REl - 0600233-72.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que desaprovou as contas reconheceu a irregularidade no pagamento de despesas de campanha, no montante de R$ 1.432,00 (mil quatrocentos e trinta e dois reais), diante da não observação da regra que exige a utilização de cheque nominal e cruzado.

Não foi determinado o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional em razão de “não se tratar de recursos oriundos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e, também, da ausência de disposição específica na Resolução TSE 23.607/2019 quanto ao recolhimento desses valores” (ID 28332083).

Cumpre esclarecer que o montante glosado corresponde ao total das despesas contratadas na eleição (ID 28331233).

O parecer conclusivo identificou os gastos nos valores pagos por meio de cheques não cruzados (28331583).

Tal fato restou incontroverso.

Em relação ao pagamento de despesas da campanha eleitoral, dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária.

Embora o recorrente afirme que comprovou a realização da despesa com a juntada dos documentos previstos no art. 60 da mesma resolução, ou seja, com “documento fiscal idôneo ou outros meios que possibilitem a verificação de sua natureza e regularidade”, tratam-se de exigências distintas e simultâneas, mas que atendem a finalidades diversas.

Os documentos enumerados no art. 60 permitem verificar se a contratação se enquadra em uma das categorias previstas no art. 35 da norma (gastos eleitorais permitidos) – por exemplo: confecção de material impresso de qualquer natureza; propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação; aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral; despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas; correspondências e despesas postais; despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições; remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatos e a partidos políticos; montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados; realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura; produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita; realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais; dentre outros.

Dito de outro modo, os documentos mencionados na resolução permitem verificar se não foram realizadas contratações não permitidas, tais como a confecção ou aquisição de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou outros bens ou materiais que possam ser distribuídos ao eleitor, por exemplo.

A exigência do art. 38 em relação ao meio de pagamento a ser utilizado pelo candidato possibilita que se verifique se os recursos da campanha foram realmente direcionados ao contratado indicado na documentação e favorece a rastreabilidade dos valores.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito. Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as Eleições 2018, o art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal” no inc. I, enquanto para as Eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (inc. I do art. 38).

A partir das Eleições 2020, o saque do valor pago com verbas eleitorais demanda que o valor nele representado seja creditado em conta. Confira-se a redação dos dispositivos pertinentes da Lei n. 7.357, de 2 de setembro de 1985, que dispõe sobre o cheque:

CAPÍTULO V

Do Cheque Cruzado

Art. 44 O emitente ou o portador podem cruzar o cheque, mediante a aposição de dois traços paralelos no anverso do título.

§ 1º O cruzamento é geral se entre os dois traços não houver nenhuma indicação ou existir apenas a indicação ‘’banco’’, ou outra equivalente. O cruzamento é especial se entre os dois traços existir a indicação do nome do banco.

§ 2º O cruzamento geral pode ser convertida em especial, mas este não pode converter-se naquele.

§ 3º A inutilização do cruzamento ou a do nome do banco é reputada como não existente.

Art. 45 O cheque com cruzamento geral só pode ser pago pelo sacado a banco ou a cliente do sacado, mediante crédito em conta. O cheque com cruzamento especial só pode ser pago pelo sacado ao banco indicado, ou, se este for o sacado, a cliente seu, mediante crédito em conta. Pode, entretanto, o banco designado incumbir outro da cobrança.

§ 1º O banco só pode adquirir cheque cruzado de cliente seu ou de outro banco. Só pode cobrá-lo por conta de tais pessoas.

§ 2º O cheque com vários cruzamentos especiais só pode ser pago pelo sacado no caso de dois cruzamentos, um dos quais para cobrança por câmara de compensação.

§ 3º Responde pelo dano, até a concorrência do montante do cheque, o sacado ou o banco portador que não observar as disposições precedentes. (Grifei.)

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação do recebedor depositá-lo em conta bancária para compensá-lo. Tal procedimento permite à Justiça Eleitoral rastrear o trânsito de valores, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, julgado em 07.07.2021).

Na hipótese, não foi possível verificar o trânsitos dos valores, com exceção daqueles destinados à ANA CLAUDIA SILVEIRA AYRES (cheque n. 0850002, no valor de R$ 190,00), cujos dados é possível verificar no extrato da conta-corrente de campanha disponível em https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87254/210001140636/extratos.

Ainda, em relação ao cheque n. 850001, referente as despesas de R$ 246,60, R$ 50,40 e R$ 525,00, que totalizam R$ 822,00 (oitocentos e vinte e dois reais), é possível verificar que sua destinação restou vinculada ao pagamento a um boleto em nome da empresa ESSENT JUS CONTABILIDADE, a mesma beneficiária denominada na cártula (ID 28330083).

Ressalta-se que, embora a despesa de R$ 525,00 (quinhentos e vinte e cinco reais) esteja vinculada a um serviço prestado a DILSON D’ÁVILA ALBERTO, conforme nota fiscal juntada, no contrato de prestação de serviços firmado restou acordado que o pagamento seria feito integralmente à empresa ESSENT JUS CONTABILIDADE, a qual repassaria a DILSON D’ÁVILA ALBERTO o seu percentual (ID 28330083).

Assim, ocorrida a correspondência entre o beneficiário do pagamento e o fornecedor do serviço, a quantia de R$ 822,00 (oitocentos e vinte e dois reais), também deve ser deduzida.

