REl - 0600395-53.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas de JAIR FRAGATA DOS SANTOS foram, na origem, desaprovadas, em face do emprego do montante de R$ 2.000,00, provenientes do FEFC, na aquisição de pneus para seu automóvel particular, alegadamente utilizado em proveito da campanha, sendo-lhe determinada a devolução ao erário da respectiva importância, consoante excerto da sentença proferida pelo Dr. Edvanilson de Araújo Lima, a seguir reproduzido:

Em relação à despesa realizada com recursos oriundos do FEFC, constata-se que o candidato utilizou os R$ 2.000,00 (dois mil reais) repassados pelo Diretório Estadual do Progressistas para a aquisição de quatro pneus para seu veículo (nota fiscal Id. 45313542), o qual, segundo alega, foi utilizado durante a campanha eleitoral.

Ocorre que tal despesa não se enquadra no conceito de "gasto eleitoral" previsto no art. 35 da Resolução TSE 23.607/2019 e art. 26 da Lei 9.504/97, tratando-se de despesa de natureza pessoal, que foi incorporada ao patrimônio particular da pessoa física do candidato após o pleito. Ou seja, o candidato utilizou-se de recursos públicos (verbas do FEFC) para adquirir bens particulares (quatro pneus), em completa inobservância da normal eleitoral.

Mesmo que se considerasse a aquisição dos pneus como "gasto eleitoral", por tratar-se de bem de natureza permanente, deveria ter sido observado o disposto no art. 50, §6º, da Resolução TSE 23.607/2019, que determina a alienação de tais bens ao final da campanha e a transferência dos recursos ao Tesouro Nacional, o que não restou comprovado nos autos.

Registre-se que tais despesas correspondem a mais de 50% (cinquenta por cento) do total dos gastos de campanha do candidato, sendo caso de desaprovação das contas eleitorais, com a imposição do dever de recolher ao Tesouro Nacional a totalidade da importância recebida (R$ 2.000,00) e aplicada de forma indevida, nos termos do art. 17, §9° e 79, §1º, ambos da Resolução TSE 23.607/2019.

Em relação aos apontamentos feitos pela Unidade Técnica quanto aos gastos com combustível, o candidato alegou que tais despesas foram realizadas mediante uso de seu carro particular durante o período de campanha, juntando o respectivo documento comprobatório de propriedade (Id. 71554251), bem como que o pagamento se deu mediante a emissão de cheque nominal (embora não cruzado) em benefício do posto de combustível indicado (Id. 71554252), estando suprida, no entender deste juízo, tal falha, uma vez que possível identificar a empresa beneficiada com o pagamento.

 

Entendo que o decisum recorrido não merece qualquer reparo.

Com efeito, a legislação não considera gasto eleitoral a compra de pneus, não sendo lícito, portanto, seu pagamento com recursos oriundos do FEFC.

Anoto, a tal respeito, que a referida despesa não está enumerada no art. 35, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme se observa de sua expressa dicção:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei nº 9.504/1997, art. 26):

I - confecção de material impresso de qualquer natureza, observado o tamanho fixado no § 2º, inciso II do art. 37 e nos §§ 3º e 4º do art. 38, todos da Lei nº 9.504/1997;

II - propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação;

III - aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral;

IV - despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas;

V - correspondências e despesas postais;

VI - despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições, observadas as exceções previstas no § 6º do art. 35 desta Resolução;

VII - remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatos e a partidos políticos;

VIII - montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados;

IX - realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura;

X - produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita;

XI - realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais;

XII - custos com a criação e a inclusão de páginas na internet e com o impulsionamento de conteúdos contratados diretamente de provedor da aplicação de internet com sede e foro no país;

XIII - multas aplicadas, até as eleições, aos candidatos e partidos políticos por infração do disposto na legislação eleitoral;

XIV - doações para outros partidos políticos ou outros candidatos;

XV - produção de jingles, vinhetas e slogans para propaganda eleitoral.

 

Como se percebe, a aquisição de pneus não corresponde à “despesa com transporte”, que seria o aluguel de veículos, a contratação de táxis ou o pagamento de combustíveis, ou mesmo a montagem de carro de som.

Outrossim, o art. 35, § 6º, do mesmo diploma normativo é claro ao dispor que os dispêndios com manutenção de veículo automotor usado por candidato não são considerados gastos eleitorais, não podendo, portanto, ser pagos com recursos da campanha, verbis:

Art. 35. (...)

§ 6º Não são consideradas gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagas com recursos da campanha as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato:

a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha;

(...).

 

Caracterizada, nesse cenário, a irregularidade na aplicação de verbas públicas, acertada a determinação de restituição do respectivo montante ao erário, exatamente como decidido pelo juízo a quo, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Noutro giro, em que pese o recorrente tenha cumprido referido comando sentencial, consoante demonstra a GRU e seu respectivo comprovante de pagamento bancário (ID 20454783), tal fato não tem o condão de desconstituir a mácula previamente glosada pelo magistrado de primeiro grau.

Do mesmo modo, o desconhecimento da lei e a ausência de má-fé também não operam em favor da pretensão recursal, porquanto, de acordo com o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece, bem como a legislação pertinente não exige para a rejeição das contas a configuração de dolo ou culpa, bastando a verificação da conduta irregular.

Por derradeiro, gizo que a falha apurada alcança o valor de R$ 2.000,00, equivalente a 50,91% das receitas arrecadadas pelo candidato (R$ 3.928,16), inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018.

(...)

3. Falha que representa 18,52% dos valores auferidos em campanha pelo prestador. Inviabilidade da aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade como forma de atenuar a gravidade da mácula sobre o conjunto das contas.

4. Desaprovação.

(Prestação de Contas n. 060235173, ACÓRDÃO de 03.12.2019, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão.)

 

Assim, em consonância com o parecer ministerial, impõe-se a integral manutenção da sentença que desaprovou as contas de JAIR FRAGATA DOS SANTOS e lhe determinou o recolhimento ao erário dos recursos do FEFC irregularmente aplicados, devendo ser conferido e considerado o pagamento da GRU acostada pelo candidato por ocasião do cumprimento da sentença (ID 20454783).

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de JAIR FRAGATA DOS SANTOS e lhe determinou o recolhimento do valor de R$ 2.000,00 ao Tesouro Nacional.