REl - 0600283-98.2020.6.21.0027 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/09/2021 às 14:00

VOTO

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

Mérito

Trata-se da prestação de contas de candidata ao cargo de vereadora, relativa às eleições do ano de 2020.

A sentença que desaprovou as contas reconheceu a irregularidade no pagamento de despesas de campanha, no montante de R$ 1.562,00 (mil quinhentos e sessenta e dois reais), diante da não observação da regra que exige a utilização de cheque nominal e cruzado.

Não foi determinado o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional em razão de “não se tratar de recursos oriundos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e, também, da ausência de disposição específica na Resolução TSE 23.607/2019 quanto ao recolhimento desses valores” (ID 28394033).

O parecer conclusivo identificou os gastos nos valores pagos por meio de cheques não cruzados (28393683).

Tal fato restou incontroverso.

Inicialmente, cumpre ressaltar a existência de erro material no parecer conclusivo ao indicar que o total da irregularidade corresponde a R$ 1.562,00 (mil quinhentos e sessenta e dois reais), tendo em vista que, na realidade, corresponde a R$ 1.192,00 (mil cento e noventa e dois reais) – R$ 250,00 + R$ 525,00 + R$ 246,60 + R$ 50,40 + R$ 120,00 = R$ 1.192,00.

Em relação ao pagamento de despesas da campanha eleitoral, dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

II – transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III – débito em conta; ou

IV – cartão de débito da conta bancária.

Embora o recorrente afirme que comprovou a realização da despesa com a juntada dos documentos previstos no art. 60 da mesma resolução, ou seja, com “documento fiscal idôneo ou outros meios que possibilitem a verificação de sua natureza e regularidade”, tratam-se de exigências distintas e simultâneas, mas que atendem a finalidades diversas.

Os documentos enumerados no art. 60 permitem verificar se a contratação se enquadra em uma das categorias previstas no art. 35 da norma (gastos eleitorais permitidos) – por exemplo: confecção de material impresso de qualquer natureza; propaganda e publicidade direta ou indireta, por qualquer meio de divulgação; aluguel de locais para a promoção de atos de campanha eleitoral; despesas com transporte ou deslocamento de candidato e de pessoal a serviço das candidaturas; correspondências e despesas postais; despesas de instalação, organização e funcionamento de comitês de campanha e serviços necessários às eleições; remuneração ou gratificação de qualquer espécie paga a quem preste serviço a candidatos e a partidos políticos; montagem e operação de carros de som, de propaganda e de assemelhados; realização de comícios ou eventos destinados à promoção de candidatura; produção de programas de rádio, televisão ou vídeo, inclusive os destinados à propaganda gratuita; realização de pesquisas ou testes pré-eleitorais; dentre outros.

Dito de outro modo, os documentos mencionados na resolução permitem verificar se não foram realizadas contratações não permitidas, tais como a confecção ou aquisição de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou outros bens ou materiais que possam ser distribuídos ao eleitor, por exemplo.

A exigência do art. 38 em relação ao meio de pagamento a ser utilizado pelo candidato possibilita que se verifique se os recursos da campanha foram realmente direcionados ao contratado indicado na documentação e favorece a rastreabilidade dos valores.

Em especial, considerando a modalidade de pagamento por cheque, é possível constatar que o regulamento eleitoral tem se preocupado cada vez mais em identificar o recebedor dos valores e restringir a livre circulação do documento de crédito. Tal conclusão é autorizada pela alteração da redação do dispositivo pertinente: para as Eleições 2018, o art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 estabelecia a possibilidade de utilização de “cheque nominal” no inc. I, enquanto para as Eleições 2020, como se transcreveu acima, a exigência é de “cheque nominal cruzado” no dispositivo equivalente (inc. I do art. 38).

