REl - 0600042-19.2020.6.21.0159 - Voto Relator(a) - Sessão: 14/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

No mérito, assevera a parte embargante que o acórdão embargado incorreu em omissão relativamente a dois pontos: (1) quanto à condição de filiados dos contribuintes detentores de cargos comissionados, e (2) quanto à natureza jurídica dos cargos glosados.

1. No concernente ao primeiro tópico, aduz que “caracteriza evidente cerceamento de defesa” o indeferimento de diligência requerida em grau recursal, pois “via reflexa, limita a linha de argumentação e teses a serem invocadas e defendidas nas instâncias extraordinárias, desconsiderando também a discussão que se impõe acerca da anistia do art. 55-D, da Lei 9.096/95 e o imprescindível reconhecimento da qualidade de filiado dos doares” (sic).

Destaca a existência de pedidos expressos e alternativos e a necessidade de atendimento do requerido para viabilizar acesso às instâncias extraordinárias.

Sem razão, adianto.

Da leitura do corpo do acórdão se depreende inexigível que a Corte tivesse que se manifestar de forma expressa relativamente a todos os argumentos aviados no recurso, pois afastados logicamente pela fundamentação da decisão embargada.

Nesse norte, é possível concluir, mediante singelos silogismos, pelo afastamento das diligências requeridas, exatamente porque elas não se mostrariam hábeis sequer hipoteticamente a colaborar com o deslinde do processo.

Indico que o embargante havia postulado a anulação da sentença com retorno dos autos à origem, para certificação dos eleitores filiados contribuintes, ou para diligência de certificação em grau recursal ou, ainda, para manifestação no acórdão a respeito da filiação dos contribuintes.

Ora, a mera leitura do corpo do acórdão demonstra que, na realidade, não houve omissão, mas decisão contrária à tese esposada pelo recorrente:

Os recorrentes suscitam cerceamento de defesa em razão do indeferimento de pedido de certificação nos autos, por parte do cartório eleitoral, de que os contribuintes considerados fontes vedadas estavam filiados ao PROGRESSISTAS à época das contribuições. O indeferimento repousou na irretroatividade do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Irretocável. A diligência seria de todo inútil, pois sequer em tese colaboraria para o deslinde da controvérsia. Conforme o princípio de que "o tempo rege o ato", a legislação de regência há de ser aplicada com a redação da época das contas a serem prestadas, de forma que, relativamente ao feito sob exame, é absolutamente indiferente, no que toca aos doadores, a condição de filiado.

Logo, desnecessária a prova requerida, ante a sua estampada inutilidade, pois de nada serviria para a resolução das questões jurídicas postas em causa.

[…]

Ou seja, a matéria foi amplamente discutida, com o resultado de vigência legítima dos limites ao direito de doação por parte de autoridades públicas a partidos políticos, e a ocorrência de alteração legislativa posterior, no sentido de passar a admitir tais doações, não alcança o presente caso, como se verá adiante.

Esclareço que diferenciações de estado jurídico entre cidadãos são comuns no ordenamento, aliás necessárias na maioria das ocasiões em que ocorrem. Com igual frequência são as limitações a servidores públicos no que diz respeito à participação política (membros e servidores do Poder Judiciário, do Ministério Público e das Forças Armadas, apenas a título exemplificativo) de modo que o argumento não possui mínima procedência. Aliás, no campo valorativo, não há como discutir que a modificação legislativa facilitou o uso da máquina administrativa, uma vez que os ocupantes de cargo comissionados (servidores públicos, ainda que em caráter precário) poderão doar valores às agremiações às quais estejam filiados.

Nesse norte, destaco o alcance do conceito de autoridade, aplicável ao caso presente e originariamente assentado pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral na resposta à Consulta n. 1428, no sentido de que não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da Administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades, entendimento este solidificado na Resolução TSE n. 23.464/15, cujas disposições disciplinam os exercícios financeiros do ano de 2016 dos partidos políticos.

Pelo exposto, não procedem os argumentos pela inconstitucionalidade do inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95, em sua versão aplicável às contas do exercício financeiro 2016.

 

Em suma, restou consignado no acórdão que, independentemente da condição de doador (filiado ou não filiado), as doações eram ilícitas porque a redação aplicável ao exercício financeiro de 2016 não fazia distinção de tal natureza.

O embargante segue confundindo os conceitos basilares de questão de fato e de questão de direito, ao manter a posição equivocada de necessidade de inclusão de base fática nos autos, quando na verdade sustenta teses, quais sejam, de constitucionalidade e de retroatividade.

Nessa senda poderá, mediante recurso ao Tribunal Superior Eleitoral, apresentar tais teses e, logrando êxito, receberá como efeito a pretendida pecha de legalidade das doações caracterizadas como irregulares em primeiro e segundo graus de jurisdição, sem que seja necessária o que vindica como prova - um rol de filiados no ano de 2016.