Dessa forma, deve ser considerado irregular o gasto eleitoral no valor de R$ 420,00 – quatrocentos e vinte reais (R$ 1.432,00 – R$ 190,00 – R$ 822,00) por infringência ao disposto no artigo 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, nos termos da sentença recorrida.

Embora o candidato justifique que os beneficiários dos cheques eram pessoas humildes, que, em sua maioria, não tinham condições de manter uma conta bancária, o que inviabilizaria que os pagamentos fossem feito por outros meios (transferência bancária, débito em conta ou cartão de crédito), houve a não observância de norma objetiva, não havendo como afastar a irregularidade do procedimento dotado pelo prestador de contas.

O recorrente também defende a natureza eminentemente formal do apontamento, afirmando que as falhas são ínfimas e que não comprometem a regularidade das contas, invocando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

No caso concreto, embora a irregularidade (R$ 420,00) represente 28,76% dos recursos arrecadados pelo candidato (R$ 1.460,00), em termos absolutos, o montante envolvido representa valor irrisório.

O Tribunal Superior Eleitoral tem aprovado com ressalvas as contas de campanha sempre que o montante das irregularidades represente valor absoluto diminuto, ainda que o percentual com relação ao total da arrecadação seja elevado. Para tanto, a Corte superior adota como referência o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos), como uma espécie de "tarifação do princípio da insignificância", considerando a quantia o máximo absoluto entendido como diminuto, conforme demonstram os julgados abaixo colacionados:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. DOAÇÃO A TÍTULO DE RECURSOS PRÓPRIOS MEDIANTE DEPÓSITO BANCÁRIO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. VALOR DIMINUTO DA IRREGULARIDADE CONSIDERADO SEU VALOR ABSOLUTO. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto, ainda que o percentual no total da arrecadação seja elevado. Precedentes. 2. No caso dos autos, embora o percentual da irregularidade seja elevado, aproximadamente 76%, seu valor absoluto (R$ 950,00) deve ser considerado módico, uma vez que inferior a R$ 1.064,10 (mil, sessenta e quatro reais e dez centavos – 1.000 UFIRs). 3. Manutenção da decisão. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 63967, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 06.8.2019). (Grifei.)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. CANDIDATOS. DESAPROVADAS. DESPESAS COM INSTALAÇÃO DE COMITÊ DE CAMPANHA. COMPROVAÇÃO. REENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FATOS. POSSIBILIDADE. IRREGULARIDADES REMANESCENTES. PERCENTUAL INEXPRESSIVO NO CONTEXTO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. PROVIMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO ESPECIAL PARA APROVAR, COM RESSALVAS, AS CONTAS DOS RECORRENTES. MANUTENÇÃO DA DECISÃO. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O reenquadramento jurídico dos fatos, quando cabível, é restrito às premissas assentadas pela instância regional e não se confunde com o reexame e a revaloração do caderno probatório, providência incabível em sede de recurso especial, a teor do disposto na Súmula nº 24/TSE.

2. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para superação de irregularidades que representem valor absoluto diminuto, ainda que o percentual no total da arrecadação seja elevado. Precedentes.

3. Adota-se como balizas, para as prestações de contas de candidatos, o valor máximo de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) como espécie de "tarifação do princípio da insignificância" como valor máximo absoluto entendido como diminuto e, ainda que superado o valor de 1.000 UFIRs, é possível a aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para aquilatar se o valor total das irregularidades não superam 10% do total da arrecadação ou da despesa, permitindo-se, então, a aprovação das contas com ressalvas.

4. Tal balizamento quanto aos aspectos quantitativos das prestações de contas não impede sua análise qualitativa. Dessa forma, além de sopesar o aspecto quantitativo descrito acima, há que se aferir se houve o comprometimento da confiabilidade das contas (aspecto qualitativo). Consequentemente, mesmo quando o valor apontado como irregular representar pequeno montante em termos absolutos ou ínfimo percentual dos recursos, eventual afetação à transparência da contabilidade pode ensejar a desaprovação das contas.

5. No caso dos autos, o diminuto percentual das falhas detectadas (0,38%) – em relação ao valor absoluto arrecadado em campanha – não representa gravidade capaz de macular a regularidade das contas.

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 0601473-67.2018.6.24.0000, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Data 07.5.2020) (Grifei.)

No mesmo sentido, colho o seguinte aresto deste Tribunal:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatados gastos declarados pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS – Prestação de Contas n 060069802, ACÓRDÃO de 14.7.2020, Relator DES. FEDERAL CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Publicação: PJE – Processo Judicial Eletrônico-PJE) (Grifei.)

Assim, na hipótese dos autos, embora o percentual da irregularidade na prestação de contas do candidato seja superior ao utilizado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas, o seu valor absoluto (R$ 420,00) deve ser considerado módico, pois inferior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos – 1.000 UFIRs), sendo insuficiente para a desaprovação das contas.

Além disso, não consta na sentença nenhum elemento no sentido de se verificar má-fé na conduta do candidato.

Dessa forma, considerando-se o reduzido valor absoluto da irregularidade e a evidência de boa-fé do prestador, as contas devem ser aprovadas com ressalvas.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de Jorge Souza Carvalho, relativas ao pleito de 2020.