A partir das Eleições 2020, o saque do cheque pago com verbas eleitorais demanda que o valor nele representado seja creditado em conta. Confira-se a redação dos dispositivos pertinentes da Lei n. 7.357, de 2 de setembro de 1985, que dispõe sobre o cheque:

CAPÍTULO V

Do Cheque Cruzado

Art. 44 O emitente ou o portador podem cruzar o cheque, mediante a aposição de dois traços paralelos no anverso do título.

§ 1º O cruzamento é geral se entre os dois traços não houver nenhuma indicação ou existir apenas a indicação ‘’banco’’, ou outra equivalente. O cruzamento é especial se entre os dois traços existir a indicação do nome do banco.

§ 2º O cruzamento geral pode ser convertida em especial, mas este não pode converter-se naquele.

§ 3º A inutilização do cruzamento ou a do nome do banco é reputada como não existente.

Art. 45 O cheque com cruzamento geral só pode ser pago pelo sacado a banco ou a cliente do sacado, mediante crédito em conta. O cheque com cruzamento especial só pode ser pago pelo sacado ao banco indicado, ou, se este for o sacado, a cliente seu, mediante crédito em conta. Pode, entretanto, o banco designado incumbir outro da cobrança.

§ 1º O banco só pode adquirir cheque cruzado de cliente seu ou de outro banco. Só pode cobrá-lo por conta de tais pessoas.

§ 2º O cheque com vários cruzamentos especiais só pode ser pago pelo sacado no caso de dois cruzamentos, um dos quais para cobrança por câmara de compensação.

§ 3º Responde pelo dano, até a concorrência do montante do cheque, o sacado ou o banco portador que não observar as disposições precedentes. (Grifei.)

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação do recebedor depositá-lo em conta bancária para compensá-lo. Tal procedimento permite à Justiça Eleitoral rastrear o trânsito de valores, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, julgado em 07.07.2021).

Na hipótese, em consulta ao DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87254/210001241162/extratos), foi possível verificar no extrato bancário a identificação dos beneficiários dos cheques n. 850002 (CLAITON REGIS PORTELA E CIA LTDA, R$ 250,00) e 850001 (JOAO PAULO VENDRUSCOLO ZINI, R$ 120,00), sendo que ambos os pagamentos foram apontados como irregulares no parecer conclusivo de ID 28393683, de forma que devem ser deduzido do montante de irregularidades as despesas no valor de R$ 370,00 (trezentos e setenta reais).

Ainda, em relação ao cheque n. 850003, referente as despesas de R$ 246,60, R$ 50,40 e R$ 525,00, que totalizam R$ 822,00 (oitocentos e vinte e dois reais), é possível verificar que sua destinação restou vinculada ao pagamento a um boleto em nome da empresa ESSENT JUS CONTABILIDADE, a mesma beneficiária denominada na cártula (ID 28392333).

Ressalta-se que, embora a despesa de R$ 525,00 (quinhentos e vinte e cinco reais) esteja vinculada a um serviço prestado a DILSON D’ÁVILA ALBERTO, conforme nota fiscal juntada, no contrato de prestação de serviços firmado restou acordado que o pagamento seria feito integralmente à empresa ESSENT JUS CONTABILIDADE, a qual repassaria a DILSON D’ÁVILA ALBERTO o seu percentual (ID 28392333).

Assim, ocorrida a correspondência entre o beneficiário do pagamento e o fornecedor do serviço, a quantia de R$ 822,00 (oitocentos e vinte e dois reais), também deve ser deduzida.

Feitas essas considerações observa-se que não remanesceu nenhum valor irregular. Contudo, a falha permanece diante do descumprimento da norma objetiva. Levando-se em consideração que não consta na sentença nenhum elemento no sentido de se verificar má-fé na conduta da candidata, a irregularidade inicialmente constatada se traduz em mera impropriedade, situação que condiciona a aprovação das contas com ressalvas.

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo provimento do recurso para aprovar com ressalvas as contas de Silviane Genro Dalcin, relativas ao pleito de 2020.