, senão de forma reflexa, a capacidade eleitoral passiva do candidato eleito, mas, sim, a democracia popular realizada nas urnas, fruto da vontade manifestada pelo exercício do sufrágio. […] A leitura inversa de inúmeros precedentes do TSE permite descortinar o fato de que existe uma preocupação do legislador em evitar que a Justiça Eleitoral seja utilizada como uma espécie de “terceiro turno” na disputa eleitoral, ou seja, quer se evitar a fabricação de atos de corrupção eleitoral com a finalidade de obter na justiça a cassação do mandato do eleito. Infelizmente tal prática é realizada por candidatos derrotados (ou em vias de ser derrotados) que criam factoides para desestabilizar a campanha do candidato eleito ou que esteja perto de sê-lo. A maneira mais simples de arquitetar essa inescrupulosa trama de corrupção e fraude é praticada corrompendo pessoas para que sejam testemunhas de atos inexistentes de corrupção eleitoral atribuídos ao candidato vitorioso. Além desse aspecto seríssimo, antes citado, e sem descurar o fato de que, segundo a jurisprudência do TSE, a comprovação da captação ilícita de sufrágio lastreada exclusivamente em prova testemunhal é perfeitamente admitida, bastando que ela demonstre de maneira consistente a ocorrência do ilícito eleitoral, a verdade é que a necessidade de prova robusta para demonstração do ilícito eleitoral que leve à perda do mandato é medida que está diretamente relacionada com a necessidade de se preservar a vontade das urnas, o sufrágio eleitoral, aplicando-se sempre, em favor do voto, a vontade popular. Exatamente este o caso dos autos. Não há sequer indício de caráter eleitoreiro ou de condicionamento dos préstimos em troca do voto dos eleitores socorridos, até mesmo porque o programa pertence à outra esfera de governo, a Federal, como é notório. Ou seja, não há prática de abuso de poder ou de conduta vedada, e entendimento diverso, como destacou o d. Procurador Regional Eleitoral, “(...) significa deixar à população local à mercê da própria sorte, configurando, isso sim, omissão do agente político eleito no seu dever de atender e prestar auxílio àqueles que mais necessitam de orientação, apoio e ajuda”.

Mais uma vez, percebe-se ter havido confusão entre (1) entender omisso determinado ponto e (2) receber decisão contrária aos próprios interesses. Há fundamentação clara sobre o caráter excepcional dos fatos narrados, a circunstância da decretação de calamidade pública pelo Poder Executivo Municipal, coincidente com a frase "exceto nos casos de calamidade pública" constante no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, mas convenientemente não destacada nas razões dos aclaratórios.

Aliás, noto que, também por conveniência, não houve, quer nas razões de recurso, quer nos memoriais, sequer uma linha escrita acerca da exceção da calamidade pública incontroversamente decretada pelo Poder Executivo de Itaqui. Nas oportunidades citadas, preferiu o embargante referir, aliás repetidamente, que de "boas intenções o inferno está cheio", argumento que não pertence ao mundo jurídico e se afeiçoa muito mais à tertúlia tipicamente exposta nas competições por cargos eletivos.

Na sequência, nos embargos sob exame, adjetiva a fundamentação do acórdão como ofensiva ao princípio da legalidade constante no art. 37 da Constituição Federal, quando uma breve leitura do texto constitucional permitiria a absorção de valiosas lições acerca da repartição de competências das esferas federativas lá constante, especialmente no art. 30 da CF, para paradoxalmente requerer o afastamento de uma legislação municipal surgida a partir da excepcionalíssima situação da COVID-19 e via decreto que frui de presunção de constitucionalidade e de legalidade, tendo sido indicado precedente desta Corte em consulta sobre situação de todo semelhante.

Como se percebe, não há omissões a serem sanadas, tendo a decisão embargada apreciado todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia. A jurisprudência entende pela desnecessidade de que o órgão julgador se manifeste expressamente a respeito de todas as teses e dos dispositivos legais que tenham sido indicados pelas partes em suas razões, nos casos em que esses não se mostrem capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão, bastando que se pronuncie sobre o que se mostra necessário e suficiente à fundamentação e ao afastamento da tese em contrário, nos termos do art. 489, inc. III, do Código de Processo Civil:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

[...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[...].

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

 

Nesse sentido, julgado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA. 1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço. 2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida. 4. Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum. 5. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no MS 21315 / DF – Relator Ministra DIVA MALERBI - PRIMEIRA SEÇÃO - Data do Julgamento - 08.06.2016 -Data da Publicação/Fonte - DJe 15.06.2016.)

 

Dessa forma, até mesmo a arguição de prequestionamento mostra-se incabível na espécie, uma vez que exigida a ocorrência de omissão quanto ao tratamento dos temas suscitados, conforme o art. 1.025 do Código de Processo Civil e precedentes dos tribunais:

Código de Processo Civil

Art. 1.025. Consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade.

Precedente

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ELEITORAL. ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A RECURSO INTERPOSTO CONTRA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NO ARESTO EMBARGADO. MERA MANIFESTAÇÃO DE INCONFORMISMO COM O RESULTADO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. É cediço que os embargos de declaração têm cabimento apenas quando à decisão atacada forem apontados vícios de omissão, obscuridade ou contradição; vale dizer, não podem ser opostos para sanar o inconformismo da parte. 2. O que se percebe é que o embargante apenas manifesta seu inconformismo com o fato de que este Tribunal negou provimento ao recurso, olvidando, assim, que os embargos de declaração não se prestam a esse fim. 3. De outra parte, no tocante ao prequestionamento, frise-se que é desnecessária a referência expressa aos dispositivos legais e constitucionais tidos por violados, pois o exame da questão, à luz dos temas invocados, é mais do que suficiente para viabilizar o acesso às instâncias superiores. 4. Ademais, mesmo quando opostos com o objetivo de prequestionamento, os embargos pressupõem a existência, no julgado, de omissão, obscuridade ou contradição.5. Embargos de declaração rejeitados.

(TRE-SP - RECURSO ELEITORAL n. 31624, Acórdão, Relator Des. NELTON DOS SANTOS, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 12.02.2021.) (grifo nosso)

 

Em resumo, o inconformado embargante poderá aviar recurso às instâncias superiores, acaso pretenda fazer prevalecer as teses que elaborou.

Diante do exposto, VOTO para rejeitar os embargos de declaração.