Ademais, acaso o embargante entendesse alguma prova como fundamental, haveria de ter se desincumbido do ônus de apresentá-la, pois a relação de filiados de um partido político é de acesso franqueado à própria agremiação.

2. No relativo à alegada omissão quanto à natureza dos cargos comissionados, a agremiação embargante aduz que, no acórdão, não há “nada dispondo acerca da natureza jurídica dos cargos glosados”, asseverando que a listagem constante nos autos carece de informações que entende relevantes. Ainda, discorre sobre a distribuição do ônus da prova.

Equivocado, também aqui.

Como consta no acórdão, o rol de cargos contido nos autos, e considerado insuficiente pelo embargante, foi alimentado por informações extraídas de banco de dados pertencente à Justiça Eleitoral, formado a partir de respostas dos próprios órgãos da Administração Pública em que se encontravam lotados os servidores doadores.

Mais: as respostas foram provocadas por ofícios expedidos por esta Justiça Especializada entre 1º.01.2016 e 31.12.2016, nos quais foram solicitadas listas de pessoas físicas que exerceram cargos de chefia e direção na Administração Pública, em prática estabelecida no âmbito da Justiça Eleitoral e altamente eficaz para a detecção desta espécie de fonte vedada.

Desta feita, argumentos como as ausências de legislação, de assinatura ou de "documento que comprove a função exercida pelos servidores" ignoram a presunção de veracidade dos atos administrativos e representam infundada relativização dos atos do Poder Judiciário.

Ora, todas as respostas oriundas de órgãos públicos à Justiça Eleitoral consubstanciam documentos oficiais de prestação de informações ao Poder Judiciário, e são subscritos por agentes públicos responsáveis, cuja presunção de veracidade, acaso derrubada, pode inclusive acarretar sanções.

Ou seja, o embargante poderá substituir uma equivocada distribuição do ônus da prova pelo cumprimento do ônus que lhe cabe conforme suas alegações, juntando ao recurso que eventualmente apresentar ao TSE a legislação que indique equívoco de direito no acórdão proferido por esta Corte Regional, de forma a contrapor a natureza jurídica que entender pertinente àquela genuína, exarada via documentos oficiais pelos próprios órgãos públicos a que pertencem os cargos em questão.

Como se percebe, não há omissões a serem sanadas, tendo a decisão embargada apreciado todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia. A jurisprudência entende pela desnecessidade de que o órgão julgador se manifeste expressamente a respeito de todas as teses e dispositivos legais que tenham sido indicados pelas partes em suas razões nos casos em que os mesmos não se mostrem capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão, bastando que se pronuncie sobre o que se mostra necessário e suficiente à fundamentação e ao afastamento da tese em contrário, nos termos art. 489, inc. III, do Código de Processo Civil:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[...].

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

 

Nesse sentido, elenco julgado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA.

1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço.

2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/2015 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.

4. Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum.

5. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no MS 21315 / DF – Relator Ministra DIVA MALERBI - PRIMEIRA SEÇÃO - Data do Julgamento - 08/06/2016 -Data da Publicação/Fonte - DJe 15/06/2016)

 

Dessa forma, até mesmo a arguição de prequestionamento se mostra incabível na espécie, uma vez que se exige a existência de omissão quanto ao tratamento dos temas suscitados:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ELEITORAL. ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A RECURSO INTERPOSTO CONTRA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA EM AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS NO ARESTO EMBARGADO. MERA MANIFESTAÇÃO DE INCONFORMISMO COM O RESULTADO. EMBARGOS REJEITADOS. 1. É cediço que os embargos de declaração têm cabimento apenas quando à decisão atacada forem apontados vícios de omissão, obscuridade ou contradição; vale dizer, não podem ser opostos para sanar o inconformismo da parte.

2. O que se percebe é que o embargante apenas manifesta seu inconformismo com o fato de que este Tribunal negou provimento ao recurso, olvidando, assim, que os embargos de declaração não se prestam a esse fim. 3. De outra parte, no tocante ao prequestionamento, frise-se que é desnecessária a referência expressa aos dispositivos legais e constitucionais tidos por violados, pois o exame da questão, à luz dos temas invocados, é mais do que suficiente para viabilizar o acesso às instâncias superiores.

4. Ademais, mesmo quando opostos com o objetivo de prequestionamento, os embargos pressupõem a existência, no julgado, de omissão, obscuridade ou contradição.5. Embargos de declaração rejeitados.

(TRE-SP - RECURSO ELEITORAL nº 31624, Acórdão, Relator(a) Des. NELTON DOS SANTOS, Publicação: DJESP - Diário da Justiça Eletrônico do TRE-SP, Data 12/02/2021) (grifo nosso)

 

Diante do exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.